A proposta de conceder gratuidade irrestrita no transporte público por ônibus urbanos em âmbito nacional não só é viável, como também é considerada "ideal" para todas as 706 cidades brasileiras com mais de 50 mil habitantes. Essa é a conclusão de um estudo elaborado pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), intitulado Caminhos para a Tarifa Zero.
- Cidades brasileiras onde o ônibus já é de graça; veja a lista
- UFMG: Tarifa Zero em BH compensaria inflação para famílias de baixa renda
A proposta é semelhante a um modelo adotado na França em 1971, o Versement Mobilité. Assim como ocorre no país europeu, o transporte público seria financiado por estabelecimentos públicos e privados, que fariam aportes mensais de valor fixo, pagos por cada trabalhador. No entanto, pequenas empresas com até 9 funcionários ficariam isentas, o que significa que nada menos que 83% dos empregadores seriam dispensados dessa contribuição.
Os demais estabelecimentos também ficariam liberados de fazer os aportes para os primeiros 9 assalariados, passando a contribuir apenas sobre os demais integrantes do quadro de trabalho. Assim, empresas com 10 funcionários pagariam uma taxa; aquelas que empregam 11 pessoas contribuiriam sobre duas delas, e assim por diante. Tal modelo não utilizaria recursos do orçamento público nem criaria novos tributos, apenas substituiria os valores referentes ao transporte já pagos pelas pessoas jurídicas diretamente aos trabalhadores.
Nesse cenário, o estudo estima que uma contribuição mensal de aproximadamente R$ 250 por funcionário geraria cerca de R$ 80 bilhões por ano, montante suficiente para custear a Tarifa Zero nas 706 cidades em questão, beneficiando 124 milhões de pessoas. Atualmente, ainda segundo a pesquisa da UnB, os custos anuais do sistema de transporte público pagos pelos usuários estão em torno de R$ 65 bilhões.
- PBH lança pesquisa para mapear transporte coletivo à noite e nas madrugadas
- Números das linhas de ônibus de BH têm significados; saiba por quê
Mesmo quando se leva em consideração as adequações necessárias para que o transporte público se adeque à proposta de gratuidade, como o crescimento da oferta, ganhos de eficiência e alterações em contratos e na forma de remuneração das operadoras, os custos ainda seriam de R$ 78 bilhões por ano, segundo os pesquisadores. Valor menor, portanto, que a arrecadação prevista com as contribuições.
Outra conclusão à qual o trabalho de pesquisa chegou é que a universalização do transporte público gratuito é mais viável do que conceder a isenção apenas para grupos em posição social mais vulnerável. De acordo com o estudo, seriam necessários aproximadamente R$ 58 bilhões por ano para custear passagens diárias, de ida e volta, para as cerca de 24 milhões de pessoas cadastradas no CadÚnico, que constituem a camada mais pobre da população brasileira. Esse valor já corresponde a 75% do total necessário para a implementação da Tarifa Zero irrestrita.
"A conclusão do estudo é que a Tarifa Zero é viável tecnicamente e sustentável economicamente", sintetiza Letícia Birchal Domingues, professora do Instituto de Ciência Política da UnB. "Essa proposta não implica em novos recursos federais, nem em impostos, e traz resultados sociais superimportantes", complementa a pesquisadora.
- Mais uma cidade mineira adere à Tarifa Zero: número chega a quase 30 no estado
- Minas tem um quarto dos municípios do país com gratuidade nos ônibus
A proposta tomada como base pela UnB é semelhante ao Projeto de Lei 60/2025, proposto em Belo Horizonte pela vereadora Iza Lourença (PSOL). O texto, que acabou reprovado em primeiro turno no último mês de outubro pela Câmara Municipal, previa gratuidade em todas as linhas de ônibus de Belo Horizonte. O serviço seria custeado por um fundo abastecido justamente com recursos de empresas que possuem força de trabalho a partir de 10 funcionários.
Transporte público em baixa
Os dados levantados pela pesquisa lançam luz sobre um fenômeno que vem ocorrendo em diversas cidades brasileiras: o número de usuários do transporte coletivo está caindo sucessivamente. Essa redução vem ocorrendo em São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Manaus (AM), Curitiba (PR), Recife (PE), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS).
Belo Horizonte também está incluída nesse cenário. Na capital mineira, de acordo com a BHTrans, o número de passageiros transportados pelos coletivos da rede pública despencou de 453 milhões, em 2013, para 275 milhões, em 2024, o que representa uma queda de 39%.
Leia Mais
A redução na demanda torna a operação mais onerosa: para evitar grandes elevações nos preços das passagens, a prefeitura concede subsídios ao setor, que atualmente estão orçados em R$ 698 milhões e correspondem a 38% do custo total da operação. Já a tarifa paga pelos usuários arrecada R$ 455 milhões, cerca de 25% do total. Os demais 37%, que somam R$ 677 milhões, provêm do vale-transporte pago pelas empresas.
Apesar dos subsídios, que existem também em várias outras cidades brasileiras, a tarifa é considerada pelos pesquisadores como uma barreira ao uso do transporte público. "A passagem costuma ser cara demais para quem a compra, principalmente para a população mais pobre", destaca Letícia. "A gente não consegue sair da lógica da compra de vale, e esse modelo tem vários problemas", complementa.
Desafios
O próprio estudo da UnB enumera desafios para a implementação do transporte público gratuito e irrestrito. Entre eles estão a necessidade de criar uma estrutura envolvendo a União, os estados e os municípios, para permitir a distribuição de recursos e o compartilhamento de responsabilidades. Desse modo, a operacionalização da Tarifa Zero depende de ampla articulação entre diferentes esferas dos poderes Executivo e Legislativo.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
"A gente sente que há desafios, mas entende que tanto os cálculos quanto os dados de cidades que já adotaram a Tarifa Zero são ótimos argumentos", opina a professora do Instituto de Ciência Política da UnB. "A medida é um ganha-ganha, com retornos econômicos positivos, inclusive aumento do comércio", conclui Letícia.
