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Estado de Minas FEMINISMO NEGRO

Carta a L�lia de Almeida Gonzalez

'Eu acho que voc� j� sabe, mas n�o mudou muita coisa desde que voc� se foi. A tr�plice discrimina��o da mulher negra continua nos violentando por aqui'


02/02/2023 09:59 - atualizado 02/02/2023 14:05

Arte representando Lélia de Almeida Gonzalez
L�lia de Almeida Gonzalez foi ativista, fil�sofa, antrop�loga e intelectual que lutava pelos direitos da popula��o negra, em especial as mulheres negras (foto: @mariarosa.art)

Ei L�lia, tudo bem? Ou ser� que devo trat�-la como Dona L�lia? Sinceramente fico na d�vida, porque voc� nasceu em 1935, n�o � mesmo? E minha av� nasceu, um ano antes, em 34. Como nunca chamei minha av� de dona v�, eu vou me referir a voc� como, voc� mesmo, mas com todo respeito e carinho viu? 

Estranho eu me senti t�o �ntima de algu�m que mesmo sendo minha conterr�nea n�o tive a oportunidade de conhecer, conversar, olhar nos olhos e tal. Talvez essa intimidade venha do que sinto todas as vezes que leio seus textos que parecem conversar comigo, que me respondem d�vidas que eu ainda nem sabia que tinha. Vira e mexe eu penso em voc� e ontem em especial pensei um pouquinho mais, afinal nesse dia primeiro de fevereiro de 2023 completou 88 anos do seu nascimento.



Eu acho que voc� j� sabe, mas n�o mudou muita coisa desde que voc� se foi. A tr�plice discrimina��o da mulher negra continua nos violentando por aqui, mas o nome se popularizou como interseccionalidade, os racistas por omiss�o continuam atuantes, como nunca, dentro e fora dos partidos pol�ticos. A Assembleia Legislativa do nosso estado por exemplo foi ter deputadas negras somente agora em 2018, ainda sim apenas tr�s, em um total de 77 parlamentares.

Ontem tomaram posse aqui no estado quatro mulheres negras e nenhum homem negro como parlamentar. N�o preciso nem contar os dados resultante do processo do genoc�dio do nosso povo, at� porque sei que a cada vinte tr�s minutos voc� encontra com um jovem negro diferente rec�m chegado a�, mas n�o s� jovens, lamentavelmente s�o tantos como o menino Miguel e a Agatha que n�o conseguem chegar sequer � adolesc�ncia.


Mas, ainda sim posso afirmar que suas lutas renderam resultados significativos para n�s. Os movimentos negros tanto pressionaram que o ensino da hist�ria dos negros e da �frica virou lei e aos poucos e com muita dificuldade est� sendo implementado nas escolas. J� h� algum tempo uma pol�tica governamental de promo��o da igualdade racial reserva vagas para alunos negros foi implementada tamb�m e consequentemente aumentou o n�mero de pretinhos e pretinhas nas universidades. 

Sua sacada em demarcar as peculiaridades  do nosso espa�o enquanto mulheres negras na sociedade vem nos proporcionando melhores condi��es para reivindicar e obter �xito na conquista de direitos b�sicos. Nem preciso comentar da sua ginga em desenvolver conceitos que s�o fundamentais como s�o o "pretogu�s" e a "amefricanidade" que vem nos dando embasamento te�rico para abordar dentro e fora das academias o nosso saber questionando cotidianamente as epistemologias euroc�ntricas e essencialistas impostas como obrigat�rias pela branquitude acad�mica.

A branquitude ainda continua com o p�ssimo h�bito de se referir a n�s negras, como pretas raivosas, emocionadas quando vamos nos expressar de forma n�o resignada sobre as opress�es que nos afligem e eu sempre respondo com aquela sua frase "a emo��o tamb�m � episteme". E quando falam que sou radical, eu respondo rapidamente que radical � o racismo.

Mas deixa eu mudar de assunto e fazer uma fofoca que tenho certeza que voc� vai rir muito. Sabe aquela sua amiga, a Angela Davis? Ent�o, ela esteve aqui no Brasil em 2019 e diante de uma plat�ia com milhares de pessoas soltou na lata exatamente assim: "Eu me sinto estranha quando sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil voc�s precisam buscar essa refer�ncia nos Estados Unidos? Eu acho que aprendo mais com L�lia Gonzalez do que voc�s poderiam aprender comigo". Menina, foi um alvoro�o de pessoas que n�o conheciam sua obra procurando nas livrarias seus livros e para vergonha geral da na��o nenhuma editora comercial com um potencial de grande circula��o tinha se quer uma obra sua publicada.

Quem manteve sua obra e seus textos organizando circulando foi um coletivo Pan Africanista l� de S�o Paulo. N�o demorou muito uma das maiores editoras do pa�s publicou os mesmos textos que constavam na publica��o do coletivo em uma obra chamada "Por um feminismo afro latino americano" a capa ficou linda viu. Agora mais recente publicaram tamb�m o "Lugar de Negro" aquele que voc� escreveu com o Carlos Hasenbalg. Seus textos est�o dispon�veis em quase todas as livrarias desse pa�s, e n�o s� os seus, publicaram tamb�m os textos da Beatriz Nascimento, da Neuza Santos Souza, traduziram as obras da Angela Davis, da bell hooks e est� pra sair o livro que � resultado do doutorado da Sueli Carneiro.

Pois � mulher, sua hist�ria de ativista, fil�sofa, antrop�loga e intelectual reverbera por aqui mesmo depois de tanto tempo que voc� se despediu da gente. Suas pesquisas sobre a situa��o das mulheres negras no mercado de trabalho, a forma como voc� apontou nossas pot�ncias nos d� for�a para persistir na luta por uma sociedade que n�o nos violente com o machismo e o racismo. Assim como eu muitas mulheres negras da minha gera��o vem se tornando intelectuais org�nicas e fazendo bonito nas universidades gra�a a sua atua��o t�o assertiva no feminismo, na funda��o do Movimento Negro Unificado e tamb�m no Pan Africanismo. 

Manda um abra�o carinhoso para Luiza Bairros, Beatriz Nascimento, Marielle Franco e para a Cl�udia da Silva Ferreira. Caso encontre com mam�e e vov� por a� manda um beijo por gentileza, e diga que por aqui sigo honrando as minhas mais velhas.
 
Beijo grande e at� mais!

Deixa eu assinar direitinho essa carta porque aprendi com voc� que n�s negros e negras temos que ter nome e sobrenome se n�o os brancos arranjam um apelido ao gosto deles.

Ent�o, assinado sua n�o t�o velha, mas tamb�m n�o t�o jovem, irm� de alegrias e lutas: Etiene Pereira Martins.

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