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Estado de Minas AZMINA

M�es do luto: as mulheres que assumem os �rf�os da pandemia

Com o falecimento das m�es, coube �s av�s, tias e primas a tarefa de cuidar das crian�as que ficaram


28/04/2021 13:29 - atualizado 28/04/2021 13:31

N�o houve tempo para montar quarto, comprar enxoval ou sequer chorar pela perda dos familiares. A moradora de Ilh�us, BA, Maiquele dos Santos de Jesus, 30 anos, e sua companheira Kelly Dutra, 35 anos,  sonhavam e planejavam a chegada de uma filha h� anos. Mas a realidade foi completamente diferente do sonho de repente se viram lidando com as urg�ncias de criar Agnes Valentine, de cinco meses, enquanto viviam o luto da perda. Agnes era filha do irm�o de Kelly, que faleceu em abril, um m�s depois da esposa, m�e da menina, e dois meses depois de seus pais. Todos levados pelo coronav�rus.

A cinco mil quil�metros dali, no Estado do Amazonas, dona Maria Madalena, 72, pede todo dia, em ora��o, para viver mais 15 anos. H� um motivo forte que a leva a querer prolongar a vida: ver os dois netos de 11 anos terminarem a faculdade, conseguindo assim realizar o sonho da filha Marina*. A m�dica de 44 anos foi uma das v�timas da segunda onda de COVID-19 em Manaus, entre janeiro e fevereiro deste ano. “Se eu conseguir botar os meninos na universidade, j� irei em paz. S� pe�o a Deus mais uns anos porque preciso realizar isso para ela”, conta a aposentada.

Thain� Rodrigues, de 22 anos, est� em Maca�ba, interior de S�o Paulo, lidando com um cen�rio parecido: ela e a m�e assumiram a responsabilidade de ajudar o irm�o Diego Rodrigues, 24 anos,  a criar dois sobrinhos rec�m nascidos e g�meos, ap�s a morte da cunhada por coronav�rus.

Ao longo da pandemia, que j� matou quase 400 mil brasileiros, a hist�ria de mulheres que passaram a criar filhos de outras se repete em fam�lias brasileiras. Com o falecimento das m�es, coube �s av�s, tias e primas a tarefa de cuidar ou de ajudar indiretamente na educa��o de quem ficou, numa terceiriza��o for�ada da maternidade. Uma realidade que ainda carece de dados, pois n�o h� ainda registros sobre os n�meros de �rf�os da pandemia, mas que j� pode ser notada em todas as partes do pa�s.

E quando as perdas acontecem, s�o as mulheres que se posicionam para assumir o cuidado. Afinal, na sociedade em que vivemos, as atividades de cuidado s�o atribui��es em geral ligadas ao g�nero feminino, como lembra a professora da Universidade Estadual do Oeste da Bahia e l�der do grupo Observat�rio de Mulheres Negras, Nubia Moreira.

Outro ponto que faz com que mulheres criem filhos de outras est� ligado a pr�pria sororidade entre o g�nero. A educadora explica que para dar conta de tantas demandas mulheres acabam criando “redes de apoio”.  “Isso acontece muito nas classes populares, n�o �? Especialmente com as mulheres negras. Quando uma sai para trabalhar logo aparece uma tia, vizinha ou irm� para cuidar da crian�a”. As hist�rias da reportagem, mostram que agora, quando uma se vai, logo aparece outra mulher para cuidar da crian�a.

Um presente em um momento triste


Antes da chegada de Agnes, Maiquele dos Santos sempre quis ser m�e, de prefer�ncia de menina. Mas ela e Kelly estavam planejando este sonho para um futuro pr�ximo. Antes de tentar ter a filha, queriam sair do aluguel e ter melhores condi��es financeiras. Maiquele, que trabalha como auxiliar administrativa, planejava mudar para um emprego melhor. N�o imaginavam que a maternidade chegaria para elas de forma repentina, em meio ao pesadelo de perder quatro pessoas amadas em um espa�o t�o curto de tempo.

“Foi t�o r�pido. No fundo, eu sei que Deus mandou um presente pra gente, infelizmente foi de uma forma triste que eu n�o consigo nem descrever. N�o foi uma pessoa, foram quatro. Perdemos todos em pouco mais de dois meses”, lamenta Maiquele. “No final, s� sobramos n�s. Ela s� tem n�s duas e n�s vamos cuidar com todo amor”, completa.

Desde que Agnes Valentine chegou, tudo mudou na casa de Maiquele e Kelly. “A gente tenta se adaptar � rotina dela. E tivemos que nos preparar mais porque uma caixa de leite dela custa R$ 50. O trabalho � grande, mas me acabo quando vejo o sorriso dela. D� esperan�a na vida, sabe? Porque essa doen�a tirou tudo da gente, a saudade que a gente tem � muito grande”, afirma a baiana.

Na Bahia,  o coronav�rus j� vitimou pelo menos 18 mil pessoas. Em mar�o deste ano, o estado enfrentou uma forte segunda onda da doen�a e, por isso, hospitais ficaram lotados e sem leitos de UTI, como se observou no in�cio do ano em Manaus e depois em diversas regi�es do Brasil.

Mesmo quando o pai segue vivo


Mesmo quando o pai das crian�as segue vivo, muitas vezes os cuidados acabam ficando por conta de outras mulheres. “A gente v� pais conscientes do papel da paternidade, mas a realidade ainda n�o � essa. A gente v� que quem ocupa esse espa�o de cuidar � uma outra mulher. S�o elas que assumem esse papel de m�e”, relata a m�dica que atua em um hospital da rede particular de Manaus, Narjara Boechat, que tem observado no seu dia a dia o surgimento destes novos arranjos familiares.

� o caso de dona Maria Madalena, que aos 72 se viu com a miss�o de criar os dois netos de 11 anos. A filha de dona Maria descobriu que estava infectada com coronav�rus em janeiro, quase um ano ap�s trabalhar diariamente na linha de frente. No contato com os pacientes, come�ou a sentir falta de ar e precisou ser internada no hospital onde ajudou a cuidar de tantas outras pessoas que tiveram a mesma doen�a. Sua luta pela sobreviv�ncia durou tr�s dias. Para dona Madalena, uma eternidade. M�e e filha eram t�o apegadas que nunca deixaram de morar juntas.

Como a maior parte dos familiares de v�timas de coronav�rus, a aposentada sequer conseguiu se despedir da filha, nem viver o luto.

“Eles ainda s�o muito pequenos e precisam de mim. Preciso acompanhar, alimentar, botar eles para fazer as li��es”, conta a aposentada, que est� tendo de se virar para dar conta, sem ajuda do pai das crian�as. “ E nesses tempos de pandemia n�o d� nem para ir atr�s de pens�o de pai de menino. Ent�o estou tendo que reorganizar tudo...D�i muito, mas eu preciso seguir”, afirma.

Longe dali, a Thain� Rodrigues tamb�m se viu tendo de reorganizar a vida para ajudar o irm�o com os g�meos rec�m nascidos, Gustavo e Guilherme. Paciente de COVID-19, a  m�e das crian�as morreu em junho de 2020 no parto, ap�s complica��es da doen�a.

Ela afirma que o irm�o participa da cria��o dos filhos, mas que ela e a m�e, que saiu do emprego para cuidar dos beb�s, sempre ajudam. “Tem que ser assim para ajudar porque s�o dois. Quando um chora, vemos o outro. Enquanto ele d� comida a um, n�s damos a outro. Quando um chora, n�s pegamos TV com o outro. A minha m�e faz a comida deles, enquanto o pai d� banho”, afirma a jovem.

Segundo Thain�, os beb�s transformaram a vida da fam�lia, que precisou se desdobrar para dar conta de criar as crian�as. “A gente nunca imaginou que isso fosse acontecer, mas estamos nos saindo bem. A gente recebeu muita doa��o e o resto vai trabalhando para dar. O importante � cuidar deles”, afirma.

“Ela sequer viu o filho”


A t�cnica de enfermagem Ludmila Souza, 28 anos, na capital amazonense, tamb�m faleceu durante o parto ap�s sofrer complica��es trazidas pela doen�a. O filho dela,  um beb� de seis meses de vida, est� sob os cuidados da av�, a dona de casa Silvia Souza, 58 anos.

“Minha dor � saber que ela sequer viu o pr�prio filho. Ela o queria tanto. Por mais que seja apertado, a gente vai conseguir se virar para criar e n�o deixar faltar nada, mas a falta dela � que pesa muito”, lamenta Silvia, que mora com outros dois filhos e possui renda de pouco menos de R$ 900.

Ludmila se infectou ap�s atender pacientes em casa. Como muitos profissionais da sua �rea, a t�cnica se dedicava aos cuidados domiciliares. A doen�a vitimou a ela e ao marido, que trabalhava como porteiro.
“Veio com muita for�a para a gente, sabe. Eu n�o consigo nem falar que minha press�o sobe. Aqui em casa todo mundo se infectou tamb�m. N�o tem como dizer que � uma gripe. S� se for a gripe que tirou uma parte de tudo que era sagrado pra mim”, diz a dona de casa.

Enquanto faltam dados sobre o n�mero de �rf�os deixados pela pandemia, Ludmilla � parte de uma estat�stica monitorada: foram 960 gr�vidas ou pu�rperas mortas pela COVID-19, segundo levantamento realizado pelo Estad�o. Em 2012 houve um aumento de 145% nessas mortes, de acordo com o Observat�rio Obst�trico Brasileiro COVID-19 (OOBr COVID-19).

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