
Se tem uma coisa que os defensores do mito da democracia racial fazem muito bem � insistir em solucionar problemas complexos de forma simplista, para n�o dizer cruel. Eles transferem para o negro toda a responsabilidade do crime que ele est� sendo v�tima, simultaneamente isentando o branco do crime que ele comete cotidianamente. Por esse motivo n�o � raro ouvirmos que para o racismo deixar de existir basta pararmos de falar nele. Essa frase pode at� parecer inofensiva, mas pode acreditar que ela � potente e letal a ponto do racista deixar de ser quem comete racismo e passar a ser aquele que o denuncia e fala que ele existe.
Essa estrat�gia do racismo silencia pessoas negras e ind�genas em diversos ambientes quando as mesmas s�o v�timas de atitudes e falas discriminat�rias. Imagina dizer que voc� desistiu de cursar tal disciplina porque a professora do mestrado ou do doutorado foi racista com voc� convidando um estilista, que homenageia mulheres negras colocando para desfilar modelos com cabelo ornamentado com palha de a�o, para te ministrar uma aula? Ou que seu colega de trabalho, em um ambiente corporativo em que todos os profissionais que ocupam os cargos de gest�o s�o brancos, foi racista ao te elogiar dizendo que mesmo voc� sendo um homem negro tem a alma branca? Muito provavelmente, se voc� j� viu algu�m denunciar ou se voc� denunciou algo assim ou similar a isso viu a v�tima ser tachada como quem faz tempestade em um copo d’�gua ou at� mesmo como mimizenta ou vitimista.
H� poucos anos o professor Adilson Moreira tornou p�blica a reflex�o de que a pr�tica de usar o humor para deslegitimar, desqualificar, humilhar ou constranger uma pessoa em raz�o das suas caracter�sticas raciais n�o � uma brincadeira ou uma piada e sim racismo recreativo. Racismo recreativo esse, usado para retirar nossa humanidade, nos tornando sub-humanos ou sub-humanas ao nos chamar de macaco ou macaca. Ao sermos surpreendidas com uma banana deixada pelo chefe em nossa mesa de trabalho, ou gritando em alto bom som no est�dio de futebol em diversos idiomas para animalizar os atletas negros em campo.
“Mas qu� que tem voc� ser chamada de macaca? Voc� sabe que n�o �, n�o sabe? Ent�o basta, � s� fingir que n�o ouviu, n�o viu.” Perguntas ret�ricas como essas s�o t�o comumente repetidas. Fingindo que n�o viu e que n�o ouviu voc� n�o denuncia, a pessoa continua fazendo isso livremente com voc� e com outras pessoas e tudo continua exatamente como est�.
“Basta dar um murro ou um soco na pessoa racista que ela nunca mais faz isso e problema resolvido” Essa � outra solu��o simplista, mas imagina uma pessoa preta sendo surpreendida por um policial batendo em uma pessoa branca. Imaginou? E quando essa pessoa preta for interrogada alegar que o motivo da agress�o f�sica era leg�tima defesa por que foi chamada de macaca, adivinha quem � que vai ficar com a ficha criminal suja? Adivinhou?
N�o existem solu��es simplistas para problemas complexos, por isso � fundamental, mesmo que desgastante, sair de casa, do trabalho, da universidade, do teatro, do est�dio, do clube, seja l� onde voc� estiver e se dirigir a uma delegacia e fazer um boletim de ocorr�ncia quando for alvo de racismo. Alvo, sim porque o racismo tem o poder de retirar a nossa humanidade, nossa autoestima, nossa inser��o no mercado de trabalho, de matar nossas crian�as, adolescentes, jovens, gestantes, nossos homens e nossas mulheres.
Ser chamado de macaco ou macaca n�o � uma mera ofensa ou piada como querem nos convencer, � crime, at� pouco tempo essas falas eram consideradas como inj�ria racial recentemente foi sancionada a lei que tipifica como crime de racismo a inj�ria racial, com a pena aumentada de um a tr�s anos para de dois a cinco anos de reclus�o. Portanto o crime de inj�ria � inafian��vel e imprescrit�vel.
Hoje h� algumas poucas delegacias especializadas para atender pessoas v�timas de racismo. A da cidade de Belo Horizonte fica localizada Avenida Barbacena, 288 no bairro Barro Preto, mas � direito do cidad�o fazer o boletim de ocorr�ncia em qualquer delegacia, mesmo que n�o seja especializada.