59 possíveis vítimas do metanol: problema pontual ou risco de epidemia?
Não é a primeira vez que casos desse tipo aparecem no mundo, mas costumavam ser restritos a episódios pontuais, em situações específicas
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O Brasil registra, até o momento, 59 casos suspeitos de intoxicação por metanol. Do total, 53 estão em São Paulo — 11 confirmados e 42 em investigação. Outros cinco seguem em análise em Pernambuco e um no Distrito Federal. Há também um óbito confirmado e sete em investigação, segundo dados do Ministério da Saúde. Nesta sexta-feira (3/10), uma morte em Feira de Santana (BA) passou a ser investigada como possível consequência da ingestão da substância.
Não é a primeira vez que casos desse tipo aparecem no mundo, mas costumavam ser restritos a episódios pontuais, em situações específicas. O que chama a atenção agora é o número de regiões e a variedade de bebidas adulteradas, atingindo consumidores de perfis diferentes. O cenário levanta a questão: o país enfrenta um surto ou já se trata de uma epidemia de intoxicação por metanol?
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Surto ou epidemia?
Segundo o médico emergencista Yuri Castro Santos, o Brasil vive um momento inédito na série histórica de intoxicações. “Estamos diante de um surto que, pela gravidade e abrangência, se aproxima de uma epidemia. A situação é tão séria que mobilizou a Polícia Federal e levou a ações emergenciais de vigilância sanitária”, afirma.
De acordo com a infectologista Luana Araújo, a principal hipótese de investigação é a de que a adulteração tenha ocorrido fora da fábrica, diferente, por exemplo, do caso da cervejaria Backer, em 2020, em que o contato entre a substância tóxica e a bebida aconteceu dentro da empresa.
Nesta situação, a dificuldade em garantir a procedência e verificar se os rótulos foram rompidos agrava ainda mais o problema. Por isso, a recomendação é categórica: “Levando em consideração os números, a orientação é clara: não consuma bebida alcoólica. O metanol é indistinguível; só é possível perceber a contaminação quando os sintomas surgem. Desconfiou? Procure imediatamente atendimento médico”, alertou em postagem nas redes sociais.
A médica reforça que as equipes de saúde já estão orientadas para atender pacientes com suspeita de intoxicação.
O que é o metanol?
O metanol é um tipo de álcool usado em processos industriais, como solvente e na produção de combustíveis, ou seja, não deve estar presente em nenhum alimento ou bebida.
De acordo com o toxicologista Álvaro Pulchinelli, do Grupo Fleury, a ingestão causa sintomas semelhantes à embriaguez, como fala arrastada, reflexos lentos e andar cambaleante. “A diferença é que, com o metanol, esses sinais se agravam com o tempo e podem evoluir para náuseas, vômitos, dor abdominal e distúrbios visuais, já que a substância afeta diretamente o nervo óptico”, explica.
Veja vídeo do especialista explicando a importância do diagnóstico precoce da intoxicação por metanol:
Como o corpo reage?
A intoxicação por metanol pode evoluir em estágios:
- Primeiras horas (até 12h): sintomas semelhantes ao álcool comum, como náuseas, vômitos e sonolência.
- Período de latência (24 a 72h): o paciente pode parecer melhorar ou ficar assintomático.
- Segunda fase (12h a 24h): surgem complicações cardiopulmonares, como taquipneia, arritmias e dificuldade respiratória.
- Terceira fase (24h a 72h): há risco de insuficiência renal, dor lombar intensa e lesões irreversíveis.
A gravidade aumenta porque, ao ser metabolizado no fígado, o metanol gera substâncias altamente tóxicas, como formaldeído e ácido fórmico. Sem diagnóstico e tratamento precoces, os danos neurológicos, renais e visuais podem se tornar permanentes.
O que está sendo feito?
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou na última quinta-feira (2/10) um conjunto de medidas emergenciais para conter os casos de intoxicação por metanol relacionados ao consumo de bebidas adulteradas.
A estratégia inclui a formação de um estoque nacional de etanol farmacêutico em hospitais universitários federais e em unidades do SUS, por meio de parceria com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Já estão disponíveis 4,3 mil ampolas, e uma compra emergencial de mais 150 mil ampolas, o equivalente a 5 mil tratamentos, está em andamento, garantindo reposição conforme a demanda de estados e municípios.
Outra frente envolve a busca internacional pelo fomepizol, medicamento específico para tratar intoxicação por metanol e ainda indisponível no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu uma chamada pública para identificar fornecedores estrangeiros após solicitação urgente do Ministério da Saúde. “Estamos mobilizando as dez maiores agências reguladoras do mundo para que indiquem quais países produzem o fomepizol”, explicou o ministro.
Além disso, o governo brasileiro formalizou um pedido à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para a doação imediata de 100 tratamentos, e já manifestou interesse em adquirir outras mil unidades por meio do Fundo Estratégico da entidade. O objetivo é ampliar rapidamente o estoque nacional e garantir acesso ao antídoto em casos graves.
Quando procurar ajuda?
Especialistas reforçam que qualquer suspeita deve levar a atendimento médico imediato. Os sinais de alerta incluem:
- Náuseas e vômitos após consumo de álcool
- Alterações visuais (embaçamento ou cegueira súbita)
- Dificuldade respiratória
- Dor abdominal ou lombar intensa
“O tempo é crucial. Quanto mais cedo o diagnóstico, maiores as chances de reversão e de evitar sequelas graves”, destaca o emergencista Yuri Castro.