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A Delta e a AIDS

"A Delta implacavelmente chegar�, assim como as outras variantes chegaram. Na natureza, tudo evolui, exceto a cabe�a dura do Messias"


24/07/2021 06:00

(foto: Marcelo Leal/Unsplash)
(foto: Marcelo Leal/Unsplash)

Durante essa semana comemoramos o Dia do Amigo. Recebi dezenas de massagens de colegas e amigos celebrando esse dia, que, at� h� poucos anos, eu n�o sabia que existia.

Na sequ�ncia das mensagens, em sua maioria, muito bonitas, vinha por vezes uma pergunta pand�mica:

- A Delta vem mesmo?!

A resposta era simples e direta:

- Sim, vir� e dever� chegar r�pido em algumas semanas, assim como ela fez na �ndia, Inglaterra, etc.

Na sequ�ncia, vinha mais uma pergunta:

- O que te d� tanta certeza?!

A resposta:

- A AIDS!

Na semana anterior, contei sobre minha passagem pela Universidade de Freiburg, onde tive a sorte de conhecer o sistema de atendimento de urg�ncia da regi�o, no qual me inspirei para desenhar um sistema semelhante para a Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte.

Foi tamb�m em Freiburg que tive a oportunidade de ver os primeiros casos de pacientes internados com AIDS e discutir com os colegas sobre o crescimento abrupto do n�mero de casos na Alemanha e, particularmente, naquela regi�o.

Onde sobra preconceito e estigma, geralmente prevalece a ignor�ncia e o medo. Os pacientes eram tratados em unidades isoladas, onde os profissionais que os assistiam usavam paramenta��o semelhante �s que temos visto atualmente para lidar com os pacientes com COVID-19, em nossas UTIs.

Tecnicamente correto para aquele momento da epidemia, quando n�o dispunhamos de tratamentos efetivos contra o v�rus e os pacientes faleciam de infec��es oportunistas, muitas delas transmiss�veis por via a�rea, como a tuberculose.

Entretanto, o que chamava aten��o dos colegas era a rapidez com que novos casos eram diagnosticados e chegavam � unidade de isolamento, onde aumentava dia a dia a ocupa��o do n�mero de leitos.

Retornando ao meu trabalho na Superintend�ncia Hospitalar da FHEMIG, fui apresentar as novidades que eu havia visto e vivenciado. Relatei sobre o sistema de atendimento de urg�ncia e tive total apoio para seguir em frente e estudar um projeto semelhante a ser implantado em nosso meio.

Por�m, quando falei sobre a AIDS e a minha preocupa��o com a epidemia que certamente enfrentar�amos, o ent�o superintendente fez um coment�rio que eu nunca esqueci:

- Starling, voc� est� muito europeizado! Essa doen�a n�o chegar� por aqui. Isso � coisa de pa�s rico. Nosso problema aqui � doen�a de chagas, tuberculose, esquistossomose, etc.

Argumentei que se trava de uma doen�a sexualmente transmiss�vel, que, assim como a gonorreia, tinha tudo para se espalhar rapidamente pelo mundo. Al�m disso, por ser uma doen�a carregada de estigma e preconceito, certamente pressionaria o setor p�blico e dever�amos nos preparar rapidamente para atender os pacientes que, em breve, come�ariam a chegar em nossos hospitais. Fui voto vencido e ainda taxado de alarmista e europeizado.

Interessante! No princ�pio da atual epidemia, quando fizemos as proje��es iniciais do n�mero de casos que ter�amos se nada fiz�ssemos, recebi r�tulos semelhantes de quem tem pouco conhecimento epidemiol�gico e sensibilidade nenhuma.

Felizmente, na atual epidemia, a informa��o e as imagens da trag�dia andam mais r�pido que o v�rus, dando aos gestores competentes e respons�veis a possibilidade de agir r�pido e proteger aqueles que os elegeram.

Por outro lado, negacionistas t�m a possibilidade de ampliar o espectro de suas ideias atrav�s de redes sociais, causando um estrago, �s vezes, maior que o do pr�prio v�rus. Retomando a epidemia da AIDS, n�o passou nem um m�s ap�s eu anunciar a minha preocupa��o, quando, numa sexta-feira � tarde, me chamaram com urg�ncia no gabinete da presid�ncia da FHEMIG.

Curioso, mas as emerg�ncias t�m uma predile��o pelos finais de tarde de sextas-feiras. Se programarmos algum final de semana especial, ent�o, � fatal. Um paciente com suspeita de AIDS havia sido referenciado por um deputado da regi�o de Uberaba para a Secretaria de Sa�de. Instalou-se o p�nico geral. O secretario de sa�de havia se trancado no gabinete, as secret�rias debandaram e o paciente havia sido encaminhado � Superintend�ncia Geral da FHEMIG - e o caos mudou de local.

O "europeizado" teve que apagar o inc�ndio previsto, levando o paciente para uma unidade rec�m constru�da e ainda n�o inaugurada, destinada a grandes queimados no Hospital Jo�o XXIII. Claro, sob protestos de colegas, funcion�rios e gestores, os quais foram "pegos de surpresa" com essa decis�o.

Em pouco tempo, a unidade foi sendo ocupada, n�o por pacientes queimados, e sim por pacientes com AIDS. N�o foi f�cil conseguir equipe para atender esses primeiros pacientes, mas a abnega��o e o profissionalismo sempre falam mais alto no cora��o da maioria dos que optam pela �rea de sa�de.

No per�odo noturno, nos reun�amos para estudar e discutir artigos cient�ficos que eram publicados em revistas internacionais. Lembro que, nessa �poca, internet e telefone celular eram apenas fic��o cient�fica. Literatura cient�fica era na biblioteca.

Tr�s colegas foram fundamentais para que a unidade desse os seus primeiros passos: Dr. Luiz Ant�nio Loures, Dr. Carlos Alberto Becker e o ent�o acad�mico de medicina, Marco Ant�nio �vila Vit�ria. Conscientes do papel hist�rico que estavam tendo, passaram, posteriormente, para a coordena��o municipal, estadual e nacional de DSTs e AIDS.

Tendo na bagagem a experi�ncia da assist�ncia e da gest�o de programa em todos esses n�veis de complexidade, Dr. Loures e Dr. Marco Vit�ria, foram para a Organiza��o Mundial de Sa�de tendo um papel fundamental no controle da epidemia no mundo inteiro. O meu papel na �poca, como supervisor hospitalar, foi de dar suporte ao trabalho da equipe m�dica.

Algum tempo depois assumi interinamente a diretoria do Hospital Eduardo de Menezes, at� ent�o destinado ao atendimento de pacientes com tuberculose. Com a ajuda de tr�s arquitetos (Glaucia Amorin, Andrea Gandra e S�dney), elaboramos o plano diretor do hospital, contemplando a �rea de atendimento de pacientes com AIDS. Assim nascia um dos principais hospitais para atendimento a doen�as infectocontagiosas do pa�s.

Neste momento, voc� deve estar se perguntando:

- Mas, e o que isto tem haver com a variante Delta?

Simples, a AIDS � uma doen�a com R0 (�ndice de transmiss�o) que varia de 2 a 5. Ou seja, uma pessoa infectada transmite para a 2 a 5 outras pessoas. Uma doen�a com este �ndice de transmiss�o, inevitavelmente, se dispersaria pelo mundo rapidamente, o que de fato ocorreu. A variante Delta do coronav�rus, tem um R0 de 5 a 8, o que significa, que 1 pessoa transmite para 5 a 8 outras.

O leitor j� deve ter conclu�do, nesse momento, que essa variante se dispersar� inevitavelmente por todo o pa�s numa velocidade maior que a variante que iniciou essa pandemia.

Gra�as �s vacinas, poderemos ter um n�mero menor de interna��es e mortes por essa nova variante. Portanto, n�o � hora de baixarmos a guarda. Manter as medidas de distanciamento social, uso de m�scaras, higiene das m�os e evitar aglomera��es � absolutamente essencial no atual momento. Perder esse jogo aos 45 minutos do segundo tempo, n�o vale.

Portanto, caros amigos que me mandaram mensagens, a Delta implacavelmente chegar�, assim como as outras variantes chegaram. Na natureza, tudo evolui, exceto a cabe�a dura do Messias.

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