
Pichadores sempre me intrigaram. Seres estranhos e soturnos. Sem limites, fazem suas marcas nos lugares mais inusitados. Rabiscos que s� os da mesma esp�cie entendem. Dialetos depredat�rios e criminosos.
Andando pelas areias brancas e quase desertas de Aquiraz (Cear�), minhas pegadas irregulares na areia permaneciam por alguns minutos e logo sumiam.
Ao retornar o caminho era outro, sem as pegadas da ida. Maravilha de cen�rio. Palco da exist�ncia perfeita, na qual a natureza coloca ordem nas coisas e apaga o que n�o mais interessa � continuidade da exist�ncia. Maravilhas do ef�mero.
Praia paradis�aca com a qual sonhei e viajei atrav�s do meu livro de geografia nas tardes sonolentas de estudo de um semi-internato no col�gio.
O branco da areia, vez por outra, era interrompido por pedras enormes, cuidadosamente esculpidas, durante s�culos, pelo vento e pelo mar. Habitat perfeito de moluscos e siris, formando piscinas naturais conforme o movimento das mar�s.
Para�so para deixar o olhar viajar e encher a alma de poesia!
De repente, "Jesus te Ama". Meu olhar perdido trope�a na estupidez humana poluindo a obra natural do Senhor.
E novamente, "Jesus Salva", repetiu Wilton na pedra seguinte, onde deixou registrado seu telefone: 9.8752-1472.
Esqueceu de pichar o prefixo!
Wilton violentou o patrim�nio divino e poluiu o visual do para�so. Provavelmente, num devaneio paranoide, incorporou Mois�s e lascou tinta branca nas pedras do criador.
Wilton n�o se deu conta do espa�o alheio e tomou para si o espa�o coletivo.
Certamente, na contabilidade divina, Wilton acrescentou pecados a mais em seu curriculum espiritual. Se arvorou de porta-voz de Jesus e pichou o patrim�nio do Senhor.
Nada que uma lata de t�ner e uma boa multa n�o resolvam.
Wilton me tirou o sossego por 24 horas, a ponto de me motivar a registrar aqui o meu protesto.
No dia seguinte, 7 de setembro, ap�s conhecer a blasf�mia do Wilton, me deparei com uma atrocidade ainda maior.
O Messias pichou a hist�ria, se apropriou do verde-amarelo e almeja reinventar a democracia. A democracia � moda Messi�nica. Bateu de longe a paranoia do Wilton. O coro do Messias, com picha��es contra as institui��es democr�ticas, invadiram o 7 de setembro em todo pa�s e, posteriormente, as redes sociais.
Picha��es eletr�nicas orquestradas e com DNA bem conhecido. Curioso, nas ruas as faixas tinham uma caligrafia muito semelhante. Pareciam ter a mesma origem.
Nas redes sociais as fakenews de sempre.
Para azar do Messias, no dia seguinte morre a Rainha Elizabeth II, monarca democrata, quase secular e eterna.
O fato silenciou a picha��o pol�tica de nossa data maior.
Sem perder tempo, ele logo se prontificou a ir ao funeral para disputar uma al�a do caix�o e sair bem na foto.
A falta de pudor � tamanha que s� falta voltar do enterro com uma parte qualquer da monarca para passear em palanques pelo pa�s. Experi�ncia � o que n�o lhe falta.
Pichadores atuais s�o seres bem mais perigosos e gananciosos do que imagin�vamos.
N�o h� t�ner no planeta que apague a trag�dia e as lamban�as deixadas por eles. N�o h� milagre que ressuscite os quase 700 mil mortos pela COVID- 19, aquela gripezinha de um pessoal cheio de mi-mi-mi. Dialeto depredat�rio e criminoso, que s� os da mesma esp�cie compreendem.