*Com informações de Izabella Caixeta, Laura Scardua, Maria Antônia Rebouças* e Sílvia Pires
Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, vestiu o uniforme laranja de gari pela última vez na segunda-feira (11/08), quando saiu para trabalhar no Bairro Vista Alegre, Região Oeste de Belo Horizonte. Ele foi morto por um tiro no abdômen disparado pelo suspeito Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, depois de uma briga de trânsito.
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Na terça-feira (12/08), familiares e amigos se despediram de Laudemir durante o velório realizado em uma Igreja Quadrangular no Bairro Nova Contagem, em Contagem (MG), na Região Metropolitana da capital. “Estamos em choque e com muita, muita revolta. Estamos sem chão!”, lamentou Jéssica França, de 25 anos, enteada de Laudemir. “Ele era uma pessoa muito trabalhadora, honesta, carinhosa e protetora, cuidava muito da gente", completou.
Laudemir deixou também uma filha de 15 anos. Segundo a irmã, ela também está muito abalada.
A motorista Eledias Aparecida Rodrigues, que dirigia o caminhão de coleta de lixo no momento em que o assassinato ocorreu, disse, em depoimento à Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), que a vítima comemorava a conquista da guarda da filha no dia do crime.
Como foi o crime?
A equipe de limpeza estava na Rua Modestina de Souza, no Bairro Vista Alegre, quando Eledias percebeu que uma fila de carros se formava atrás dela e decidiu manobrar o caminhão para a direita e permitir a passagem dos veículos, entre eles um BYD conduzido pelo empresário Renê da Silva.
Segundo o depoimento de Eleidas, ela e os outros garis disseram ao suspeito “vem, vem, pode vim (sic)”, orientando que havia espaço suficiente para ele passar com o carro. Logo depois, Renê pegou uma arma e apontou para a motorista, ameaçando atirar. O gari Tiago Rodrigues, então, posicionou-se entre o empresário e a colega, questionando: “Você vai dar um tiro na mulher trabalhando? Vai matar ela dentro do caminhão?”.
Renê conseguiu passar sem esbarrar no caminhão e parou cerca de três metros à frente. Desceu do carro com a arma em punho, apontou para os trabalhadores, disparou e atingiu Laudemir no abdômen.
Conforme os registros, o tiro acertou o lado direito das costelas e saiu pelo esquerdo. Ele deu entrada no Hospital Santa Rita, em Contagem, na Grande BH, mas morreu momentos depois por hemorragia interna. No local do crime, foi recolhido um projétil intacto de munição calibre .380.
Essa era a rota de trabalho dele?
De acordo com o processo criminal, Eledias Aparecida Rodrigues, motorista do caminhão, disse em depoimento que Laudemir trabalha na rota que atende o Bairro Serra, na Região Centro-Sul da capital, e cobria licença de colega machucado.
Ela também contou que saiu da garagem da empresa sozinha e se encontrou com o gari na regional localizada no Bairro Salgado Filho às 8h15 e foram juntos até o Vista Alegre, onde se reuniram com os outros três colegas e iniciaram o trabalho por volta de 8h40.
Durante o trajeto, Laudemir contou a Eledias que já trabalhava na empresa há dez anos e que tinha acabado de conseguir a guarda da filha de 10 anos. Ela relatou que o gari estava preocupado em chegar em casa antes das 18h, pois haveria uma visita do Conselho Tutelar para vistoriar a nova casa da menina.
Quem é o suspeito?
Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, atuava como vice-presidente de uma empresa de alimentos, mas foi desligado no dia seguinte à repercussão do crime. Ele é casado com uma delegada da Polícia Civil e possui formação em Administração e Marketing pela PUC-Rio e Universidade Estácio de Sá. Também é detentor de dois MBAs: um em Gestão de Projetos, pelo Ibmec, e outro em Bens de Varejo e Consumo, pela USP.
Em seu perfil do Instagram, que foi desativado poucas horas após a prisão, ele se descrevia, em inglês, como "cristão, esposo, pai e patriota".
No próprio perfil profissional, define-se como “líder, com boa capacidade de comunicação e motivação de equipes diretas e indiretas, com prática no acompanhamento e desenvolvimento de profissionais”. Ele ainda se apresenta como um profissional com “excelente capacidade de negociação e de construir relacionamento por meio de engajamento, resolução de problemas e comunicação eficaz”.
Como o suspeito foi preso?
Horas após o crime, a Polícia Militar localizou e prendeu Renê no estacionamento de uma academia na Avenida Raja Gabaglia, Bairro Estorial, Região Oeste de Belo Horizonte. Segundo a corporação, a identificação do suspeito foi possível graças à análise de imagens de câmeras de segurança, que revelaram parte da placa do veículo e possibilitaram identificar o modelo do carro.
De acordo com o boletim de ocorrência, ao ser abordado na entrada da academia, Renê negou participação no crime e afirmou que sua esposa é delegada da Polícia Civil de Minas Gerais. Disse ainda, segundo o registro, que o veículo está registrado em nome dela. O boletim também relata que a arma supostamente usada no crime pertence à esposa do suspeito e foi apreendida pela PM.
Renê teve a prisão em flagrante convertida em preventiva pela Justiça, a pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em audiência de custódia realizada na manhã de quarta-feira (13/8). O advogado do caso, Leonardo Salles, não se pronunciou.
De acordo com a decisão judicial, a prisão preventiva do réu é necessária para garantir a ordem pública, dada a gravidade do crime é o modus operandi utilizado. Isso porque, segundo a ata da audiência, o crime foi cometido "em plena luz do dia, por motivo fútil, uma aparente irritação decorrente de uma breve interrupção no trânsito".
Onde René está preso?
Ainda na noite de segunda (11/8), o suspeito foi transferido para o Centro de Remanejamento Sistema Prisional da Gameleira (Ceresp Gameleira) e, segundo a Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), deu entrada no Presídio de Caeté, na noite de quarta-feira (13/8).
O presídio é o mesmo onde se encontra Matteos França Campos, de 32, suspeito de matar a própria mãe após uma briga por dívida de jogo no mês de julho. Soraya Tatiana Bonfim França foi encontrada morta, embaixo de um viaduto no Bairro Conjunto Caieiras, em Vespasiano, na Região Metropolitana.
Durante audiência na quarta-feira (13/8), o empresário reclamou do atendimento recebido no Ceresp Gameleira, disse que está dormindo no chão e alegou ter sido fotografado dentro da unidade prisional.
O juiz responsável pela audiência, Leonardo Vieira Rocha Damasceno, determinou que o estabelecimento prisional de Caeté disponibilize, caso haja viabilidade, um colchão e a advertiu para que não sejam feitas "fotografias do autuado dentro do presídio". O suspeito também foi autorizado a tomar remédio para dormir - Clonazepam - princípio ativo do Rivotril - enquanto permanecer preso preventivamente.
De quem é a arma do crime?
Em coletiva de imprensa na tarde de terça-feira (12/8), a Polícia Civil confirmou a suspeita de que a arma utilizada — uma pistola calibre .380 — pertence à esposa de Renê, que é delegada da corporação. O armamento foi enviado à perícia, que tem prazo legal de 10 dias para concluir o laudo e confirmar se foi de fato usado no crime.
A polícia também apura junto à Polícia Federal se o suspeito possuía porte de arma, informação que, até o momento, não foi confirmada.
A corporação destacou, ainda, que o fato de a arma estar registrada em nome de outra pessoa não implica automaticamente sua participação no crime. Só se configura coautoria caso haja indícios de coação ou autorização para o uso do armamento. No caso, trata-se de uma arma registrada em nome de uma delegada de polícia, autorizada a possuí-la em razão da carreira. Até o momento, não há indícios, do ponto de vista criminal, de envolvimento da delegada nesse homicídio.
O que diz o suspeito?
Em depoimento no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Renê descreveu sua versão dos fatos. Ele contou que saiu de casa às 8h05, no Vila da Serra, em Nova Lima (MG), em direção a Betim (MG), onde trabalhava como diretor de uma empresa.
Segundo ele, demorou cerca de 30 minutos para chegar devido ao congestionamento e que sempre passa por vias principais, sob orientação da esposa, uma vez que não é da Grande BH e não conhece bem as vias. Diz ele que chegou à empresa às 9h17 ou 9h27, onde permaneceu até às 13h. Ele não registrou ponto por fazer parte da diretoria. A Polícia Militar recebeu o chamado sobre o homicídio às 9h07.
Renê afirmou à Polícia Civil que não passou pelo local do crime. Uma consulta feita pela reportagem a aplicativos de GPS mostrou que uma das rotas possíveis do Vila da Serra a Betim passa pelo Bairro Vista Alegre, em um trecho entre o Anel Rodoviário e a Avenida Teresa Cristina. A esquina da Rua Modestina de Souza onde ocorreu o crime está a um quarteirão de distância de uma possível rota.
Ainda segundo a versão do suspeito, depois do expediente, ele teria ido para casa, no Condomínio Vila da Serra, em Nova Lima, também na Grande BH, passeado com seus cachorros e em seguida ido para a academia. A abordagem da polícia foi feita às 16:57, segundo o BO.
Ele tem antecedentes criminais?
Durante audiência de custódia, o Ministério Público informou que René possui registro policial por violência doméstica no estado de São Paulo e envolvimento com crimes de homicídio culposo e lesão corporal no Rio de Janeiro.
O primeiro caso se trata de uma ação penal pela prática de crime de lesão corporal grave contra uma mulher. Já no estado fluminense o empresário responderia por lesão corporal contra uma ex-companheira, além de ameaça contra a ex-sogra. Além disso, o registro de antecedentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro aponta que o homem também teria envolvimento em uma ocorrência de homicídio culposo, quando não há intenção de matar.
Ao ser questionado sobre o histórico pelos seus advogados, o investigado afirmou que nunca foi preso e não responde a nenhum processo criminal. “Eu respondo por uma luxação do quinto metatarso da minha ex-esposa. Mas já tenho uma medida cautelar contra ela, dada pelo Ministério Público de São Paulo”, disse Renê. O caso está em segredo de Justiça.
O que falta ser esclarecido?
O álibi, conforme o delegado Álvaro Huerdas, chefe do DHPP, foi refutado pelas testemunhas do crime, que, durante as oitivas, afirmaram que o homem que disparou contra Laudemir se tratava de Renê. Agora, os investigadores da PCMG seguem em busca de imagens de câmera de segurança que indiquem o que teria ocorrido.
Conforme informado à reportagem pela empresa onde o homem trabalhava havia duas semanas, imagens de câmeras de segurança registraram a entrada de Renê às 9h18 e sua saída às 12h30. Em nota, a empresa afirmou que as gravações foram encaminhadas para a Polícia Civil, que agora vai analisar as imagens.
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Além disso, durante a audiência, Renê alegou que o carro registrado nas imagens, que foram mostradas a ele na abordagem policial, apresentava uma lateral cromada, detalhe que o veículo dele não teria. “Não são os mesmos carros”, disse o suspeito aos policiais, de acordo com depoimento dele. “Meu carro não é um elétrico, é um híbrido”, completou.
*Estagiárias sob supervisão da subeditora Celina Aquino