
Um v�rus que mata. O isolamento social que se faz necess�rio. Muitas pessoas perdendo sua renda. Muitas precisando trabalhar e se arriscando no transporte p�blico lotado para garantir o sustento da fam�lia.
Empregadas dom�sticas, faxineiras, manicures e cabeleireiros se arriscando para atender clientes em casa. Clientes que n�o podem lavar o pr�prio banheiro, limpar a pr�pria casa, e que precisam estar com as unhas feitas e o cabelo pintado e escovado para fazer chamadas de v�deo.
Crise de sa�de, crise econ�mica. O com�rcio reabre e as pessoas se sentem livres para ir �s compras. Filas, aglomera��es.
Me pergunto o que as pessoas precisam tanto para arriscar sua vida e a vida de outras pessoas? Ser� que n�o daria para ter comprado pela internet? O que as pessoas est�o procurando na rua? Sobrecarregar ainda mais o sistema de sa�de? E qual a real necessidade de fazer uma pessoa ir at� a sua casa neste momento?
As lojas abriram, ela deixou as crian�as com a empregada dom�stica, que tinha deixado seu filho com a av�, e saiu para comprar. Com o cabelo rec�m-pintado e as unhas feitas, usando aquela roupa que havia comprado antes de o isolamento come�ar, com a m�scara combinando com o cinto. Nem sabia o que queria comprar, quando chegasse l� olharia a vitrine e escolheria qualquer coisa. Precisava comprar. Comprou. Voltou para casa, ainda insatisfeita.
O marido se trancava no escrit�rio onde passava o dia trabalhando, s� sa�a para comer e reclamar do barulho das crian�as. Sempre monossil�bico e antissocial.
A compra n�o preencheu aquele vazio. A falta que sentia era a falta dela mesma, falta de conex�o com seu interior. Falta de conex�o com sua fam�lia. A falta de paz de estar em casa com seu marido e seus filhos, aquelas pessoas que ela escolheu para passar a vida junto. N�o era como ela havia imaginado.
A falta que ela sentia n�o era daquele produto que acabara de ser lan�ado. Dentro do seu vazio interior, faltava empatia, faltava solidariedade. N�o sabia validar a dor do outro. Naturalizava as mortes. Aquele vazio era falta de senso de comunidade, causada por seu individualismo, seu ego�smo, seu egocentrismo. Ou por sua baixa autoestima.
Saiu em meio a uma pandemia porque n�o respeitava aqueles que precisavam sair por prestar servi�os essenciais. Colocou em risco as equipes de limpeza urbana, os policiais, os funcion�rios das farm�cias, dos supermercados e todos aqueles que n�o estavam em cada porque precisavam sair para trabalhar.
N�o saiu para levar comida para quem passava fome, n�o era problema dela.
N�o saiu para doar sangue, mesmo sabendo que os estoques est�o baixos, n�o iria se arriscar por quem n�o conhecia.
N�o pensou na sobrecarga dos hospitais, no esgotamento f�sico e psicol�gico dos profissionais da sa�de.
O marido continuava preocupado com os n�meros, com sua conta banc�ria, com o lucro que sua empresa precisava ter em meio �quele cen�rio ca�tico. Sucesso para ele era isso. Na fam�lia, ele era o centro. O sujeito que est� acima do bem e do mal, que n�o participa, n�o toma conhecimento das atividades dos filhos, n�o conversa com a esposa, mas que tem certeza de que est� fazendo o melhor por eles. S� o dinheiro importa.
Lotaram as lojas.
Lotaram os hospitais.
Lotaram os cemit�rios.
Amores partiram se transformando em n�meros.
E ela, com a casa cheia de compras, unhas e cabelos feitos, continua vazia.
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