5 filmes e séries essenciais para entender a ditadura no Brasil
O cinema é uma poderosa ferramenta de memória; veja produções que retratam o período militar e ajudam a compreender a história recente do país

O reconhecimento oficial de que o Estado brasileiro causou a morte violenta de desaparecidos políticos, com a recente entrega de certidões de óbito corrigidas a seus familiares, reforça a importância de manter viva a memória sobre a ditadura militar (1964-1985). Lembrar e compreender esse período é fundamental para que os erros do passado não se repitam, e a arte é uma das ferramentas mais poderosas para essa tarefa.
O cinema e a televisão, em particular, têm um papel crucial ao traduzir em imagens e narrativas os complexos eventos históricos. Filmes e séries sobre o período militar não apenas documentam fatos, mas também exploram as emoções, os dilemas e o impacto da repressão na vida de pessoas comuns.
“O Que É Isso, Companheiro?” (1997)
Baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira, o filme narra a história real do sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, em 1969. A ação foi organizada por grupos de resistência armada, como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Ação Libertadora Nacional (ALN), com o objetivo de trocar o diplomata pela libertação de 15 presos políticos.
A produção, dirigida por Bruno Barreto, mergulha nas tensões, medos e ideais dos jovens que decidiram pegar em armas contra o regime. O longa não se esquiva de mostrar as contradições e os debates internos do grupo e oferece uma visão humanizada dos militantes, que eram estudantes e intelectuais movidos por um forte senso de urgência e justiça.
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “O Que É Isso, Companheiro?” se tornou uma referência internacional sobre o tema.
“Pra Frente, Brasil” (1982)
Em meio à euforia da Copa do Mundo de 1970, o Brasil vivia o auge da propaganda ufanista do “milagre econômico” e, ao mesmo tempo, os anos mais duros da repressão. O filme de Roberto Farias captura essa dualidade de forma brilhante. A trama acompanha Jofre, um homem de classe média, apolítico, que é confundido com um ativista, sequestrado por agentes do Estado e levado para um centro de tortura.
Enquanto a família de Jofre o procura desesperadamente, sem qualquer ajuda das autoridades, o país inteiro está paralisado diante da televisão, torcendo pela Seleção Brasileira. Essa sobreposição de realidades expõe a alienação de parte da sociedade e o terror silencioso que corria nos porões do regime.
A produção foi um ato de coragem, lançada ainda durante a ditadura, e se tornou um marco ao abordar diretamente a prática da tortura e os desaparecimentos forçados. É uma obra essencial para compreender o clima de medo e paranoia que pairava sobre o cotidiano dos brasileiros, mesmo entre aqueles que não estavam diretamente envolvidos na militância política.
“Batismo de Sangue” (2006)
Este filme joga luz sobre um capítulo específico e pouco explorado da resistência: o envolvimento de religiosos na luta contra a ditadura. Dirigido por Helvécio Ratton e baseado no livro de Frei Betto, “Batismo de Sangue” conta a história de frades dominicanos que decidiram apoiar a Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella.
A narrativa foca nos frades Tito, Betto, Oswaldo e Fernando, que usavam o convento para esconder militantes e ajudar na logística do grupo. A descoberta de sua participação pela repressão levou à prisão, tortura e ao exílio de vários deles. O caso de Frei Tito é especialmente trágico, já que as sequelas psicológicas da tortura o levaram ao suicídio na França.
A importância do filme está em mostrar que a oposição ao regime não se restringia a estudantes e operários, mas incluía setores progressistas da Igreja Católica. A obra quebra a imagem monolítica das instituições e revela os profundos dilemas morais enfrentados por homens de fé diante da brutalidade de um governo autoritário.
“Marighella” (2019)
Dirigido por Wagner Moura, o filme é uma cinebiografia eletrizante focada nos últimos cinco anos de vida de Carlos Marighella, um dos principais organizadores da luta armada no Brasil e considerado o “inimigo número um” da ditadura. A produção adota um ritmo de thriller de ação para contar a história do líder da ALN e de suas operações de guerrilha urbana em São Paulo.
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A obra retrata um homem determinado e carismático, mas também as consequências violentas de suas escolhas, tanto para ele quanto para seus companheiros. O filme não foge de mostrar a brutalidade da repressão, com cenas explícitas de tortura e perseguição, e a máquina de propaganda do Estado que trabalhava para desumanizar a imagem dos opositores.
“Marighella” foi pensado para dialogar com o público contemporâneo, usando uma linguagem cinematográfica ágil e moderna. Sua relevância está em trazer para o centro do debate uma figura histórica complexa e controversa, estimulando a reflexão sobre os métodos e os limites da resistência em um cenário de opressão absoluta.
“Anos Rebeldes” (1992)
Esta minissérie escrita por Gilberto Braga foi um marco na televisão brasileira ao levar o debate sobre a ditadura militar para o horário nobre. A trama acompanha a trajetória de um grupo de jovens de classe média do Rio de Janeiro, desde os tempos de efervescência política e cultural antes do AI-5, em 1968, até o desmonte da luta armada e o exílio, nos anos 1970.
A história de amor entre os protagonistas, Maria Lúcia (Malu Mader) e João Alfredo (Cássio Gabus Mendes), serve como fio condutor para mostrar como a política invadiu a vida privada. Enquanto João se radicaliza e entra para a luta armada, Maria Lúcia segue um caminho mais moderado, refletindo os diferentes níveis de engajamento da juventude da época. A série retrata com sensibilidade a perda da inocência e das utopias de uma geração.
Exibida poucos anos após o fim do regime, “Anos Rebeldes” teve um impacto social imenso, levando a uma onda de manifestações de jovens que ficaria conhecida como o movimento dos “caras-pintadas”, que pedia o impeachment do então presidente Fernando Collor. A produção é essencial por ter traduzido para um público massivo a experiência humana e afetiva de viver sob a ditadura.