
Quando menino ganhei do meu irm�o um cofrinho no formato de um pr�dio. Fiquei fascinado! Ibi� n�o tinha pr�dios. No m�ximo, o sobrado da minha Tia Arakem, que est� l� at� hoje. Lindo e com um quintal maravilhoso, um pomar completo. Eu gostava de subir at� a copa das �rvores e olhar a cidade. Dava para ver at� onde a vista alcan�ava.
A sensa��o de ser p�ssaro era inigual�vel, mas o prazer s� era percebido se cheg�ssemos na grimpa e peg�ssemos o fruto quase imposs�vel. O poder era ver a cidade de cima, o mais distante poss�vel, e roubar o fruto do Assanha�o.
Pois bem, aos poucos, fui recheando o pr�dio com moedinhas. Quando n�o cabia mais, meu irm�o levava para o banco em Belo Horizonte e trazia outro. O desafio era encher o pr�dio de dinheiro o mais r�pido poss�vel. Poupar para o futuro, essa era a ideia.
Logo percebi que tinha que optar entre procurar moedas ou brincar no quintal da Tia Arakem. O sorvete do Sr. Alceu ou o cofrinho cheio e o olhar de aprova��o do meu irm�o no final de semana.
Meu irm�o era economista. Dos bons!! Professor universit�rio e um dos fundadores do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais e Funda��o Jo�o Pinheiro. Deixou a FACE - Faculdade de Ci�ncias Econ�micas da UFMG - meio �s pressas, depois que reprovou alguns militares. N�o entendi o motivo, mas acabou sendo bom para ele: foi para os Estados Unidos fazer um doutorado.
Tudo isso aconteceu muito r�pido e mal deu para nos despedirmos. Lembro-me apenas do choro escondido da minha av� e os olhos marejados do meu av�. Meu pai e minha m�e pareciam aliviados. Em sua �ltima viajem a Ibi�, j� n�o levou o pr�dio, mas um cofrinho em forma de ba�.
Perguntei pelo pr�dio, ele me disse que o banco havia mudado de dono e que agora eu deveria colocar as moedas naquela caixinha.
- E o meu dinheiro?!! Continuava l�, foi o que me informaram.
Onde estariam os meus sorvetes, marias moles, Dizioles e balas Chita?! Certamente estariam bem guardados. Afinal, essa tinha sido uma ideia do meu irm�o. Eu confiava nele at� debaixo d'�gua. Confiava tanto quanto ele no seu amigo Bet�o que, algum tempo depois, casou-se por ele por procura��o. Estranho demais, casamento sem festa e sem noivo.
Continuei colocando moedas no novo cofrinho, mas, confesso, sem grande entusiasmo.
Eu gostava mesmo era do pr�dio. Imaginava as minhas moedas enchendo um grande edif�cio em plena Pra�a Sete de Belo Horizonte.
Tinha apenas uma d�vida: como eles guardavam tanta moeda?! D�vida desfeita quando vi a revista do Tio Patinhas nadando em sua caixa forte.
Mas, uma ainda persistia: quais eram as minhas e quais eram as moedas dos outros?! Afinal, as minhas eu havia trocado pelos sorvetes, balas e sess�es de cinema no Cine Brasil de Ibi�. E o mais importante: eu as havia trocado pelas grimpas das �rvores da Tia Arakem e o fruto do Assanha�o.
Pois bem, com o tempo parei de perguntar sobre o meu suado dinheirinho. Nunca me disseram para onde ele havia ido. Sobrou apenas o cofrinho �ltimo que me acompanhou a vida toda e at� hoje adorna a minha estante de livros.
Por v�rias vezes eu tentei assalt�-lo e recuperar minhas guloseimas.
Minhas filhas tamb�m tentaram. O cofrinho resistiu � investida de v�rias gera��es. Continuou hermeticamente fechado. Certamente, guarda os meus sonhos e de centenas de outros meninos que almejavam um futuro. S� n�o sabiam que o futuro tem pre�o.
Recentemente, em plena epidemia, decidimos mudar do nosso apartamento. Achamos uma casa no meio de um condom�nio e caminh�vamos para o fechamento do neg�cio. No caminho, decidimos ver um apartamento que o corretor havia nos sugerido.
Ao entrar, senti algo de familiar no local. Era uma constru��o antiga, bem conservada e ampla. Mudamos. Da varanda, olhamos os pr�dios e boa parte da cidade. Um Belo Horizonte visto das grimpas.
Para minha surpresa, descobri que o antigo morador do apartamento foi um banqueiro. Seria ele o guardi�o das minhas moedinhas?
�s vezes, no sil�ncio da noite, eu posso ouvi-las tintilando pelas paredes. Minha sensa��o agora � real. Moro dentro de um cofrinho como a maioria das pessoas. Somos fagocitados pelos sonhos e aprisionados pela ilus�o. O tesouro que este cofre guarda agora � outro.