4 horas: o tempo que pode mudar o destino de quem sofre um AVC
O acidente vascular cerebral exige diagnóstico rápido e reabilitação adequada para reduzir sequelas e garantir qualidade de vida
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Em 4,5h é possível ler aproximadamente 100 páginas de um livro, ir até Tiradentes de carro, a 190 km da capital mineira, ou correr uma maratona de 42 km (dependendo do ritmo). As mesmas horas são capazes de mudar o destino de uma pessoa que apresenta sinais de um acidente vascular cerebral (AVC), ao diminuir os riscos de sequelas.
O AVC é, atualmente, uma das principais causas de morte por doença cardiovascular e uma das principais causas de incapacidade no mundo. Só em 2023, foram mais 110 mil casos de AVC fulminante (fatal), segundo a Central de Informações do Registro Civil. Do diagnóstico ao tratamento e à reabilitação pós-AVC foram alguns dos temas do XV Congresso Brasileiro de AVC, em Florianópolis (SC), realizado entre os dias 9 e 11 de outubro.
O evento antecede o Dia Mundial do AVC, marcado para 29 de outubro, que tem como objetivo conscientizar a população sobre a prevenção, o reconhecimento dos sintomas e a importância do tratamento rápido.
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O que acontece em um AVC?
No geral, um acidente vascular cerebral ocorre quando um vaso sanguíneo do cérebro é obstruído ou se rompe, interrompendo a circulação de sangue e oxigênio em determinada região. O resultado é a morte das células cerebrais naquela área afetada. Há dois tipos de AVC:
- Isquêmico: representa 85% dos casos. Acontece quando há uma obstrução que atrapalha o fluxo de sangue.
- Hemorrágico: é o tipo menos comum e mais grave. Acontece quando há rompimento ou vazamento de uma artéria no cérebro, provocando sangramento, como no caso de um aneurisma.
Além disso, a doença pode ter subtipos em formas leve, moderada ou grave - sendo que, a cada minuto em que um paciente passa por um AVC, estima-se a perda de dois milhões de neurônios, células do sistema nervoso responsáveis por responder a estímulos sensoriais e motores.
“Cada área do cérebro é encarregada de uma função, como, por exemplo, o cerebelo é responsável pelo equilíbrio. Então, se um AVC é muito extenso, muitas células e conexões serão perdidas. Tudo vai depender da localização. Porque se ele é muito grande, eu tenho muito mais sequela do tipo movimento e fala”, explicou Simone Amorim, neurologista infantil e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil.
Ela ainda destaca que a doença, embora mais presente no envelhecimento, pode ocorrer em qualquer fase da vida: desde o bebê neonatal até o idoso em idade mais avançada. “É mais comum surgir em idade avançada em circunstância dos fatores de risco, que são somatizados, como obesidade, diabetes, controle de estresse etc. Por isso é tão importante fazer atividade física, pois beneficia o corpo e a saúde cerebral.”
Quais são os sinais de alerta?
Segundo Simone, os sintomas de um AVC podem variar e são:
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Confusão mental
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Dormência ou formigamento no rosto, braço ou perna, especialmente em um lado do corpo
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Dificuldade na fala
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Visão alterada
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Dificuldade para levantar um braço ou abraçar
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Problemas ao caminhar
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Assimetria facial ao sorrir
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Dor de cabeça intensa
“Existem alguns estudos, principalmente na Europa, em que ensinam a reconhecer o AVC nas escolas para as crianças pequenas, porque são elas que ficam em casa com os avós. Reconhecê-lo precocemente é importante”, enfatiza a neurologista infantil.
E, com o envelhecimento populacional, o número de pessoas afetadas tende a aumentar, como destaca Maramelia Miranda, neurologista e presidente da Sociedade Brasileira do AVC. Para ela, a população ainda não reconhece a seriedade da doença e suas sequelas, como no caso de pacientes que esperam a dormência melhorar ou apenas vão dormir. “Teve um sintoma de AVC, você tem que correr para o hospital, tá?”
O caso de Bárbara
É o que Bárbara Erig fez, ou tentou fazer. Em coletiva de imprensa, a cerimonialista catarinense contou que sofreu um AVC hemorrágico subaracnoide Fisher 4, um sangramento no espaço abaixo de uma das camadas que recobrem e protegem o cérebro, geralmente causado por um aneurisma. Seu caso foi o grau mais grave.
“Eu tive uma dor de cabeça súbita, muito, muito forte. Então chamei um vizinho e falei que não estava bem. Tentei ligar para o convênio, mas não conseguia discar. O SAMU não pôde atender o chamado, pois estava acontecendo uma corrida. Eu sei que chegou uma ambulância dos bombeiros e do meu convênio. Porém, ninguém queria me levar, pois falaram que era uma coisa simples, apenas uma dor de cabeça. Foram os meus vizinhos que pressionaram a equipe para me levar”, relembra.
Foi no hospital que constataram que ela estava tendo um AVC. Segundo Bárbara, foi o imediatismo que fez com que ela não tivesse sequelas graves do episódio.
Desafio da equidade
Identificar um AVC pela equipe médica e prestar os primeiros socorros no momento certo não é o único desafio. Segundo Maramelia, o cenário trata-se de um grave problema de saúde pública, que ainda requer suportes mais adequados.
A neurologista explica que a trombectomia, método de tratamento que desobstrui e restaura o vaso danificado, ainda não é acessível e integral no Sistema Único de Saúde (SUS). Veja alguns exemplos do cenário:
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Funcionam 24 horas/7 dias da semana: 4 centros no interior de São Paulo, Espírito Santo, Paraíba e Rio Grande do Sul.
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Horário comercial: São Paulo, Paraná, Bahia e Ceará.
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Não fazem ou estão em fase inicial de operação: Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Pernambuco e Paraná.
“Se a pessoa for a mais rica do país e ela estiver na sua fazenda no interior do Mato Grosso do Sul, provavelmente não vai ser tratada corretamente. O que vai fazer a diferença é a rapidez e o acesso à terapia correta para o AVC”, enfatiza.
Complicações pós-AVC
Maramelia Miranda comenta que as complicações podem variar muito e são:
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Dificuldade para engolir
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Perda de força e equilíbrio
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Alterações na fala
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Problemas de locomoção
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Problemas de memória
A espasticidade é uma das complicações mais comuns após um AVC, afetando até 1 em cada 3 pacientes. Ela pode se manifestar logo após o evento ou surgir até três meses após a alta hospitalar. Os principais sinais são:
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Rigidez muscular nos músculos afetados
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Movimentos involuntários (espasmos)
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Dificuldade para alongar braços ou pernas
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Postura alterada, como o cruzamento involuntário das pernas (posição em tesoura)
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Deformidade nas articulações
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Dor e risco aumentado de quedas
“A espasticidade, essa rigidez muscular, ela causa algumas posturas viciosas. O membro superior tem uma tendência a ficar com o cotovelo dobrado, o ombro aduzido, grudado no corpo, o punho dobrado e os dedos fechados. Quanto mais tempo essa posição fica, menos função eu vou ter nesse membro”, informa o fisiatra Celso Vilella Matos, presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (ABMFR).
Reabilitação pós-AVC
Muitas limitações causadas pelo AVC ainda são vistas como “normais” e, portanto, inalteráveis, o que não corresponde à realidade. Na prática, diversos sintomas podem ser bem atenuados com tratamentos adequados e comprovados cientificamente, permitindo que o paciente recupere sua independência e qualidade de vida.
“Muitas vezes a gente não consegue resolver completamente a sequela da pessoa, de qualquer patologia, mas eu consigo criar estratégias, movimentos diferentes, atitudes diferentes para que ela faça tudo o que fazia antes, mas de uma forma adaptada”, explica o fisiatra.
Hoje, o tratamento indicado pelo Ministério da Saúde é multidisciplinar, incluindo avaliação pelo médico de reabilitação, indicação de fisioterapia motora, terapia ocupacional e, quando necessário, aplicação de medicações diretamente nos músculos, como a toxina botulínica A.
Telemedicina
Ele destaca a importância da reabilitação contínua e da criação de estratégias que permitam manter o tratamento, mesmo quando o paciente mora longe dos grandes centros. Segundo o fisiatra, a reabilitação ideal exige frequência e acompanhamento presencial, mas é possível combinar visitas periódicas com o suporte da telemedicina.
Hoje, alguns centros de referência funcionam como polos regionais: o paciente comparece uma vez por mês, ou a cada dois meses, para avaliação com a equipe multidisciplinar, recebe um plano de exercícios detalhado e retorna ao seu município para dar continuidade ao tratamento.
Quando há dúvidas, as equipes locais entram em contato com o centro de referência por videochamada, garantindo o acompanhamento remoto e a continuidade da reabilitação sem a necessidade de deslocamentos constantes.
Celso também ressalta que o processo envolve toda a família, que deve participar das sessões e reproduzir as orientações em casa. O envolvimento dos cuidadores é essencial para que o tratamento funcione e o paciente recupere funções perdidas com o AVC.
Ele lembra ainda que o impacto do AVC vai muito além do indivíduo. “A doença muda a rotina e a estrutura emocional e financeira da família. É uma guinada brusca na vida de todos, especialmente porque atinge, muitas vezes, pessoas em idade ativa.”
Caminhos pós-AVC
Caminhos Pós-AVC é uma iniciativa da Ipsen, em parceria com sociedades médicas e associações de pacientes, que promove informações e a troca de experiências entre pacientes, familiares, cuidadores e profissionais especializados durante a jornada de reabilitação do paciente que sofreu um AVC.
A plataforma reúne vídeos, textos informativos e ilustrações para guiar o público, sem linguagem técnica.
Mariana Prando, gerente de produtos de Neurociências da Ipsen, destaca que apenas 2% dos pacientes têm acesso à reabilitação, ainda que ela esteja disponível no sistema público e privado. “Ainda há muito que se fazer, tanto entre a comunidade médica quanto entre os pacientes e a equipe multidisciplinar.”
É com essa carência, que o Caminhos Pós-AVC tem por objetivo levar informação de qualidade de uma forma simples. Além disso, esse programa atua em quatro pilares principais:
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Educação: em parceria com sociedades médicas, para desenvolver materiais robustos online e físicos, distribuídos nos principais hospitais do país
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Conexão: com informações sobre tipos de tratamento e formas de acesso
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Visibilidade: com ações de engajamento em congressos e canais digitais
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Engajamento: que trabalha diretamente com sociedades e associações de pacientes para maximizar o alcance do programa
Se você sofreu um AVC ou conhece alguém que tenha sofrido, lembre-se: o tratamento é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Procure uma Unidade Básica de Saúde (UBS).