Manifestantes se reuniram na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte, neste domingo (5/10), para defender a Tarifa Zero no transporte coletivo e protestar contra a decisão da Câmara Municipal, que rejeitou na sexta-feira (3/10) o projeto de lei que previa gratuidade nas linhas de ônibus da capital.

O ato foi liderado pela vereadora Iza Lourença (Psol), autora do Projeto de Lei 60/2025, o chamado “PL do Busão 0800”. A manifestação percorreu a Feira Hippie e exibiu cartazes e faixas em defesa da proposta, em meio a palavras de ordem que pediam uma cidade mais acessível e menos dependente do transporte individual.

“Domingo tem ônibus de graça em São Paulo, tem ônibus de graça em Brasília, mas em Belo Horizonte não tem”, afirmou Iza durante o protesto. Ela destacou que o movimento pela Tarifa Zero é antigo e que a derrota na Câmara não encerra a luta.

“Desde 2013 a gente ocupa as ruas por uma tarifa justa. Dormimos na porta da Câmara quando aumentaram o preço da passagem. De lá pra cá seguimos conversando com a população, mostrando que o modelo atual não funciona. As pessoas não aguentam mais andar de ônibus nessas condições”, disse.

A vereadora afirmou que a mobilização popular foi fundamental para pautar a cidade nos últimos meses. “Nos últimos oito meses estivemos em cada região, em cada bairro, explicando o projeto e tirando dúvidas. Muita gente ouviu mentiras, disseram que a conta não fecha, que é inviável. Isso é mentira. O que falta é vontade política”, afirmou Iza.

Ela defende que o grupo responsável pela proposta sempre esteve aberto a negociar ajustes e a considerar novas ideias, como a gratuidade aos domingos e para famílias de baixa renda, mas que nenhuma alternativa foi colocada em discussão. “Nós poderíamos negociar várias coisas para o segundo turno. Colocamos esse projeto na mesa e falamos que a gente poderia negociar qualquer outra proposta que viesse. Infelizmente, não chegou nenhuma”, disse.

Apesar da derrota, Iza disse que o movimento continuará. “A luta não para por aqui. A mobilidade em Belo Horizonte está em colapso. É caro, é demorado, e quem depende do ônibus está cansado. Vamos continuar nas ruas e no debate", afirmou no protesto deste domingo.

Durante a sessão da última sexta, os vereadores favoráveis à proposta anunciaram que pretendem reapresentar o projeto em 2026, no início do próximo ano legislativo, já que o regimento interno da Câmara impede nova tramitação no mesmo exercício.

Apoio nas ruas

Entre o público que acompanhava o ato, a cabeleireira Bianca de Jesus Gonçalves defendeu que a gratuidade traria benefícios sociais e econômicos. “Sou a favor da Tarifa Zero para idosos e estudantes. Com menos carros nas ruas, teríamos menos acidentes e menos poluição. E para quem pega ônibus todo dia, seria um alívio enorme, porque está muito caro”, afirmou.

Quem também se juntou à manifestação foi o ex-vereador Gabriel Azevedo, que presidiu a Câmara em 2023-2024. Ele lembrou que foi autor de uma emenda que criou as modalidades de tarifa zero já existentes em Belo Horizonte, como o transporte gratuito para moradores de vilas e favelas, mulheres vítimas de violência e estudantes do ensino médio da rede pública.

“Mais do que isso, precisamos avançar com a pauta. Em São Paulo, hoje, domingo, todo mundo usa o ônibus sem pagar nada. A gente podia ter isso aqui também. É claro que tem que estudar o modelo, ver o financiamento, mas precisa acontecer um diálogo. Para essa pauta avançar, é preciso coragem”, afirmou.

Embate político

A votação que rejeitou o PL 60/2025 ocorreu na sexta-feira (3/10), sob protestos nas galerias do plenário Amintas Barros. O projeto precisava de 28 votos favoráveis para ser aprovado, mas apenas dez vereadores disseram “sim”. Outros 30 votaram contra, o que tirou da pauta, por ora, a ideia que prometia fazer de Belo Horizonte a primeira capital brasileira com tarifa zero universal.

A proposta foi protocolada em fevereiro com 22 assinaturas de vereadores de 13 partidos diferentes, o que indicava, inicialmente, um apoio expressivo e transversal. Mas, nas últimas semanas, o apoio murchou. Pressões de entidades empresariais e da própria prefeitura fizeram com que boa parte dos signatários recuasse.

Durante a votação, as galerias ficaram lotadas. Manifestantes vaiaram vereadores contrários, interromperam discursos e chegaram a fazer coro de “covardes” e “fascistas” após o resultado. O presidente da Câmara, Juliano Lopes (Podemos), suspendeu a sessão duas vezes para conter os ânimos.

O ponto de discórdia

O debate central foi o modelo de financiamento proposto pelo projeto. O texto, elaborado com base em estudo da UFMG, previa a criação da Taxa do Transporte Público (TTP), a ser cobrada de empresas com mais de dez funcionários a partir de 2028. A contribuição substituiria o vale-transporte e representaria cerca de R$ 169 por empregado, o equivalente, segundo o estudo, a 1,65% da folha salarial.

O projeto ainda previa outras três fontes de financiamento: publicidade nos ônibus, multas aplicadas às empresas e subsídio que já é pago pela prefeitura às concessionárias de ônibus da capital, aprovado em 2023.

De acordo com a pesquisa, o modelo ainda traria retorno positivo para a economia local, em que cada R$ 1 investido, traria retorno de R$ 3,89 em consumo e dinamização do comércio. Experiências como a de Maricá (RJ), onde o transporte gratuito existe há mais de uma década, foram citadas como exemplos de sucesso, com aumento de renda, circulação de pessoas e estímulo à economia local.

Por outro lado, a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) apresentou um levantamento com projeções negativas. Segundo a entidade, a implantação da taxa poderia causar o fechamento de até 55 mil postos de trabalho e impacto de R$ 3,1 bilhões em faturamento do setor produtivo. Essas estimativas foram amplamente utilizadas pelos vereadores contrários para sustentar a tese da inviabilidade econômica.

“Depois de muito diálogo e estudo, a prefeitura entendeu que não há viabilidade no momento. Alguém vai pagar a conta, e não dá para colocar isso nas costas de quem gera emprego”, argumentou Bruno Miranda (PDT), líder do governo na Casa.

Ele defendeu que o debate sobre financiamento do transporte seja ampliado para os outros entes federativos. “Se entendemos que o ônibus gratuito é uma política pública, então deve haver financiamento tripartite, entre União, Estado e município. Se a conta ficar só no orçamento local, a cidade quebra”, disse.

No dia seguinte à votação, o prefeito Álvaro Damião (União Brasil) comemorou o resultado nas redes sociais. Em tom de vitória política, elogiou os vereadores que rejeitaram o projeto e classificou a decisão como um “gesto de responsabilidade”.

“A Câmara deu uma demonstração inequívoca de compromisso com as finanças públicas e com o dinheiro de cada cidadão”, escreveu Damião no X (antigo Twitter). O prefeito também criticou os defensores da proposta, que chamou de “ilusionistas eleitorais”. “Os vereadores não derrotaram a Tarifa Zero, mas sim uma proposta irreal, vendida com intenções políticas”, afirmou.

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O chefe do Executivo disse ainda que o município já subsidia o transporte em cerca de R$ 800 milhões por ano para conter o preço das passagens. “Sem isso, a tarifa estaria quase o dobro do valor atual”, disse.

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