
As palavras "radicalismo" e "polariza��o" atravessaram o ar, logo depois do discurso de Lula em S�o Bernardo do Campo (SP), h� uma semana. Os analistas, em modo autom�tico, fixaram-se na superf�cie ret�rica, ignorando as tr�s curtas frases que formam o n�cleo da mensagem do l�der petista. De fato, n�o h� "radicalismo", muito pelo contr�rio – e a "polariza��o" � uma oferenda que o centro pol�tico deposita nos altares do atual e do ex-presidente.
Paulo Guedes, acusou Lula, seria um "demolidor de sonhos" e um "destruidor de empregos e empresas p�blicas brasileiras". Novidade nenhuma. A rejei��o total da agenda de reformas reflete menos uma posi��o ideol�gica e mais a necessidade de proteger o esp�lio lulopetista. O PT n�o est� autorizado a revisitar o populismo econ�mico de seu segundo mandato e do consulado dilmista.
O l�der frustra os intelectuais sensatos que giram na �rbita petista, proibindo aquilo que, na linguagem pol�tica italiana, chama-se aggiornamento: a reavalia��o cr�tica do passado, a atualiza��o de uma orienta��o estrat�gica. O veto serve ao pr�prio Lula, "um viciado em si mesmo" (Mill�r Fernandes), pois prende seu partido e as legendas auxiliares (Psol, PCdoB) � pesada �ncora do lulismo. Serve, ainda, a Bolsonaro, oferecendo-lhe argumentos substantivos na sua perene campanha contra a esquerda. Mas faz mal ao pa�s, que precisa de uma esquerda moderna, e ao PT, que fica marcado a ferro como um partido incapaz de aprender com seus erros.
"Governar para o povo brasileiro, n�o para os milicianos do Rio de Janeiro." No seu disparo mais contundente, Lula iluminou a suspeita crucial que paira sobre o cl� presidencial. "Radicalismo"? S� se resolvermos, como na��o, aceitar a hip�tese de um governo associado ao crime organizado.
A palavra "milicianos" circula nas esquinas – e com bons motivos. A sua aus�ncia quase completa no discurso dos l�deres e partidos do centro pol�tico � um dos sintomas da ren�ncia deles a fazer oposi��o a Bolsonaro. Jo�o Doria parece almejar algo como um "bolsonarismo sem Bolsonaro". Luciano Huck esquiva-se, tanto quanto poss�vel, de polarizar com o presidente.
O protagonismo oposicionista de Lula emerge da abdica��o dos demais atores. Obviamente, como tantos registraram, a polariza��o rende frutos aos dois polos, estreitando os horizontes do debate p�blico. A vadia prefer�ncia pelo �bvio obscurece o cerne da mensagem de Lula. "Tem gente que fala que precisa derrubar o Bolsonaro, tem gente que fala em impeachment. Veja, esse cidad�o foi eleito. Democraticamente n�s aceitamos o resultado da elei��o. Esse cara tem um mandato de quatro anos."
O suposto radical, o desvairado incendi�rio, est� erguendo uma muralha diante do PT e das legendas auxiliares. De fato, interdita, para sempre, ao menos entre os seus, o recurso ao impeachment. Bolsonaro esqueceu de agradec�-lo. Lula nunca recuou face � contradi��o l�gica, e n�o o faz agora. Se ficar provada a alian�a entre o cl� presidencial e as mil�cias, o rem�dio democr�tico atende pelo nome de impeachment. Mas aqui, como na economia, o l�der petista est� preso � armadilha da narrativa que formulou para preservar a aura do lulismo nos dom�nios da esquerda.
O impeachment corta o mandato de quem perdeu as condi��es pol�ticas para governar. No processo, o Congresso – n�o um partido singular – decide se uma viola��o da regra do jogo constitui crime de responsabilidade. Ao qualificar como "golpe" o impeachment de Dilma, Lula e o PT praticamente descartaram a legitimidade da institui��o do impeachment. O tabu tem consequ�ncias: do lulopetismo n�o partir�, sob nenhuma circunst�ncia, uma iniciativa de interrup��o do mandato de Bolsonaro.
Que ningu�m se preocupe. Lula tem os olhos fixados nas urnas de 2020 e 2022 – e sabe que sua melhor chance � aparecer como �nica oposi��o real ao governo.
