
Nosso texto de hoje � de autoria de Vinicius Ayala
A geopol�tica pode ser definida como o enfoque de estudos das rela��es internacionais que leva em conta a geografia, hist�ria e cultura de um povo para determinar como este se posiciona nas quest�es internacionais.
Tamb�m devemos levar em conta que a atua��o de qualquer pa�s est� subordinada �s regras internacionais definidas pelo Direito Internacional que delimitam a atua��o dos agentes.
Ainda � certo que, apesar da multiplicidade que um pa�s possa ter em seu interior, pode-se dizer que, sem sombra de d�vida, todo pa�s busca alcan�ar seu interesse pr�prio na arena internacional. Desta forma, para ser mais claro, um pa�s n�o se difere de uma pessoa comum quando vai buscar seus pr�prios interesses, fazendo todo o necess�rio para alcan��-los
O Brasil neste contexto internacional esteve ausente das grandes agendas durante o governo Bolsonaro. Limitou-se a um alinhamento autom�tico com o governo do presidente Trump e outros governos de vi�s de extrema-direita pelo mundo. Nos f�runs multilaterais que discutiam temas como meio ambiente, mudan�a clim�tica e prote��o dos direitos humanos a aus�ncia foi mais sentida ainda. Na verdade, pode-se dizer que praticamente a agenda interna foi preponderante em vista da agenda internacional.
Contudo, este contexto mudou com a chegada do Presidente Lula ao poder em 2023. Com a inten��o de resgatar o protagonismo perdido nos �ltimos anos, o Brasil est� buscando voltar ao jogo com uma intensa agenda de viagens internacionais. Neste sentido, o presente texto pretende de forma sucinta, analisar a agenda internacional com vistas a lan�ar luz sobre as inten��es geopol�ticas do Brasil para os pr�ximos anos.
Pela an�lise das visitas feitas pelo presidente Lula e suas pautas e declara��es busca-se delinear os par�metros da pol�tica externa nos pr�ximos anos.
A primeira visita internacional do presidente, como se mostrou uma tradi��o em seus mandatos anteriores, foi para Argentina. A Argentina � um grande parceiro comercial do Brasil e joga um papel fundamental nas pretens�es de consolida��o do Pa�s na lideran�a na Am�rica do Sul. Nada mais natural que a visita consolide esta posi��o, sinalizando uma orienta��o da pol�tica externa para a import�ncia de solidifica��o do sul global. Isto significa que o papel do Brasil � ainda maior quando fala em nome de outros pa�ses em desenvolvimento. Assim, espera-se muitas outras visitas a pa�ses da Am�rica do Sul e �frica na busca desta consolida��o da lideran�a no eixo sul do planeta.
Em fevereiro Lula visitou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A reuni�o aconteceu em Washington e foi marcada por discursos de uni�o e coopera��o entre os dois l�deres. Durante o encontro, Lula e Biden discutiram sobre a necessidade de renovar as rela��es entre os dois pa�ses.
Biden destacou a import�ncia da parceria entre as duas na��es para enfrentar os desafios das mudan�as clim�ticas e da recupera��o econ�mica mundial. O presidente brasileiro defendeu o fortalecimento da democracia e dos direitos humanos em sua fala, refor�ando a import�ncia da inclus�o social e do combate �s desigualdades. Ele tamb�m destacou a necessidade de a��es conjuntas para combater o crime organizado e o tr�fico de drogas, discuss�o sobre o com�rcio entre Brasil e Estados Unidos. Defendeu o aumento do investimento americano no pa�s e ressaltou a import�ncia do fortalecimento da coopera��o comercial entre os dois pa�ses.
A visita aos Estados Unidos, apesar de tratar de v�rios temas, pode-se dizer que focou na reitera��o dos valores democr�ticos e ambiental dos direitos humanos. Nada mais natural, dado o peso do Brasil na Am�rica Latina e os recentes acontecimentos ocorridos no Brasil relacionados a tortuosa elei��o brasileira, bem como as den�ncias sobre viola��es ambientais e de direitos humanos feitos pela sociedade internacional no governo Bolsonaro.
Outro tema que foi tratado referiu-se � proposta de criar um grupo de pa�ses para negociar a paz entre R�ssia e Ucr�nia.
Segundo Lula, um grupo de pa�ses neutros poderia avan�ar com a proposta de paz. A principal an�lise a ser feita sobre a visita, � que o Brasil est� de volta ao cen�rio internacional. A mensagem mais clara � que compromissos com o meio ambiente e democracia, colocados em xeque no governo Bolsonaro, passam agora a ser centrais para o Brasil nesta nova fase.
Continuando a agenda internacional movimentada, o presidente Lula embarcou em uma viagem oficial � China com o objetivo de fortalecer as rela��es entre os dois pa�ses com a busca de alternativas para impulsionar a economia brasileira. Durante sua estadia, foram assinados diversos acordos bilaterais entre Brasil e China em �reas como com�rcio, tecnologia, agroneg�cio e energia.
Desde que Lula deixou o poder em 2010, a rela��o entre Brasil e China tem sido fundamental para a economia brasileira. A China � o principal parceiro comercial do Brasil, com as exporta��es deste representando cerca de 30% do total do pa�s. Com uma comitiva muito maior e mais compromissos agendados, ficou patente o papel que a China joga para as pretens�es econ�micas brasileiras em compara��o � visita do presidente aos EUA.
O momento da visita do presidente Lula � China coincide com um acirramento das rela��es Estados Unidos e China, as duas maiores economias do planeta.
A mensagem de Lula foi clara: O Brasil e o mundo necessitam da China para mudar a governan�a global. Em suas palavras, os organismos internacionais como Banco Mundial e FMI n�o se sustentam mais em um mundo multipolar. At� a ONU deve refletir esta nova busca de maior representa��o dos pa�ses.
Nesse sentido, Lula defendeu novas institui��es no modelo multipolar do Banco do Brics, que hoje � presidido pela ex-presidente Dilma. Inclusive, talvez a afirma��o que teve mais repercuss�o foi a que sugeriu a substitui��o do d�lar como moeda de troca internacional pelo uso das moedas de cada pa�s. Mesmo que no curto prazo seja imposs�vel a troca do d�lar, a simples sinaliza��o de que os Brics pudessem estar interessados nesta mudan�a j� provocou uma grande repercuss�o, dado o peso destes pa�ses no cen�rio mundial.
Outra repercuss�o nas falas do presidente durante a visita foi a afirma��o de que a Uni�o Europeia e principalmente os Estados Unidos, ao inv�s de buscarem a paz, estariam incentivando a guerra. As declara��es produziram rea��es fortes tanto da Uni�o Europeia quanto dos Estados Unidos.
Em s�ntese, o Brasil v� a China como parceiro estrat�gico n�o s� no com�rcio, mas como fundamental para a mudan�a da nova ordem mundial multipolar. Importante salientar que o Brasil foi muito criticado sobre a sua ambiguidade na postura com a guerra da Ucr�nia.
A falta de condena��o expressa � invas�o russa e declara��es como a do presidente Lula - que mencionou que a culpa era dos dois pa�ses - n�o ca�ram bem para Estados Unidos e Uni�o Europeia. Ainda mais com a visita do chanceler russo recentemente ao Brasil, e a insist�ncia do presidente Lula em n�o condenar a R�ssia, insinuando que a Ucr�nia deveria abrir m�o de parte do seu territ�rio para buscar a paz, geraram mais cr�ticas.
Foi providencial a viagem feita a Portugal e Espanha esta semana para sinalizar modera��o no discurso e n�o se afastar tamb�m de um bom relacionamento com Uni�o Europeia. Depois principalmente do pux�o de orelha de Lula feito por Biden sobre a posi��o do Brasil quanto � guerra, era necess�rio adequar o discurso para n�o perder os planos do Brasil de mediar o conflito.
Ap�s todas estas viagens e declara��es, como podemos entender o que o Brasil buscar� em pol�tica externa nos pr�ximos anos, j� que � primeira vista, sua posi��o pare�a titubeante e amb�gua?
A primeira coisa a se entender � que o Brasil tem o que chamamos de soft power, ou seja, n�o somos um pa�s que possui for�a militar capaz de impor nossa for�a no cen�rio internacional. Ao contr�rio, temos um poder de influ�ncia mais brando e ligado a outros tipos de persuas�o.
No caso brasileiro, o poder est� relacionado a um relativo peso econ�mico internacional, hist�rico de paz com outros pa�ses, riquezas minerais e de alimentos, meio ambiente, tamanho da popula��o, entre outros. Naturalmente estes fatores nos levam a um certo protagonismo internacional.
Contudo, o poder brasileiro � maior no cen�rio internacional quando estamos juntos com outros pa�ses que podem ser menores que o nosso ou do mesmo tamanho. Por isso, a aposta de fortalecer o Brics, que � o grupo de pa�ses emergentes, que por proje��es ser�o as maiores economias do mundo, composto por Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul.
No que tange � pol�tica internacional, o Brasil ter� que ter muito cuidado, pois vivemos um momento de acirramento das tens�es entre China e EUA. Era inevit�vel que as disputas geopol�ticas entre os dois pa�ses eclodissem em algum momento, dada a amea�a que a China representa aos EUA.
Com a guerra na Ucr�nia, a situa��o piorou com a aproxima��o russa e chinesa. A R�ssia, ex-superpot�ncia que tem armamento para destruir o planeta, alia-se � China, nova superpot�ncia com poder b�lico e poder econ�mico.
O Brasil equilibra-se na t�nue linha que divide o velho e o novo. A velha ordem ainda existe com a for�a b�lica e econ�mica americana que, somadas a um alinhamento natural dos europeus, mostra-se ainda muito efetiva. Contudo, no horizonte, surge uma nova ordem em que o papel chin�s � inquestion�vel e que j� come�a a angariar aliados contra a velha ordem.
Ora, para o Brasil e o mundo � fundamental que a nova ordem seja multipolar. S� assim teremos a relev�ncia que procuramos. Contudo, at� que as coisas estejam mais claras, o Brasil ter� que ficar com um olho no peixe e o outro no gato, pois assim poderemos usufruir de um bom relacionamento com o velho e o novo. Manter uma posi��o equilibrada que, inclusive � uma pr�tica arraigada na diplomacia brasileira, � o melhor caminho para buscarmos nossos interesses na arena global.
Ainda que certo desgaste seja uma consequ�ncia no caminho das rela��es do Brasil com o mundo, � um alento ver que retornamos ao jogo internacional, de onde nunca dever�amos ter sa�do.