De tempos em tempos, me deparo com algum casal que se gaba de nunca entrar em atrito. “Acredita que nunca brigamos? ”, me perguntou, certo dia, um deles. Est�o juntos h� 10 anos. Imagine viver ao lado de algu�m durante tanto tempo e conseguir ficar sem nem sequer uma discuss�o pesada, um “arranca rabo”, um conflito?
Fico tentando entender o que eles chamam de briga. Definitivamente, n�o deve ser o mesmo que eu. Ou seja, acho falsa a afirma��o de que � poss�vel um relacionamento em que haja concord�ncia em TUDO. � poss�vel e saud�vel parar de brigar com o parceiro porque ele deixa a toalha de banho no ch�o, ou com a parceira quando ela demora mais que o razo�vel para se arrumar quando o casal est� atrasado para a festa.
Um pouco de paci�ncia n�o faz mal a ningu�m, o mesmo podemos dizer do respeito. � preciso, antes de qualquer coisa, perceber quando h� desrespeito e quando h� apenas neglig�ncia ou falta de tempo para fazer tudo conforme o desejado. Tanto a toalha quanto o atraso podem denunciar muita coisa. E conseguir distinguir qual a inten��o atr�s de cada ato � o xis da quest�o.
Conheci um casal que n�o brigava. Verdade. Ap�s comemorar cinco anos desta uni�o muito festejada, se separaram. Depois ela reconheceu que o que faltou para dar certo foi exatamente a briga, a discuss�o sobre as prefer�ncias de um e de outro, sobre os valores, cren�as, posi��es pol�ticas, defender posi��es contr�rias �s do outro. Tempos depois, os dois encontraram novos c�njuges, com quem est�o casados e discutindo, felizes, h� mais de 15 anos.
Para n�o entrar em conflito com a esposa, acreditando que dessa forma seria poss�vel perpetuar o casamento, ele concordava com tudo o que vinha dela.
– Vamos viajar nas f�rias para a praia?
– Vamos.
– Prefiro o sof� azul, e voc�?
– Azul est� �timo.
– Vou votar no fulano.
– Eu tamb�m.
– Vou trazer mam�e para morar com a gente.
– Isso, traga mesmo.
Penso que chegava a ser at� mon�tono. � nos momentos de discuss�es e brigas que colocamos em prova nossa capacidade de ouvir e expor opini�es contr�rias �s nossas. � irreal acreditar que s� h� amor e identifica��o entre aqueles que pensam e agem da mesma maneira. Formar um casal n�o significa se ver espelhado no outro. Ser parceiro n�o quer dizer ser sempre c�mplice. � viver ao lado como par, e n�o “sobre” nem “sob”.
Quanto ao casal do in�cio deste texto, aquele que me inspirou a escrever sobre a harmonia ut�pica, penso que um deles deve estar se subjugando, permitindo que o outro o domine a ponto de n�o lhe abrir espa�o para expor suas opini�es.
Se somos capazes de mudar nossos pontos de vista com uma frequ�ncia absurda, como conseguir concordar e pensar sempre como o outro?.