
Em 2020, no in�cio da pandemia, explodiram golpes financeiros em todo o pa�s. E acabei sofrendo uma dessas fraudes. Quando descobri, fui at� a pol�cia registrar boletim de ocorr�ncia e tamb�m fui at� o banco para entender o que tinha acontecido. Minha esposa me acompanhou em todos os momentos.
Depois de algumas horas l� dentro, chamei um Uber em frente ao banco para ir para casa e ali esperamos por alguns minutos com a cabe�a cheia de preocupa��es por conta da fraude. Do outro lado da rua, algumas pessoas que se exercitavam estavam me encarando muito, mas resolvi ignorar os olhares zool�gico e focar meus pensamentos no meu problema.
Mas, em um determinado momento, um rapaz forte e sarado que tamb�m se exercitava do outro lado da rua, n�o satisfeito em me encarar fixamente, se deu ao trabalho de atravessar a rua e se vir pra cima de mim.
Muito nervoso, ele perguntou � minha esposa (que � uma mulher branca), se aquilo era um assalto, se eu estava fazendo mal a ela. A cada pergunta que ele fazia, ele tamb�m dava um passo em minha dire��o. Na agressividade dos gestos e no tom de voz desse rapaz n�o tinha espa�o para d�vida: para ele, eu estava assaltando minha esposa e merecia apanhar.
' Dentro dessa l�gica, uma mulher branca pelo simples fato de estar pr�xima de um homem negro precisa de prote��o? Al�m disso, essa mulher branca � vista e tratada como um humano que merece cuidados'
Tanto que, mesmo argumentando que a atitude dele era absurda, em nenhum momento ele pediu desculpas. De cara, entendi o que estava acontecendo. Mas algumas pessoas que souberam dessa situa��o falaram o seguinte: “voc� tem que entender Arthur que esse rapaz apenas estava tentando proteger sua esposa, ele fez isso pensando no bem dela”.
Vamos l�: Dentro dessa l�gica, uma mulher branca pelo simples fato de estar pr�xima de um homem negro precisa de prote��o? Al�m disso, essa mulher branca � vista e tratada como um humano que merece cuidados. Agora me diga, qual � o meu papel nessa hist�ria?
Estava apenas parado em frente ao banco, esperando o uber. Mas, na cabe�a desse rapaz e de milh�es de brasileiros e brasileiras, um corpo negro em ambientes p�blicos s� pode ser lido como bandido, como um perigo. Isso n�o tem outro nome, � racismo.
Se voc� � um homem negro com certeza entende o que estou falando. Al�m de situa��es agressivas semelhantes a essa que compartilhei, nossa presen�a em ambientes p�blicos quase sempre vem acompanhada de olhares fixos de medo e a tentativa, �s vezes at� desesperada, de pessoas tentando se afastar de n�s.
'Sem falar das pessoas que atravessam a rua quando me veem, o barulho que escuto das portas dos carros sendo trancadas quando eu passo pela cal�ada e as in�meras vezes que j� fui perseguido por seguran�as dentro de loja'
Uma vez dentro do Move, um rapaz branco que estava sentado em uma cadeira na minha frente, se virou, olhou para mim de cima a baixo e com um cara de medo e foi sentar mais � frente. Fiquei t�o sem gra�a na hora.
Sem falar das pessoas que atravessam a rua quando me veem, o barulho que escuto das portas dos carros sendo trancadas quando eu passo pela cal�ada e as in�meras vezes que j� fui perseguido por seguran�as dentro de lojas. Tanto que evito movimentos bruscos, fico longe das prateleiras e tamb�m evito abrir bolsas ou sacolas dentro dos estabelecimentos para evitar acusa��es de roubo. E, quando compro alguma coisa, por hip�tese alguma eu saio da loja sem a nota fiscal.
A sensa��o que eu tenho � que algumas pessoas n�o veem humanidade em nossos corpos negros. Como se a gente fosse “um perigo ambulante, prontos para fazer o mal o tempo todo”.
“Mas Arhur, tudo que voc� falou s�o casos isolados ou s�o persegui��es que os pr�prios negros criam na cabe�a”. J� escutei muitas frases assim e sempre vieram de pessoas brancas. Pessoas que n�o precisam evitar movimentos mais bruscos em ambientes p�blicos, que n�o precisam ter medo de correr atr�s de um �nibus para n�o serem confundidos com bandidos, que n�o precisam estar sempre em estado de alerta.
'A sensa��o que eu tenho � que algumas pessoas n�o veem humanidade em nossos corpos negros'
Ladr�o, abusador, criminoso, agressivo e perigoso. Associar o homem negro a tudo isso � um dos frutos do racismo estrutural. As pessoas naturalizam tanto essas situa��es e atitudes racistas que, �s vezes, chegam at� a verbaliz�-las. Em junho de 2020, uma blogueira durante um v�deo falou: “Se voc� est� num parque � noite, escuro, e voc� v� uma pessoa andando e essa pessoa � negra e ela tem os trejeitos que parecem ser um criminoso, voc� vai ficar com mais medo do que se voc� visse uma pessoa branca de terno e gravata. Isso � natural do ser humano”. A blogueira tamb�m afirmou: "racismo sempre vai existir enquanto a maioria dos crimes for causada pela popula��o negra.. .algo natural, um instinto de defesa".
Diante de casos como dessa blogueira, �s vezes escuto a seguinte frase: “n�o d� bola para o que essa pessoa, ela deve ter problemas psicol�gicos/psiqui�tricos, ent�o releva”. Atribuir comportamentos e falas racistas a quest�es ligadas � sa�de mental tamb�m � uma maneira de tentar esvaziar o debate sobre racismo estrutural e tamb�m eximir as pessoas de se responsabilizarem por seus atos e de exigir a mudan�a de seus comportamentos.
Nesse artigo, quero deixar algumas perguntas:
- Como voc� olha e trata homens negros, principalmente em ambientes p�blicos?
- Voc� j� parou para pensar como a associa��o racista de que homens negros s�o "violentos, abusadores e perigosos" nasceu?
Nesse M�s da Consci�ncia Negra, quero estimular sua reflex�o e tamb�m sua a��o!
J� passou da hora de entender o que � racismo estrutural, j� passou da hora de voc� entender o que � branquitude e qual � seu papel na luta real contra o racismo. Nesse sentido deixo aqui uma dica de leitura: o livro Racismo Estrutural de Silvio Almeida.
Outra dica � o document�rio 13ª Emenda, dispon�vel na Netflix. Ele foi dirigido por Ava DuVernay e escrito por DuVernay e Spencer Averick. Ele mostra como foi o processo de constru��o da imagem da popula��o negra nos Estados Unidos e tamb�m quais s�o suas consequ�ncias na sociedade norte-americana. O document�rio mostra, por exemplo, como foi criada e fortalecida a imagem racista do homem negro como “super predador sexual”.
E se voc� quiser saber mais sobre a viv�ncia de um homem negro, me siga nas redes sociais. Durante todo o Novembro Negro, vou abordar o assunto por l�.