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Estado de Minas DIREITO SIMPLES ASSIM

Democracia � relativa? Por que sim e por que o Lula est� muito errado

A recente afirma��o do Presidente gerou muito burburinho, mas pelos motivos errados


05/07/2023 06:00 - atualizado 05/07/2023 07:45
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Multidão ocupando um espaço público.
Alguns conceitos, de t�o b�sicos, precisam ser explicados o tempo todo (foto: Flickr)

 

Recentemente o Presidente Lula afirmou, em uma entrevista, numa tentativa muito pouco eficiente de defender o regime venezuelano, que “a democracia � relativa”. Pronto, estava instaurado o caos e, novamente, tivemos a oportunidade de observar os adeptos do clubismo pol�tico fazendo contorcionismos malabarescos para defender a afirma��o e outros para criticar.

 

Dos dois lados, de regra, as premissas estavam erradas e eu vou tentar te convencer disso.

 

E vou tentar fazer isso em tr�s etapas. Primeiro explicando a minha premissa, depois as premissas alheias (favor�veis e contr�rias). 

 

Par�ntesis 1: essa ordem � proposital, considerando que fazer o contr�rio ia antecipar o argumento e estragar a surpresa. 

 

Voltando: A palavra democracia � (sem puritanismos que eu n�o sou formado em lingu�stica) a jun��o de “demos” e “cracia”, que nada mais � do que governo do povo. S� da� j� � poss�vel perceber que democracia �, desde a sua concep��o, algo extremamente subjetivo.

 

Primeiro porque a pr�pria constru��o da ideia de “povo” j� � algo muito complicado e que vem sofrendo in�meras inflex�es ao longo da hist�ria. Veja-se que at� meados do s�culo passado (e falar assim parece que � algo muito distante, mas n�o �) falava-se em na��o como sin�nimo de um aglomerado de pessoas que se concentram em determinado territ�rio, com costumes comuns e caracter�sticas culturais compartilhadas.

 

Par�ntesis 2: se voc� estudou por este conceito, eu sinto informar mas � bem capaz que voc� j� esteja no grupo de risco.

 

Voltando: Obviamente que essa ideia n�o � compat�vel com a realidade. A levar isso a s�rio, o Brasil deveria ser uma confedera��o (uni�o de pa�ses) com, no m�nimo, uns 15 pa�ses diferentes (tipo a “Uni�o Tupiniquim”, o que seria muito mais estiloso do que “Uni�o Europeia”). 

 

Para piorar esse c�lculo, a forma como um governo representa a vontade do povo se apresenta de forma m�ltipla e todas elas fracassam miseravelmente em obter a idealizada representa��o real. Eu vou repetir: todas as formas de representa��o popular que existem no mundo ocidental (o resto eu n�o me arrisco a dizer porque eu n�o conhe�o) fracassam na sua fun��o de promover esta representa��o.

 

E nessa tentativa, h� in�meros modelos de busca por uma representa��o que se aproxime, minimamente, dessa pretens�o de representa��o. E a� que entra o meu ponto.

 

Sem grandes discuss�es t�cnicas, h� pa�ses que a gente assume que s�o democracias (e inclusive democracias elogiadas por sua funcionalidade). Vou te dar alguns exemplos e voc� reflita por voc� mesmo.

 

H� d�vida de que a Inglaterra � uma democracia? E a Su�cia? Talvez os EUA?

 

Pois �. A Inglaterra tem uma C�mara dos Lordes. Exatamente isso que voc� pensou. Uma “C�mara Alta” para lordes exercerem a sua lordolice (atualmente s�o 777 lordes!!!). E a popula��o n�o escolhe o Primeiro-Ministro (que � chefe do Executivo), pois l� � parlamentarista e esta vota��o � feita no Parlamento, de forma indireta e entre os pr�prios eleitos.

 

Voc� ia gostar de a gente instituir uma C�mara dos Lordes no Brasil? E de n�o votar para a Chefia do Executivo?

 

Par�ntesis 3: Vou te dar uma ideia do que estou falando. O ex-primeiro-ministro da Inglaterra Boris Johnson foi membro da C�mara dos Comuns pelo constituency (como um distrito) de Uxbridge and South Ruislip (renunciou este m�s de junho/2023). Pode confessar, voc� nunca ouviu falar desse lugar. E ele foi eleito com portentosos 7.210 votos. Voc� n�o leu errado e n�o � uma abrevia��o, foram 7.210 votos! E era o primeiro-ministro da Inglaterra por uma vota��o interna da C�mara dos Comuns! Trazendo para o Brasil, seria assumir a possibilidade de o Z� Haroldo Cathedral, eleito Deputado Federal com 10.361 votos em 2022, se tornasse chefe do Poder Executivo Federal. Pode assumir de novo, voc� nunca ouvir falar dessa pessoa, mas ele � deputado federal em exerc�cio.

 

Voltando: A Su�cia tem Rei. Voc� apoia instituir uma Monarquia Brasileira, custeada pelos seus tributos?

 

Os EUA t�m elei��es presidenciais indiretas. O cidad�o n�o vota na pessoa do candidato a presidente, mas em delegados que, por sua vez, votam no candidato. Cada Estado organiza a sua pr�pria elei��o (ou seja, s�o 50 elei��es diferentes!) e somam-se os votos em cada Estado de quais delegados foram eleitos naquele Estado espec�fico.

 

S� tem um detalhe: se os delegados Republicanos ganham em um Estado, eles levam todos os votos e vice-versa. Ou seja, se um Estado tem 10 delegados e houve 60% de votos para os Republicanos e 40% de votos para os Democratas, ent�o os Republicanos ganham todos os 10 votos e os Democratas saem com 0 voto. Sim! A l�gica �: o vencedor leva tudo. E os Estado t�m peso distinto, de modo que h� Estados que proporcionam mais delegados para o candidato que outros.

 

� por isso que a gente escuta nas elei��es dos EUA que existem Estados-Chave (porque t�m mais delegados) e que � poss�vel um presidente ser eleito recebendo menos votos que o perdedor, dado que n�o precisa ter muitos votos, mas ter os votos certos (onde h� mais delegados). Por sinal, Bush Filho e Trump foram eleitos assim, recebendo menos votos (considerando a soma de votos em delegados republicanos e democratas), mas os votos certos para ter mais delegados.

 

Que tal implantar essa l�gica no Brasil?

 

Se voc� n�o gostou de algumas das ideias acima, mas acha que esses pa�ses s�o democracias, voc� entendeu porque � correto afirmar que democracia � algo relativo. � relativo porque n�o existe uma receita de bolo que diz o que � democracia e exclui da no��o de democracia tudo que est� fora.

 

A democracia se manifesta das mais variadas formas e n�o tem a forma “certa” e a forma “errada” de manifesta��o, mas aquela que melhor se adapta � Hist�ria, � cultura e �s conting�ncias e circunst�ncias de cada povo.

 

Imagino que voc� agora est� se perguntando: por que ent�o a afirma��o do t�tulo deste texto de que o Presidente est� errado em sua manifesta��o?

 

Ele est� errado porque, apesar de tudo isso que falei acima, existe um “n�cleo duro” que n�o d� para dispensar para se afirmar que um pa�s � democr�tico ou n�o. Ou seja, cada um se arruma de um jeito, mas h� um consenso internacional, hist�rico, filos�fico e jur�dico acerca do b�sico para se afirmar que um ambiente � democr�tico.

 

E esse “n�cleo duro” envolve, dentre outros itens, altern�ncia de poder, elei��es peri�dicas, prote��o para garantia de participa��o de minorias, poder de veto para minorias em pautas espec�ficas, independ�ncia do Judici�rio, independ�ncia do Legislativo, etc. Vou parar aqui, pois � mais do que suficiente para o prop�sito a que se destina.

 

Sem altern�ncia de poder, n�o tem democracia. Fim da hist�ria. � preciso ter isen��o suficiente para compreender que n�o existe ditadura de esquerda ou ditadura de direita, mas ditadura. Se um pa�s n�o imp�e altern�ncia de poder, n�o h� democracia.

 

Isto porque S�neca (olha onde est� isso!!!) j� nos alertava que quem tem poder muito provavelmente vai abusar dele. N�o tem cor, bandeira, ideologia ou o que quer que voc� queira suscitar. N�o tem santo e nem samaritano nesse palco e todo mundo sabe disso.

 

Logo, para evitar que o Estado seja capturado por um �nico “iluminado”, ningu�m pode ficar indefinidamente no poder. Tamb�m n�o � minimamente sustent�vel afirmar a exist�ncia de democracia sem um Judici�rio independente.

 

Eu tenho todo o direito de ficar chateado com uma decis�o judicial. Posso at� vir a p�blico critic�-la e expor meus argumentos. Entretanto, � invi�vel uma democracia em que as decis�es judiciais s�o pass�veis de revis�o por outro �rg�o (que n�o outro de hierarquia superior do pr�prio Judici�rio) que n�o se agradou do seu conte�do.

 

Somente por a� j� deu para perceber que a Venezuela � qualquer coisa menos uma democracia. � indefens�vel afirmar que a Venezuela � uma democracia. H� 30 anos apenas duas pessoas governam o pa�s (e a primeira s� saiu porque morreu). N�o h� malabarismo que viabilize afirmar que h� democracia em um regime desse.

 

Ent�o de fato democracia � algo relativo e, ao mesmo tempo, o Presidente est� muito errado em afirmar que, por isso, a Venezuela � uma democracia. Espero muito que tenha te convencido (juro que me esforcei). Ent�o vamos para os pontos das arquibancadas pol�ticas de nossas terras tupiniquins.

 

Os cr�ticos de plant�o do atual governo, sedentos por qualquer informa��o capaz de suscitar uma cr�tica, encontraram nesta fala um b�lsamo para desferir todo tipo de golpe lingu�stico poss�vel. At� a� tudo bem, faz parte do jogo e, como eu acabei de afirmar, eu tamb�m concordo que a fala � infeliz, incorreta e absolutamente desnecess�ria.

 

O problema � fazer a cr�tica partindo da premissa de que a democracia � uma express�o absoluta e que n�o comporta relativiza��o. Ora, partir por este argumento engole o cr�tico em um espa�o de contradi��o absurdo.

 

Veja-se que os principais cr�ticos do governo s�o apoiadores do governo anterior. E o governo anterior foi exatamente aquele que queria alterar a composi��o do STF para viabilizar uma maioria sua em um �nico mandato presidencial e atacava dia sim e dia tamb�m as decis�es do STF. Chuta para mim quem fez isso o tempo todo que esteve no poder? Hugo Ch�vez!

 

Esse mesmo governo operacionalizou e interferiu na independ�ncia de �rg�os de investiga��o estatal para beneficiar a si e para atacar opositores. Ora ora, n�o � que Hugo Ch�vez e seu sucessor, Nicol�s Maduro, n�o s�o treinados em fazer exatamente isso?

 

Esse mesmo governo foi cruel com servidores que n�o lhe eram alinhados ideologicamente em todas as medidas poss�veis, surgindo, inclusive, peculiares investiga��es “com endere�o” partidas da CGU. N�o curiosamente, � um relato bem chavista.

 

Esse mesmo governo fez aprovar uma PEC no Congresso para institucionalizar o maior uso j� registrado na nossa Hist�ria recente da m�quina p�blica, dos recursos p�blicos e tudo o mais para se reeleger da forma mais descarada poss�vel. N�o curiosamente, o abuso do poder e dos recursos p�blicos para benef�cio pr�prio � uma caracter�stica marcante do governo venezuelano.

 

Se isso � democr�tico, eu realmente tenho muita dificuldade de interpreta��o de texto.

 

Por sua vez, os apoiadores do atual governo se postam a fazer malabarismos lingu�sticos para negar o �bvio! O governo venezuelano fez e faz um conjunto enorme de coisas que esse mesmo grupo apoiador do atual governo atacava no governo anterior! 

 

Sabe tudo que eu falei a� acima em compara��o? Pois �, tudo isso era apontado como viola��es graves do governo anterior. Sacou a contradi��o??? Quando foi feito aqui no Brasil pelo governo anterior era ditadura, abuso de poder, autoritarismo, etc. A� agora quando se questiona a mesma coisa do governo venezuelano, � relativo s� porque o Presidente disse que � relativo.

 

Na minha cabe�a fica assim: quadrado � quadrado e redondo � redondo, mas quadrado pode ser redondo se o Presidente disser! Honestamente, n�o faz o menor sentido! 

 

Pois �. Novamente a gente percebe que as discuss�es p�blicas e pol�ticas no Brasil n�o s�o maduras, mas mero fruto de brigas partid�rias irracionais, com enfrentamentos t�o inteligentes quanto os executados por duas torcidas organizadas rivais. � pura bile, sem qualquer fundamenta��o ou coer�ncia.

 

Eu n�o consigo entender a dificuldade que n�s temos que criticar aqueles que apoiamos. A cr�tica � uma forma republicana, democr�tica e efetivamente leal de demonstrar respeito pelo outro. Obviamente estou falando de cr�tica que gente adulta faz e n�o ficar gritando “bolsominion” ou “esquerdopata”, porque isso qualquer crian�a da 5ª faz melhor.

 

Principalmente as lideran�as do pa�s precisam aprender a ouvir cr�ticas e a conclamar aqueles que est�o perto de si a critic�-los e apontar os seus erros. � imposs�vel melhorar sem isso. O governo anterior errou demais e em muita medida por ser incapaz de ouvir minimamente o “outro”. O governo atual erra e n�o tem algu�m para falar que est� errado, como se fosse “pecado” afirmar o �bvio.

 

Ao contr�rio do que alguns querem, somos todos humanos. N�o temos mitos e nem her�is no Brasil. S� que as vezes parece que explicar isso � mais dif�cil do que devia ser. 

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