Vinte anos após a demolição de três casarões históricos no Bairro Lourdes, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) entraram com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisão que isentou a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) de responsabilidade pelo caso. A votação do recurso está marcada para começar no dia 8 de agosto.

Os imóveis demolidos ficavam na Rua Aimorés, ao lado da Catedral da Fé, templo da Universal, e estavam em processo de tombamento junto ao Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte. Nas instâncias inferiores, a organização religiosa havia sido condenada a pagar R$ 33 milhões em indenizações, além de construir um memorial e uma praça pública no local. No entanto, decisão recente do STF anulou as condenações, sob o argumento de que houve violação ao direito de propriedade.

Segundo o STF, a notificação enviada à Universal pela Secretaria Municipal de Regulação Urbana (SMRU), em dezembro de 2004, não era suficiente para impedir a demolição. Para o relator do caso, apenas o Conselho de Patrimônio teria competência para impor tal restrição e o processo de tombamento só teria sido oficialmente iniciado em agosto de 2005, após as demolições.

No recurso apresentado, MPMG e MPF contestam essa interpretação e afirmam que a Igreja tinha pleno conhecimento do processo. De acordo com os MPs, tanto os antigos proprietários quanto representantes da Universal participaram de reuniões do Conselho desde julho de 2004, onde foram informados sobre o início da tramitação. Em novembro daquele ano, a Universal já negociava os imóveis e chegou a protocolar um projeto de ampliação da Catedral, que previa as demolições.

A presença de uma advogada da Igreja em reunião do Conselho, em dezembro de 2004, na qual a relatora do processo votou pelo tombamento definitivo dos imóveis, também é destacada como prova de ciência da tramitação. Na ocasião, um pedido de vista adiou a decisão final e a Gerência de Patrimônio Histórico Urbano recomendou manter a integridade das construções até o desfecho do processo.

Além disso, os MPs afirmam que a notificação formal emitida pela SMRU, em dezembro de 2004, proibia qualquer intervenção sem licenciamento da prefeitura, configurando o chamado “tombamento provisório”, que já garante a proteção dos bens. Como a SMRU e o Conselho eram vinculados à mesma secretaria municipal, os órgãos atuavam de forma integrada e a comunicação teria validade legal.

Casarões históricos

Os três imóveis demolidos entre os dias 13 e 15 de agosto de 2005 foram construídos em 1946 e apresentavam características arquitetônicas ecléticas. Dois deles foram projetados por Raphael Hardy Filho, precursor do modernismo em Belo Horizonte e autor de obras como o Fórum Lafayette, a Escola Estadual Pandiá Calógeras e o prédio que hoje abriga a Escola de Design da UEMG. O terceiro era assinado pelos arquitetos Jefferson Lodi e Wady Simão, também responsáveis por projetos importantes na capital mineira.

Na ação, movida em 2005, o MPMG apontou que os imóveis estavam protegidos por inventário e registro documental, o que exigia autorização expressa para qualquer alteração. A Universal, contudo, realizou as demolições sem licenciamento, com o objetivo de construir um estacionamento anexo à Catedral. 

Os três imóveis demolidos entre os dias 13 e 15 de agosto de 2005 foram construídos em 1946 e apresentavam características arquitetônicas ecléticas

Marcos Michelin/EM/D.A Press

Condenação e reversão

A Justiça mineira reconheceu o dano ao patrimônio cultural e, em 2013, condenou a Universal ao pagamento de R$ 18 milhões por danos materiais, além de R$ 15 milhões por danos morais coletivos. O valor foi calculado com base em uma metodologia desenvolvida por órgãos de justiça e proteção ao patrimônio, que considera critérios como estado de conservação, originalidade e possibilidade de recuperação dos bens destruídos.

As decisões foram confirmadas em segunda instância e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2023, que condenou a Igreja Universal do Reino de Deus a pagar mais de R$ 23 milhões como indenização por danos patrimoniais e morais coletivos, pela derrubada de três casas declaradas patrimônio cultural de Belo Horizonte, criando precedente para ações semelhantes. 

Também foi determinada a construção de um memorial no local, com praça de uso público e a reprodução artística das fachadas dos casarões, conforme projeto aprovado pelo Conselho de Patrimônio em 2014. O estacionamento poderá ser construído em área subterrânea, com arborização no nível da rua.

A reversão da condenação pelo STF causou reação dos Ministérios Públicos, que agora buscam reverter a decisão por meio do recurso que será votado no próximo mês. Para os procuradores, reconhecer o tombamento provisório como instrumento de proteção eficaz é essencial para garantir a preservação do patrimônio histórico brasileiro.

Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura e a Fundação Municipal de Cultura informam que, na ocasião, foi feita notificação prévia aos proprietários sobre a proteção cultural dos imóveis. "Os proprietários à época não possuíam alvará de demolição e tinham ciência do iminente tombamento dos bens culturais. No entanto, a demolição ocorreu em um domingo com a utilização de tratores e durou exatos 40 minutos, o que impediu qualquer tipo de ação fiscal mesmo com os apelos dos moradores da vizinhança."

A nota explica ainda que "O envio da notificação foi realizado no intuito de evitar possíveis descaracterizações e demolições nos imóveis que possuíam flagrante importância histórico-cultural. Acreditava-se que, com a notificação, os proprietários cumpririam a legislação vigente que impede a demolição e a mutilação de bens culturais".

Em relação ao tombamento provisório, a secretaria e a fundação afirma que "o entendimento legal é que se trata de ação cautelar de preservação das edificações, parte integrante do rito de tombamento, não se tratando de entendimento interno ou isolado".

"Informamos ainda que a PBH não foi notificada de nenhuma decisão, já que não é parte integrante do polo ativo da ação", conclui a nota.

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A reportagem procurou a Igreja Universal, mas, até o fechamento da matéria, não obteve retorno.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino

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