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Estado de Minas TRABALHO DOM�STICO

Como as heran�as da escravid�o impactam nas rela��es de emprego atualmente

As mulheres representam 92% das pessoas ocupadas no trabalho dom�stico no pa�s, das quais 65% s�o negras, segundo o Dieese


06/05/2022 10:30 - atualizado 06/05/2022 11:53

Mãos de uma pessoa negra lavando um prato
o termo "dom�stica" � algo que precisa ser problematizado: dom�sticas eram o termo usado para se referir �s mulheres negras que trabalhavam dentro da casa das fam�lias brancas (foto: MART PRODUCTION no Pexels)

H� alguns dias, a TV Bahia apresentou a hist�ria de S�nia Seixas Leal, resgatada em 2021 ap�s trabalhar 54 anos em condi��es an�logas � escravid�o. Durante todo esse tempo ela trabalhou em uma resid�ncia sem sal�rio, acumulou d�vidas feitas pela ex-patroa e tamb�m foi v�tima de maus-tratos. Ou seja, por mais de 5 d�cadas, S�nia, que � uma mulher negra, n�o teve seus direitos desrespeitados e sua sa�de mental foi destru�da. Tanto que durante entrevista � TV Bahia, ela disse que tem medo de pegar na m�o de pessoas brancas.

Ao ser questionada, a ex-patroa de S�nia disse que n�o pagava sal�rio porque “a considerava da fam�lia”, “quase uma irm�”. Infelizmente, essa situa��o absurda se repete h� s�culos por todo o pa�s. Ali�s, � importante refor�ar que o atual cen�rio do trabalho dom�stico no Brasil � uma heran�a do per�odo escravagista. 

Vamos l�. O tr�fico negreiro para o Brasil come�ou por volta de 1535. Ou seja, por mais de 300 anos, pessoas negras foram torturadas, humilhadas, suas fam�lias foram separadas, seus nomes e sobrenomes foram trocados, sofreram com diferentes doen�as e foram assassinadas. Situa��es desumanas, cru�is e absurdas! 

Em 1888, o Brasil foi o �ltimo pa�s da Am�rica a encerrar oficialmente a escravid�o. Mas n�o foram criadas pol�ticas p�blicas para atender essa popula��o que por s�culos foi escravizada. Sem terras, sem direitos, sem acesso � educa��o e sa�de, sem cidadania. Al�m disso, no lugar de capacitar essas  pessoas p�s-aboli��o, o Brasil acabou adotando pol�ticas de incentivo � imigra��o de m�o de obra da Europa, abandonando a comunidade negra e seus descendentes � pr�pria sorte. 

Agora me responda, depois de quase 135 anos do fim da escravid�o, qual � o perfil que mais prevale entre as pessoas que s�o trabalhadores domesticos no Brasil? 
Sem d�vida, o sistema escravista tamb�m deixou um legado no mercado de trabalho no pa�s. 

S� para voc� ter uma ideia, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad) Cont�nua, do IBGE, atualmente o total de trabalhadores dom�sticos � de  5,6 milh�es no Brasil. De acordo com o Departamento Intersindical de Estudos e Estat�sticas (Dieese), as mulheres representam 92% das pessoas ocupadas no trabalho dom�stico no pa�s, das quais 65% s�o negras. 

Ainda segundo o Dieese, a maioria das trabalhadoras dom�sticas est� acima dos 40 anos e o rendimento m�dio mensal delas caiu de R$ 1.016, em 2019, para R$ 930 no ano passado. Al�m disso, as trabalhadoras sem carteira ganharam 40% a menos do que as com carteira. J� as mulheres negras no servi�o dom�stico receberam 20% a menos do que as n�o negras. 

Lembra que no in�cio desse texto citei que  a ex-patroa tentou justificar porque a trabalhadora S�nia Seixas Leal n�o recebia sal�rio? “A considerava da fam�lia”, “quase uma irm�”.

Essa frase “ela � quase da fam�lia” � uma das formas cl�nicas e perversas que empregadores utilizam para “justificar” o desrespeito aos direitos trabalhistas das trabalhadoras dom�sticas. Mas n�o se engane, essas pessoas ultilizam essa frase n�o s� em situa��es an�logas a escravid�o, mas tamb�m em situa��es “sutis”, que de sutil n�o tem nada.

O que se v� mesmo � a lei da convence e manifesta��es de racismo, por exemplo: “eu pago menos de um sal�rio m�nimo, mas j� � uma forma de ajudar ela, tadinha, t� fazendo minha parte. Al�m disso, ela � quase da fam�lia", “sei que voc� foi contratada apenas para cozinhar, mas tem como passar a roupa nesse m�s? � s� um favor mesmo, diz que sim! Somos fam�lia, n�?!”. 

Quantas vezes a trabalhadora dom�stica � convidada para alguma festa na casa dos patr�es? E quando ela � convidada precisa lavar a lou�a no final da festa, mesmo sendo convidada?

Quantas vezes o nome dessa trabalhadora dom�stica � deixado de lado e � substitu�do pelas express�es: “a menina que trabalha l� em casa”, “minha empregada”?

Quantas vezes as empregadas dom�sticas s�o alvos da seguinte frase: “vou esconder melhor esse objeto de valor, todo cuidado � pouco, voc� sabe como essa gente �, n�?!".

Al�m disso, quantas vezes a trabalhadora dom�stica passa por diferentes press�es e cobran�as para dormir no trabalho nos finais de semana, para dar uma “ajudinha” a mais para os padr�es, e assim, passa n�o ver sua fam�lia, n�o consegue descansar ou ter tempo para os seus compromissos? 

� como se essa trabalhadora dom�stica s� existisse para “ajudar” e servir os padr�es. 

Uma vez indo trabalhar de �nibus escutei uma senhora falando o seguinte: “trabalhei em uma casa como cozinheira, mas a patroa me proibiu de comer a mesma comida que eles”. 

Essas formas "sutis" de humilhar as trabalhadoras dom�sticas � uma das manifesta��es do pacto racista que vem sendo adaptado ao longo dos s�culos no Brasil. 

Minha m�e, mulher negra, vinda de um vilarejo distante de Diamantina, criou e sustentou todos os filhos e filhas em Belo Horizonte, passando roupa como diarista na casa de diferentes fam�lias, durante toda a vida. Tenho certeza que ela escutou muitos desaforos, xingamentos, passou por humilha��es e priva��es. 

Na inf�ncia, durante as f�rias escolares, quando me levava para o trabalho com ela, cheguei a presenciar algumas dessas situa��es. Uma vez, j� na hora do almo�o vi pela fresta da porta da cozinha que os donos da casa se sentaram � mesa e foram servidos pela cozinheira. Nesse momento minha m�e me chamou e pediu para me afastar da porta, ela explicou que o �nico lugar que poder�amos comer era na cozinha.

Lembro que mesmo muito pequeno, achei estranho ter que comer separado, mas como j� estava com fome perguntei se poderia almo�ar. M�e nessa hora disse: “s� podemos comer depois que os patr�es acabaram de almo�ar”. Sem pensar duas vezes respondi na inoc�ncia e franqueza da inf�ncia: “uai, somos cachorros para s� poder comer depois deles?”. 

Em 2012, fui para a cidade do Rio de Janeiro e entrei em uma loja que vendia roupa de mesa e cama. Um dos vendedores estava atendendo uma senhora que tinha o perfil de madame. Ela estava comprando edredons e cobertores que tinham o valor mais elevado. Em um determinado momento ela pediu para ver a toalha mais simples, fina e barata que o vendedor tinha na loja. Ele acabou mostrando outra, de maior qualidade e maciez. Na mesma hora a madame falou: N�o, essa n�o! Quero uma ruim mesmo, � s� colocar no quartinho da empregada. 

S� para voc� ter ideia, o quartinho da empregada � um dos legados da escravid�o.  Para muitos especialistas e estudiosos, � uma forma "sutil" e disfar�ada, de dar manuten��o a estruturas de poder racistas. 

At� mesmo, o termo “dom�stica” � algo que precisa ser problematizado:  dom�sticas eram o termo usado para se referir �s mulheres negras que trabalhavam dentro da casa das fam�lias brancas. As pessoas negras eram vistas como animais e por isso precisavam ser domesticados atrav�s da tortura.

Vale lembrar que em abril de 2013, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 72, tamb�m chamada de PEC das Dom�sticas. Esse dispositivo, regulamentado em 2015 pela Lei Complementar nº 150, estendeu aos trabalhadores dom�sticos direitos como jornada semanal de 44 horas, FGTS, multa por dispensa sem justa causa, adicional por trabalho noturno, sal�rio-fam�lia, entre outros.

Mas, na pr�tica, o que mudou na vida dessas trabalhadoras?

Em diferentes entrevistas � presidente da Federa��o Nacional das Trabalhadoras Dom�sticas (Fenatrad), Luiza Batista, falou o seguinte: "N�o somos e n�o queremos ser. N�s temos a nossa fam�lia. O que queremos � que nossos direitos sejam respeitados" (Uol). 

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