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Estado de Minas F�

Sexta-feira Santa, um dia de fervor, devo��o e tradi��o familiar

Semana santa traz boas lembran�as dos tempos em que celebra��es religiosas significavam congra�amento, boa mesa e o prazer do conv�vio comunit�rio


15/04/2022 04:00 - atualizado 15/04/2022 07:35

De camisa branca, o padre Felipe Lemos prepara a imagem de Cristo para as cerimônias da semana santa na cidade mineira de Santa Luzia
Em Santa Luzia, estes �ltimos dias foram tomados por preparativos para a semana santa (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

 
Minha fam�lia sempre respeitou as tradi��es cat�licas, mantendo cuidados que v�o aos poucos desaparecendo. Como a cidade de Santa Luzia concentrava todas as tradi��es, a semana santa era uma �poca privilegiada para que todos se juntassem, decis�o mais do que �tima, que atualmente n�o existe mais. A cada dia que passa, notamos o afastamento familiar, quando era comum todos se reunirem.
 
A �poca era de congra�amento geral, as portas n�o fechavam e as mesas das salas de refei��es estavam sempre aguardando quem quisesse se alimentar. Sem nenhuma formalidade, convites n�o eram necess�rios e o prato principal era o bacalhau.
 
A mo�ada se reunia em papos que viravam a noite, regados a cacha�a e cerveja. Fazer o trajeto das mesas era atra��o dos gulosos, que come�avam na casa da minha av�, ao lado da matriz, e desciam rua abaixo. Muitos est�magos aguentavam a comilan�a, ningu�m vigiava, ningu�m controlava.
 
Na escadinha da entrada do Solar Teixeira da Costa ficava minha prima Juli, tomando conta de tudo o que acontecia na rua, acompanhada por cheiradas maci�as de fumo. Ela tinha pendurado na frente da roupa um pequeno recipiente sempre cheio de rap�, com o qual se regalava sem o menor problema.
 
Para quem n�o conhece, trata-se do p� de fumo ralado. Quando inalado, o rap� muitas vezes causa espirro, e este � geralmente visto por apreciadores experientes como sinal de iniciante. A tend�ncia para espirrar varia de acordo com a pessoa e o rap� em particular. Geralmente, os rap�s mais secos s�o mais propensos a fazer isso.
 
O interessante � que ningu�m se incomodava, cheirar rap� n�o tinha nada a ver com droga. Mas devia ser estimulante, porque Juli n�o perdia nada do que acontecia no adro da igreja matriz, em frente de sua casa.
 
Uma tradi��o da fam�lia, j� contei aqui, era cuidar da organiza��o das solenidades da igreja. Quando era pequena, tinha a maior inveja de minha prima Maria da Concei��o, porque seus cabelos louros, presos com papelote, se transformavam em belos cacheados, que cobriam sua cabe�a. Os meus nunca me deram esse orgulho, al�m do mais eram escuros. Nas prociss�es, l� �amos nos duas, vestidas de anjo com t�nica de cetim branco e asas feitas com penas de pato.
 
Outra prima querida, que j� se foi, Nan� Gabrich dividia comigo uma tradi��o familiar: compor o caix�o onde o Cristo morto era colocado para descer a rua ap�s o descendimento da cruz. N�s �amos cedo para a sacristia e cuid�vamos do caix�o com todo empenho.
 
A “cama” era montada com len��is de linho bordado, um pequeno travesseiro ajudava a firmar a cabe�a do Cristo morto quando ele era retirado da cruz para seguir pela Rua Direita, voltando para a matriz, onde era colocado em uma tenda dourada e florida, em frente ao altar-mor. Eu e Nan� �ramos encarregadas do trabalho – com toda a tradi��o –, n�o se admitia gente fora da fam�lia.
 
Durante anos cuidei dessa tradi��o familiar, at� que a COVID-19 acabou com esses caprichos, que existem desde o s�culo passado, desde o tempo da nobreza. Esse trabalho, aparentemente sem muita ostenta��o, sempre seguiu nas m�os da minha fam�lia – agora, como os tempos s�o outros, n�o sei como andar�o.
 
Mas essa simplicidade sempre foi cercada de orgulho e agradecimento. As flores que iam no caix�o sempre foram escolha de outra prima, Beatriz Teixeira, em cuja casa a tradi��o � mantida: o panel�o de bacalhau, preparado no capricho e com a maior fartura, est� sempre esperando os famintos na varanda.

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