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Estado de Minas DIREITO SIMPLES ASSIM

O ChatGPT errou feio: um alerta aos incautos de plant�o

Depois do frisson com o advento do ChatGPT e suas "habilidades incr�veis" para fazer tudo, � preciso saber das suas limita��es


19/04/2023 06:00 - atualizado 19/04/2023 09:30

dois rostos frente a frente formados por linhas brilhantes de bits em um ambiente virtual
� preciso pensar criticamente sobre os limites da intelig�ncia artificial (foto: Pixabay)

 

Todo mundo falando do ChatGPT e das maravilhas que a nova e imbat�vel intelig�ncia artificial � capaz de produzir. Uma pequena passeada na internet e voc� � bombardeado com centenas de publica��es e manifesta��es sobre os resultados incr�veis da tecnologia e como milh�es de empregos est�o amea�ados.

 

A conclus�o a que voc� � chamado a concluir � que a revolu��o das m�quinas chegou!

 

Eu, que n�o sou curioso demais, mas tamb�m n�o sou o retardat�rio da fila, fui l� dar uma olhada no que � esse neg�cio. E em tudo que eu desconhe�o tenho sempre a mesma m�trica: como bom mineiro, vou tateando pelas beiradas at� entender a “fundura do po�o”.

 

E como fazer isso? Come�ando pelo come�o! E o come�o � o que se convencionou chamar de b�-�-b�. Essa express�o esquisita se refere aos primeiros passos da alfabetiza��o de uma crian�a, onde se aprende o significado das letras para juntar umas com as outras e formar palavrinhas.

 

Par�ntesis 1: isso � conversa para boi dormir. Imagina explicar para uma crian�a de 4/5 anos (quando aprendi a ler e escrever) que a primeira letra do nome dela n�o tem som, n�o � pronunciada, mas tamb�m n�o pode ser exclu�da do nome? Obviamente que deu muito errado por muito tempo.

 

Voltando: obviamente que para uma intelig�ncia artificial eu n�o ia perguntar as letras do alfabeto, mas o meu b�-�-b�, que nada mais � do que aquele conjunto de temas em que tenho a maior seguran�a. Ent�o comecei a fazer umas perguntas bem objetivas para a IA em mat�ria jur�dica, de modo a perceber se realmente o trabalho dos advogados est� amea�ado.

 

O resultado n�o me deixou surpreso. Muito afirma��es assertivas e constru��es bem objetivas com respostas r�pidas e com indica��o de leis. Perguntei quais eram os fundamentos legais para tratamento de dados pessoais de acordo com a lei brasileira. A resposta veio redondinha.

 

Solicitei que a IA constru�sse uma cl�usula de confidencialidade contratual com os itens necess�rios para salvaguardar informa��es sens�veis. Novo acerto. 

 

Resolvi mudar de assunto e pedi a defini��o do crime de difama��o (adoro crimes contra a honra). E a�, para a minha surpresa, o ChatGPT escorregou na banana. Errou feio, errou rude, e mesmo eu tentando ajudar s� piorou.

 

D� uma olhada na defini��o que ele mandou:

 

página de resposta do ChatGPT
(foto: Print do ChatGPT)
 

 

Essa parte do conceito de que a difama��o consiste em uma informa��o sabidamente falsa est� completamente errada! Na verdade, � o contr�rio! A difama��o pode consistir em afirma��o falsa ou verdadeira, desde que n�o constitua a descri��o de conduta tipificada como crime. O pressuposto aqui � o dolo de atingir a honra objetiva (imagem perante terceiros) da v�tima.

 

Da� a IA erra de novo, pois afirma que a les�o causada pela difama��o � � honra subjetiva, quando na verdade � � honra objetiva. A honra subjetiva � atingida pela conduta caracterizada como inj�ria.

 

Ou seja, a resposta da IA est� miseravelmente errada! E est� errada no n�vel erro grosseiro, desses que aparecem como meme na internet e viram chacota l� no Juizado Especial Criminal, que �, de regra, o foro competente para processar e julgar estas imputa��es.

 

Da� ent�o eu resolvi tentar dar uma ajudinha para o ChatGPT e repeti a mesma pesquisa, mas agora pedindo a cita��o de doutrina especializada. O resultado foi bizarramente catastr�fico!

 

D� uma olhada no que a IA me respondeu:

 

texto da resposta do ChatGPT
(foto: Print ChatGPT)
 

 

Ou seja, a IA acabou de vender a pre�o de ovo podre o Manual de Direito Penal do Guilherme de Souza Nucci!

 

As pessoas que tiverem a curiosidade de passar os olhos na obra do referido autor (que � vasta, conhecida e amplamente citada em artigos, livros e decis�es dos tribunais), vai descobrir que o autor fala um pouco diferente:

 

“Difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa, maculando-lhe a reputa��o. Nesse caso, mais uma vez, o tipo penal foi propositadamente repetitivo. Difamar j� significa imputar algo desairoso a outrem, embora a descri��o abstrata feita pelo legislador tenha deixado claro que, no contexto do crime do art. 139, n�o se trata de qualquer fato inconveniente ou negativo, mas sim de fato ofensivo � sua reputa��o. Com isso, excluiu os fatos definidos como crime – que ficaram para o tipo penal da cal�nia – bem como afastou qualquer vincula��o � falsidade ou veracidade dos mesmos. Assim, difamar uma pessoa implica divulgar fatos infamantes � sua honra objetiva, sejam eles verdadeiros ou falsos.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020). (sem grifos no original)

 

Ou seja, o Nucci est� sendo difamado pela intelig�ncia artificial, sendo-lhe imputado um erro grosseiro que o autor (que vive da sua distinta capacidade intelectual) jamais cometeu! E sabe qual o mais maluco de tudo isso?? A cita��o que a IA coloca entre aspas n�o existe!!!

 

Procura a� em qualquer livro dele (eu tenho o Manual, o Curso e o C�digo comentado) e voc� n�o encontra! Joga no Google e n�o aparece! Ou seja, a IA fabricou uma cita��o “na faixa”, sem qualquer pudor ou decoro. E ainda se saiu com uma resposta de especialista, que na verdade est� errada e n�o existe!

 

E causa um certo espanto (ou n�o!) que a IA tenha errado algo t�o corriqueiro para quem � do Direito. Tais conceitos s�o os mesmos h� cem anos! Nelson Hungria explicava essa mis�ria do mesmo jeito! Por que cargas d’�gua a IA errou algo t�o objetivo e simples??

 

O motivo � t�o simples quanto a mat�ria errada: tem um milh�o de postagens na internet misturando de forma ridiculamente errada os conceitos de inj�ria, cal�nia e difama��o.

 

E onde � que a IA “aprende” as coisas para criar o seu conte�do novo, rapidinho e bem diante dos seus olhos?? Pois �... o ChatGPT n�o � um bom frequentador de bibliotecas...

 

E da� vem uma discuss�o que foi levantada de forma muito contundente em 2017 pelo F�rum Econ�mico Mundial e que foi esquecida depois que o mundo acabou em 2020: sem regula��o da fonte de aprendizado da intelig�ncia artificial, como vamos poder confiar no resultado final do trabalho da IA?

 

Se n�o tem um m�nimo para a fonte de aprendizado, como evitaremos que a IA seja burra e repita desinforma��o? Como vamos evitar que a IA seja racista, machista, mis�gina, xen�foba? 

 

Uma pesquisa simples na internet e voc� descobre uma avalanche de conte�dos neste sentido e todos est�o dispon�veis para a IA “aprender”. O que vai impedir de a IA virar terraplanista?

 

Ou seja, tem um monte de informa��o burra na internet. Essa a� � s� uma delas! � grosseira daquelas que voc� realmente questiona se quem a afirmou estudou minimamente a mat�ria. Mas tem gente que erra e essas pessoas s�o ruins tecnicamente, como sempre aconteceu na vida.

 

O problema � que gente ruim tecnicamente tamb�m publica na internet e tamb�m alimenta a intelig�ncia artificial, dado que ela n�o sabe filtrar com tanta precis�o o que � “bom” e o que � “ruim”. A IA assimila as informa��es por volumetria e similitude e “trata” essa base de informa��es para criar a sua pr�pria intelig�ncia.

 

Par�ntesis 2: isso me faz recordar um s�bio pensamento de uma m�e de cora��o que tive, que dizia que o argumento da experi�ncia (muito utilizado por pessoas mais velhas para desqualificar o saber de gente mais jovem) � um argumento burro. E � burro simplesmente porque muitos anos de experi�ncias ruins n�o qualificam ningu�m para nada e simplesmente significam muitas experi�ncias ruins.

 

Par�ntesis 3: a intelig�ncia artificial atua na coleta de dados da surface web. Ou seja, a web acess�vel para todos e que a gente acha com o google. De acordo com as grandes plataformas (CISO, KASPERSKY e etc), a surface web corresponde a cerca de 5% da informa��o gerada na internet. Ouso dizer, por�m, que concentra 95% da informa��o inconsistente (e por isso perigosa) gerada na internet.

 

Voltando: Neste cen�rio � que se percebe que a IA n�o � capaz de superar o ser humano que sabe diferenciar cal�nia, inj�ria e difama��o igual foi ensinado pelos te�ricos do direito em publica��es verificadas. Ou seja, o especialista vai se tornando cada vez mais necess�rio!

 

Conversando com a minha amiga e comadre Fl�via Carvalho, psic�loga especializada em educa��o e aprendizado, sobre o fato de que foi noticiado que alguns adolescentes est�o utilizando o ChatGPT como psic�logo, descobri que o buraco � bem mais embaixo! Ela testou os conhecimentos da ferramenta e a colocou em uma situa��o que a IA precisava separar sentimentos de emo��es.

 

Voc� j� deve saber o resultado n�? Errou de novo!

 

Par�ntesis 4: voc�, por acaso, sabe a diferen�a entre sentimentos e emo��es? Se voc� n�o tem forma��o espec�fica, eu duvido muito que saiba algo muito mais elaborado do que o conte�do de poema rom�ntico que voc� leu na escola. � assim que se forma um leigo. Somos todos leigos da maioria das coisas.

 

Voltando: A IA vai tornar tudo mais incerto ao inv�s de prover seguran�a, dando resposta para tarefas objetivas e desafiando as mentes mais agudas para as tarefas complexas que a IA julga ser capaz de produzir!

 

A qualidade da fonte da informa��o das pessoas se torna cada vez mais importante e isso precisa ser feito por seres humanos. Ouso dizer, ainda, que mesmo para atividades simples a substitui��o n�o ser� t�o dram�tica assim!

 

Acredito que os grandes conglomerados financeiros, varejistas e securit�rios veem com muito bons olhos a substitui��o dos seus advogados no contencioso de massa por rob�s. Rob�s n�o t�m sal�rio, n�o cansam, n�o cobram hora extra, n�o ficam com dor de barriga e nem terminam o namoro e ficam chateados e com isso menos produtivos.

 

Ou seja, essa galera vai rodar e vai rodar feio. Milh�es de processos todos iguais, com altera��o de nome e endere�o. �bvio que o trabalho via rob� � mais interessante.

 

Agora inverte o racioc�nio. Para de pensar no banco, que tem 2 milh�es de processos em tramita��o simult�nea, e pensa na d. Maria. Sabe quem � a d. Maria? Uma das 2 milh�es de pessoas que ajuizaram a��o contra o banco porque a intelig�ncia artificial do banco lan�ou o nome dela no SPC sem ela dever nem um real sequer (baita intelig�ncia...).

 

Ela vai contratar um rob�? O rob� vai saber a ouvir e entender a sua ang�stia de viver de sal�rio, ter apenas o nome limpo como principal bem e n�o conseguir comprar uma TV parcelada por causa de uma anota��o indevida? Acho muito pouco prov�vel.

 

E talvez essa pessoa capaz de ouvir a d. Maria, vai saber a acolher e dar o conforto de que algo est� sendo feito. Logo depois vai abrir o ChatGPT e tirar dali uma peti��o que vai usar de forma cr�tica (ou n�o!) e vai ajuizar a a��o contra o banco para o advogado rob� contestar.

 

N�o tardar� o dia em que as senten�as tamb�m ter�o a sua parcela de produ��o por IA, se � que j� n�o t�m. Vale lembrar que, j� h� alguns anos, a maioria dos recursos do STF � julgada por IA. A quest�o � que as pessoas ser�o realocadas, mas n�o substitu�das.

 

E mais do que nunca os c�rebros artesanais ser�o precisos e preciosos! At� porque precisamos debater com qualidade quem vai indenizar o Nucci por isso... 

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