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Estado de Minas DIA DA VISIBILIDADE L�SBICA

Sapat�o n�o-bin�ries: n�o � s� sobre amar mulheres

Pessoas que n�o se identificam nem como homem, nem como mulher, mas que se reconhecem como l�sbiques ou sapat�o


27/08/2021 09:48 - atualizado 27/08/2021 10:05

(foto: AzMina/Reprodução)
(foto: AzMina/Reprodu��o)


L�sbicas s�o mulheres que se relacionam rom�ntica ou sexualmente com mulheres, n�? J� pessoas n�o bin�rias s�o aquelas que n�o se identificam nem como homem, nem como mulher. Ent�o, se uma pessoa n�o bin�ria n�o � homem, nem mulher, como pode ser l�sbica? 

Fizemos essa pergunta para quatro pessoas que se identificam como sapat�o ou l�sbiques n�o-bin�ries, que respondem a partir de suas viv�ncias e identidades: B� Carboinieri, 30 anos, psic�logue, sapat�o ag�nero; Adriana Azevedo, 34 anos, pesquisadore, sapat�o n�o-bin�rie; Marte Wirthmann, 19 anos, estudante e membre do Arquivo L�sbico Brasileiro, sapat�o n�o-bin�rie; e Formig�o, 30 anos, estudante, sapat�o trans-masculino e membro do Arquivo L�sbico Brasileiro. 

Mas antes de chegarmos �s  respostas, sugerimos que, para ler a reportagem, voc� desapegue dos conceitos que acha que conhece e se abra para novas vis�es sobre sexo, g�nero e orienta��o sexual. � hora de olhar para as sapat�o, as caminhoneiras, n�o s� como uma orienta��o sexual, mas como uma forma de ser e existir. Ah! E caso voc� n�o conhe�a a linguagem neutra, nessa reportagem usaremos pronomes como elu e adjetivos com o final neutro (e), seguindo o desejo de cada entrevistade. 
 
(foto: AzMina/Reprodução)
(foto: AzMina/Reprodu��o)
 

SEXO N�O TEM NADA A VER COM CULTURA? 


(foto: AzMina/Reprodução)
(foto: AzMina/Reprodu��o)

Voc� j� deve ter ouvido que sexo se refere � biologia, ao corpo de “f�mea” ou “macho”, enquanto g�nero trata dos elementos sociais que identificam o homem e a mulher na nossa sociedade que se divide, no geral, entre essas duas op��es. Assim, uma pessoa pode nascer com p�nis (sexo masculino), mas se identificar com tudo aquilo que a sociedade considera feminino, sendo portanto uma mulher. As pessoas que n�o se identificam com  g�nero atribu�do a elas ao nascer s�o trans, j� as que se identificam, s�o cis. 

J� a orienta��o sexual trata da forma como as pessoas se relacionam afetivamente, romanticamente ou sexualmente. Comumente, chamamos de heterossexual quem se relaciona com algu�m do g�nero oposto; de gay ou l�sbica quem se relaciona com algu�m do mesmo g�nero; e de bissexual quem se relaciona com ambos os g�neros, etc. 

Leia tamb�m: Entenda o que � identidade de g�nero e orienta��o sexual
Mas tem muita gente que estuda esses assuntos e diz que as coisas s�o mais complexas que isso e que o sexo tamb�m � uma constru��o social e cultural, como a te�rica Judith Butler ou a bi�loga Anne Fausto-Sterling (nessa entrevista aqui, ela fala exatamente disso). 

Para nosses entrevistades, � essencial que a gente fa�a esse questionamento. “Sexo e g�nero n�o s�o dados universais ou naturais, s�o categorias constru�das e consolidadas em diversos contextos. Quando a gente pensa em sexo e g�nero tem que pensar nos processos colonizat�rios em que se construiram. O corpo tamb�m � inventado na cultura”, diz Marte Wirthmann. 

ENTENDENDO A N�O-BINARIEDADE

(foto: AzMina/Reprodução)
(foto: AzMina/Reprodu��o)
Bin�rio � aquilo que � definido por apenas dois crit�rios. Tanto o g�nero, quanto o sexo, costumam ter uma defini��o bin�ria: ou voc� � homem, ou mulher. “� essa forma de enxergar o mundo sempre entre opostos”, diz B� Carbonieri. No entanto, as coisas n�o s�o simples assim. Do ponto de vista biol�gico, existem, por exemplo, as pessoas intersexo, que t�m caracter�sticas f�sicas (gen�ticas, hormonais ou nos �rg�os reprodutivos) de ambos os sexos. 

E no caso do g�nero, existem muitas pessoas que n�o se identificam nem com o que a sociedade diz que � masculino, nem com o que � feminino. S�o as pessoas n�o-bin�rias, que ficam dentro do enorme guarda-chuva “trans”, e dentro da n�o-binariedade existem infinitas possibilidades de ser.

Entre as duas pontas, do ideal do masculino e do ideal do feminino, existem in�meras formas n�o-bin�rias de existir. Formig�o se identifica como trans-masculino. E apesar do “masculino”, sua identidade � n�o bin�ria, ele n�o � um homem trans. “A transmasculinidade � a identifica��o com as masculinidade parcial ou total, ou at� mesmo uma outra configura��o de masculinidade”, explica. Isso quer dizer que ele foi definido como mulher ao nascer, mas n�o se identifica com o feminino. Por outro lado, a masculinidade padr�o, a dos homens cis, tamb�m n�o s�o para ele. Assim, Formig�o n�o � um homem trans, mas sim uma pessoa trans que se identifica mais com o masculino. 

Algumas pessoas ainda circulam entre essas possibilidades de identidade de g�nero, o que � chamado de g�nero-flu�do. Isso quer dizer que essas pessoas n�o se fixam em uma identidade de g�nero, mas variam entre duas, tr�s ou v�rias possibilidades, de acordo com sua vontade. E outras pessoas se colocam completamente fora da l�gica bin�ria. � o caso de B�, que � ag�nero, ou seja, n�o se identifica com g�nero nenhum. “Eu n�o sinto necessidade de determinar g�nero, eu estou totalmente fora disso, � uma total neutralidade”. 

Isso vai muito al�m da apar�ncia f�sica. Algumas pessoas n�o-bin�rias podem ter uma apar�ncia andr�gina, outras n�o. Assim como algumas podem optar por fazer cirurgias ou hormoniza��o, ou n�o.


SER SAPAT�O � MUITO MAIS DO QUE SE RELACIONAR COM MULHER

(foto: AzMina/Reprodução)
(foto: AzMina/Reprodu��o)
Ok, at� aqui tudo bem. Mas e a quest�o sobre ser l�sbica e n�o-bin�rie? Para come�ar, vale contar que todes entrevistades mencionaram uma te�rica feminista francesa, Monique Wittig, que disse nos anos 70 que: “As l�sbicas n�o s�o mulheres”. 

“Hoje a gente entende que quando ela diz isso � sobre a exist�ncia pol�tica. N�o ser mulher � escapar das rela��es de poder com os homens, escapar das rela��es subalternas. Os encontros afetivos entre essas mulheres t�m uma pot�ncia pol�tica. Numa sociedade onde as mulheres s�o subalternizadas, se colocar de fora desses v�nculos seria um ato pol�tico fundamental”, explica Marte sobre a l�gica da frase de Wittig. Mas elu tamb�m diz que a frase da te�rica foi questionada diversas vezes, por refor�ar a binariedade e  uma ideia padr�o e �nica do que � ser mulher. 

Para Adriana Azevedo, por�m, a fala de Wittig traz outro significado e ela estaria falando que as sapat�o (as l�sbicas que n�o performam a feminilidade) n�o s�o mulheres. “[� sobre] A categoria sapat�o como um conceito pol�tico que tamb�m diz respeito a uma identidade de g�nero”, escreve. E ela d� como exemplo as “butches”, da cultura estadunidense, ou as caminhoneiras, do Brasil, l�sbicas que se posicionam no mundo de maneira muito mais masculina, num lugar fronteiri�o do g�nero, do que seria mulher ou homem. 

Foi conversando sobre essa frase com seu orientador no doutorado que Adriana come�ou a refletir sobre a pr�pria identidade. “Eu n�o me indetificava como uma pessoa cis, mas ao mesmo tempo eu me identificava ainda como uma sapat�o n�o-bin�rie. Comecei a pensar essa n�o-binariedade como uma possibilidade de uma identidade que se acopla a outra. Por que uma coisa tem que anular a outra?”. 

Adriana explica que a identidade � indissoci�vel da experi�ncia, do corpo, da socializa��o que teve e de tudo que viveu. E suas palavras encontram eco com todes entrevistades. Como nesta fala de B�: 

“Nos meus 29 anos, mesmo n�o sendo uma mulher, eu tive uma experi�ncia na sociedade enquanto sapat�o. Muitas pessoas reduzem sapat�o a duas mulheres, ambas com vaginas, se relacionando afetiva e sexualmente. Mas na minha experi�ncia pessoal eu vivi algo diferente. A sociedade me atravessou como sapat�o desde crian�a. Muito antes de andar de m�os dadas com mulher na rua, as pessoas gritavam pra me ofender, me chamando de sapat�o. Sapat�o pra mim, muito mais do que com quem eu me relaciono, tem a ver com como eu fui socializada, minhas pautas pol�ticas, a comunidade onde eu cresci e me formei”. 

O que se complementa com o que escreveu Adriana: “Sapat�es n�o existem s� em par, mas existem tamb�m em suas exist�ncias livres, que navegam no entre-lugar dos binarismos engessados. Da� viol�ncias nos banheiros, o estupro corretivo, a invisibiliza��o se dar no cinema, na m�dia, nas ruas, sobretudo em rela��o a esses corpos”. 

E Marte ainda lembra que, mesmo que voc� seja cisg�nero (ou seja, se identifique com o g�nero que escolheram para voc�), voc� passou por todo um processo de se tornar quem �.

Vale lembrar que a maioria das sapat�o n�o-bin�ries viveram uma parte de suas vidas sendo reconhecidas e se reconhecendo como mulheres l�sbicas. “Meu corpo foi constru�do socialmente como um corpo de mulher. Mas ao mesmo tempo, quando a gente passa a pensar ativamente sobre isso, a gente come�a a ter uma percep��o de que a socializa��o n�o � s� uma coisa que chega de fora no meu corpo”, diz Adriana. 


SAPAT�O-N�O-BINARIE

 
(foto: AzMina/Reprodução)
(foto: AzMina/Reprodu��o)
Ser sapat�o �, portanto, mais do que falar da orienta��o sexual, da forma de se relacionar. No entanto, aqui no Brasil, o termo � usado n�o s� como sin�nimo dessa foram de se identificar, mas sim de maneira mais ampla e � comum que muitas mulheres cisg�nero ou transg�nero l�sbicas se identifiquem como sapat�o. Por isso, o uso do termo composto: sapat�o n�o-bin�rie ou, no caso de Formig�o, sapat�o trans-masculino. 

S�o termos que trazem em si n�o s� a identidade de g�nero das pessoas, mas tamb�m algo de sua experi�ncia de vida, de sua socializa��o e tamb�m de sua afetividade. Mas veja s�, nem todes sapat�es n�o-bin�ries ouvides pela reportagem se relacionam com mulheres. B�, por exemplo, � casade com outra pessoa n�o-bin�ria. 


O PROCESSO DE SE ENTENDER SAPAT�O N�O BIN�RIA

No mundo bin�rio em que vivemos, � claro que se entender n�o-bin�rie foi um processo para todes entrevistades. Ao nascer, B�, Adriana, Marte e Formig�o foram definides como mulheres. Depois, se entenderam como l�sbicas. Mas todes sempre tiveram alguma quest�o com a identifica��o como feminino, apesar de por muito tempo nem conhecerem a n�o-binariedade como uma identidade. 

“Assim como quando eu me descobri sapat�o e n�o encontrava informa��o em lugar nenhum, o mesmo foi com a identidade. Eu tinha duas op��es: ou ser mulher ou um homem trans. E me sentia perdida”, conta B�. 

Foi h� um ano que uma pessoa lhe falou sobre n�o-binariedade e B� foi pesquisar sobre o assunto passando a construir sua identidade. Para Marte, o processo foi parecido. Depois de um tempo de inc�modo, entrou em contato com a n�o-binariedade e entendeu que se identificava. 

J� Adriana viveu um processo mais longo, pois estuda g�nero. “Essa inquieta��o de g�nero sempre esteve comigo e, quando a discuss�o sobre transgeneridade come�ou a se tornar mais p�blica no Brasil, eu comecei a me questionar sobre isso. Mas tamb�m nunca senti necessidade de passar por processos pessoais e identit�rios que se identificassem muito com uma transi��o bin�ria. Nunca me reconheci como homem trans”. Quando o debate sobre n�o binariedade chegou ao Brasil, elu foi entendendo sua identidade e passando a se posicionar assim. 

Para Formig�o, por�m, o processo todo trouxe algo diferente: sempre houve uma identifica��o com algo do masculino, mas n�o com a masculinidade que predomina na sociedade. No come�o, se posicionava como uma l�sbica masculina. Depois, estudando sobre o conceito de butch, entendeu a possibilidade de se posicionar no masculino, ainda fora da binariedade. “E decidi me posicionar assim no mundo, como um sapat�o e n�o uma sapatona”. 

IDENTIDADES E SEXUALIDADES S�O M�LTIPLAS 
Apesar das semelhan�as nas trajet�rias, as identidades sapat�o n�o-bin�res s�o m�ltiplas, afinal, qualquer identidade � �nica. Processos de hormoniza��o ou procedimentos no corpo? Algumas pessoas podem querer fazer, outras n�o. Se relacionar com pessoas bin�rias ou n�o-bin�rias? Os desejos tamb�m s�o diversos. 

Adriana conta que se relaciona com uma mulher l�sbica e que, quando se posicionou como n�o-bin�ria no mundo, a sexualidade de sua companheira foi questionada. “Veio um debate, de que ela n�o podia mais se posicionar como l�sbica, uma vez que eu n�o me identificava como mulher. Eu acho que isso vai muito de rela��o para rela��o, de pessoa para pessoa”, conta. Para ela, o debate sobre a sexualidade das pessoas n�o deve ser centrado em com quem elas est�o se relacionando, mas sim em como a pessoa se define. “A gente tem que respeitar a identidade de cada um e acho que isso pode fomentar debates mais complexos sobre sexualidade. Sexualidade � uma coisa muito complexa. Seu desejo � muito pessoal, da mesma forma que o g�nero � muito pessoal”.
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