(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas TECNOLOGIA

O futuro do trabalho tem espa�o para as mulheres?

A alta exig�ncia por compet�ncias digitais e a demanda por estudos e requalifica��o s�o desafios para muitas profissionais no Brasil


22/09/2021 09:34 - atualizado 22/09/2021 09:58


O com�rcio eletr�nico cresceu 68% em 2020 no Brasil e, com a pandemia da COVID-19, a ado��o do trabalho remoto decolou, assim como a educa��o a dist�ncia. A acelerada transi��o da economia digital no mundo, juntamente com a  inser��o de novas tecnologias, como intelig�ncia artificial e rob�tica,  prometem redesenhar a natureza do trabalho. A quest�o que fica �: o futuro do trabalho est� sendo pensado de forma a incluir as mulheres? 

A artes� Isabel Ribeiro, 61 anos, viu o isolamento social desafiar a exist�ncia da Associa��o de Artes�os de Campos Sales, no Cear�, que vende produtos feitos com palha de milho, couro e tran�ados h� mais de 18 anos. Muitos clientes chegavam pela loja f�sica e ela se sentiu  de m�os atadas desde o ano passado, sem saber como manter o neg�cio, coordenado por ela.

“Para mim est� sendo dif�cil. Eu ainda estou meio perdida”, disse sobre a transi��o do neg�cio para o digital. Isabel conseguiu fazer uma conta no Instagram para a associa��o, mas as vendas virtuais s�o escassas e o balan�o comercial j� est� perto do vermelho. Ela considera que domina bem compet�ncias digitais b�sicas, como acesso ao e-mail e �s fotos no computador. Mas n�o tem no��o de gerenciamento de redes, plataformas de vendas ou mesmo como usar planilhas eletr�nicas para controlar o fluxo de caixa do neg�cio.

“O desespero da mulher empreendedora hoje � que ela j� entendeu que o digital � necess�rio, que � a �nica sa�da, mas ela ainda n�o sabe como usar as ferramentas nos neg�cios”, explica Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME). 

A alta exig�ncia por compet�ncias digitais e a demanda por estudos e requalifica��o s�o desafios para muitas profissionais no Brasil. Mulheres enfrentam jornadas duplas atreladas ao trabalho dom�stico, algo que foi ainda mais acentuado durante a pandemia. Com a redu��o de redes de suporte presenciais, muitas se tornaram as �nicas cuidadoras respons�veis pelos filhos e parentes. 

A transi��o para o futuro do trabalho pode ser uma oportunidade para promo��o de equidade de g�nero, com a possibilidade de as mulheres assumirem cargos mais bem remunerados e pap�is de lideran�a. Mas tamb�m pode levar ao aumento das disparidades sociais e salariais, e eventualmente at� � exclus�o do mercado de trabalho.

“Se o mundo continuar como est�, o futuro do trabalho vai ser de quem sempre ocupou as posi��es de poder: homens brancos, cisg�nero, de classe m�dia alta”, argumenta Silvana Bahia, idealizadora do PretaLab, um projeto dentro da organiza��o Olabi, que busca estimular a participa��o de mulheres negras e ind�genas no setor de tecnologia.

Elas na tecnologia

 
(foto: AzMina)

 
Lorrane Santos, 27, come�ou a trabalhar ainda na inf�ncia. Quando fez 15 anos, ela foi selecionada para um programa de jovem aprendiz em Salvador e p�de realizar o sonho de comprar um computador. Com a bolsa de R$ 250 por m�s, Lorrane cobria as parcelas do laptop que o tio dividiu em dez vezes no cart�o e usava o restante do valor para ajudar a av�, que vivia de reciclagem, a pagar o aluguel e as despesas da casa.

“Ningu�m na minha fam�lia me incentivou. Minha m�e queria que eu fizesse medicina ou engenharia para melhorar de vida”, conta Lorrane, que n�o desistiu. “Eu queria fazer daquilo a minha profiss�o. Queria investir no computador para estudar”. Hoje, ela trabalha como UX Designer em uma startup que vende solu��es digitais para neg�cios.

Lorrane, no entanto, � parte de uma minoria na realidade brasileira. O n�mero de mulheres no mercado de trabalho no Brasil caiu de 53,1% no quarto trimestre de 2019 para 45,8% no terceiro trimestre de 2020, o percentual mais baixo em 30 anos, segundo o Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea). 

Mesmo com a economia brasileira em baixa, o setor de tecnologia gerou 54 mil novos empregos em 2020, conforme dados da Associa��o das Empresas de Tecnologia da Informa��o e Comunica��o e de Tecnologias Digitais, a Brasscom. O problema � que mulheres como Lorrane ocupam menos de 40% de todas as vagas formais, enquanto os homens est�o em 70% dos cargos de lideran�a. A pandemia tamb�m levou muitas mulheres a migrarem para o empreendedorismo digital por necessidade, onde encontraram novos desafios relacionados � manipula��o de plataformas online e digitaliza��o dos neg�cios, como foi o caso da artes� Isabel.

Segundo dados da Rede Mulher Empreendedora (RME), organiza��o da sociedade civil que re�ne mais de 1 milh�o de mulheres donas de neg�cios no Brasil, 80% das empreendedoras foram impactadas pela pandemia. A maioria das empresas cadastradas na rede operava presencialmente a n�vel local antes da COVID-19. A mesma pesquisa do RME demonstrou que mais de 70% das mulheres n�o sabem como fazer vendas online ou n�o tem estrutura empresarial para fazer. Mais de 91% acreditam que as redes sociais s�o os �nicos meios digitais para vendas pela internet.

“Existe uma quest�o de g�nero no acesso �s tecnologias que vai al�m das rela��es individuais e afasta as mulheres dessas carreiras”, afirma Iana Chan, CEO e fundadora da PrograMaria, que promove forma��o e engajamento de mulheres na tecnologia para  aumentar a diversidade no setor. Iana refor�a que as mulheres enfrentam estigmas e estere�tipos que associam carreiras em ci�ncia, tecnologia e engenharia ao sexo masculino.

Um futuro do trabalho excludente tamb�m inquieta Emanuelly Oliveira, CEO e fundadora do Social Brasilis, que desenvolve programas educacionais voltados para o desenvolvimento de habilidades digitais e empreendedorismo em comunidades perif�ricas. 

“O avan�o da tecnologia, principalmente da rob�tica e da automa��o, vai cortar postos de trabalho, que ser�o substitu�dos por sistemas e m�quinas”, indica Emanuelly. Ela imagina um futuro do trabalho muito excludente para a popula��o na base da pir�mide e, sobretudo, para as mulheres que t�m menos familiaridade com as novas tecnologias. "Rob�tica, por exemplo, virou uma quest�o de g�nero”, destaca.

Sobrecarga pand�mica 

 
(foto: AzMina)

 
� preciso trazer  o fen�meno chamado de "crise do cuidado" para essa conversa. Cuidados com filhos, idosos e doentes, e as tarefas dom�sticas ainda s�o responsabilidades que recaem sobre as mulheres no Brasil. Inclusive, ficaram mais complexas com a crise sanit�ria: metade das brasileiras passaram a cuidar de algu�m desde o in�cio da pandemia , segundo levantamento da G�nero e N�mero e da Sempreviva Organiza��o Feminista. 

A professora de espanhol Ivana Oliveira, 40 anos, � parte dessas estat�stica. Quando a pandemia foi declarada, ela estava de licen�a-maternidade. M�e de um beb� rec�m-nascido e de uma menina de 11 anos, perdeu o emprego quando a licen�a acabou e precisou buscar  vagas em um mercado reticente com a crise econ�mica. 

Como muitas mulheres brasileiras, Ivana come�ou a empreender atrav�s de plataformas online. Ela criou uma conta no Instagram para buscar estudantes e divulgar seu trabalho, se inscreveu em uma p�s-gradua��o em novas tecnologias aplicadas � educa��o, e abriu uma empresa para oferecer aulas atrav�s do Zoom. 

“Antes eu era professora, agora s�o v�rias novas responsabilidades. Eu administro a empresa, cuido da parte financeira e do marketing, fa�o contratos, planejo as aulas. Tudo isso no ambiente de casa onde surgem as demandas da fam�lia o tempo todo”, contou Ivana, que teve que se adaptar. 

Realidades como a de Ivana, mostram que � imposs�vel pensar em um futuro do trabalho que seja inclusivo sem refletir seriamente sobre a distribui��o e remunera��o dos trabalhos de cuidado. 

Redes de apoio para incluir 

Menos de 20% da popula��o brasileira domina opera��es b�sicas de inform�tica como copiar e mover pastas e arquivos eletr�nicos ou enviar e-mails com anexos, segundo dados do �ltimo levantamento feito pela Uni�o Internacional das Telecomunica��es, ag�ncia da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), em 2019. 

Os n�meros s�o piores entre as mulheres. Em compet�ncias especializadas, como a linguagem de programa��o, o total de mulheres h�beis n�o chega a 1,5% da popula��o brasileira. A situa��o � ainda mais restrita quando analisada com recortes de ra�a. O total de mulheres negras e ind�genas n�o chega a 2% dos profissionais do setor de tecnologia, segundo dados da Brasscom.

Em levantamento feito com 570 negras e ind�genas que trabalhavam com tecnologia e inova��o no Brasil em 2018, o projeto PretaLab identificou que mais de 50% chegou at� o setor por contato informal, em grupos de apoio e pela internet. Para Silvana Bahia, idealizadora do projeto, a trajet�ria por caminhos n�o-tradicionais mostra a dificuldade que essas mulheres encontram para acessar cursos de gradua��o e educa��o t�cnica. “O fato de muitas dessas mulheres n�o serem absorvidas nas estruturais formais faz com que elas empreendam e busquem alternativas”, argumenta.

Aline Bezzoco, 30 anos, engenheira de software front-end h� quase dez anos, come�ou a trabalhar como designer gr�fico e com marketing digital antes de migrar para a tecnologia. “Eu sempre me interessei por tecnologia e quando era adolescente gostava de consertar computador”, recorda Aline. "A faculdade de ci�ncia da computa��o me espantou porque era extremamente masculina e branca e continua sendo at� hoje”, disse ela, que � negra

Existem muitas iniciativas querendo mudar essa realidade, como Programaria, Preta Lab, Reprograma e tantas outras. E o  processo de inclus�o e ascens�o no setor passa pela desconstru��o de estere�tipos e estreitamento de redes de apoio, para evitar inclusive ass�dios 

Quando decidiu migrar para a �rea de tecnologia no final de 2019, Aline Paz, 26 anos, atuava h� sete anos como cabeleireira e maquiadora, e se sentia estagnada profissionalmente. Hoje, ocupando  um cargo de analista de sistemas, ela acredita  que encontrou as portas abertas durante a transi��o de carreira por causa das comunidades que surgiram nos �ltimos cinco anos para facilitar a inser��o feminina no setor. 

“As redes de apoio ajudam muito. Ver que outras mulheres passaram pelos mesmos programas de treinamento e hoje ocupam cargos de gest�o d� for�a para quem est� come�ando”, revela Aline. Ela fez um bootcamp (tipo de treinamento intensivo) de tr�s meses no projeto Reprograma - que ensina programa��o para mulheres - e, no est�gio final do curso, foi contratada por um grande banco.

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)