
H� alguns anos atr�s uma rede de livrarias famosa fez uma promo��o no dia das mulheres que sa� cansada do trabalho direto para o shopping. Nesse dia todas as clientes tinham desconto de 50% em todo o acervo de livros. Cheguei por volta das dezenove horas e a livraria estava lotada de mulheres escolhendo o que iria comprar. Dei logo um jeito de escolher os que mais me interessavam e segura-los porque se eu marcasse bobeira a outra cliente levava o livro. Fiquei equilibrando uma pilha de livros nas m�os, assim como as outras clientes, afinal n�o � todo dia que tem uma promo��o como essa, n�o � mesmo?
No meio daquela mulherada leitora eu consegui achar um espa�o no ch�o, e comecei a ler as sinopses dos livros que eu ainda n�o conhecia, verificar os valores e fazer as contas. Nesse momento a mo�a que pensou que eu trabalhava l� volta e me pede para ver os livros que eu escolhi. Eu permito, ela senta ao meu lado e em seguida me pede desculpas. Eu respondo que tudo bem e largo pra l�, j� que pelo menos ela me pareceu entender o porque ela achou que uma mulher negra n�o poderia estar em uma livraria comprando livros como todas as outras tantas mulheres brancas que ali estavam.
Bem antes de algu�m interpretar equivocadamente que eu vejo como desm�rito trabalhar em uma livraria informo que gosto tanto de trabalhar em livraria que eu j� tive uma no centro de Belo Horizonte e l� eu era vendedora, contadora, marketeira, faxineira, carregadora e tudo mais que precisasse. A quest�o aqui abordada � que por mais emancipada que seja uma mulher negra a cultura dominadora do capitalismo aliado ao racismo restringe a nossa liberdade e nos for�a a uma identidade de submiss�o e de servid�o. Por que uma pessoa negra quase sempre escuta a pergunta: voc� trabalha aqui, mesmo sendo em uma empresa em que os funcion�rios usam uniformes em seus expedientes? Talvez por que n�o temos direito de usufruir dos espa�os culturais, de lazer e de compras? Ou por que temos “cara” de quem est� sempre em todos os espa�os em prol de servir a branquitude?
J� ouvi diversos relatos de intelectuais negras sobre ocasi�es que foram convidados para ministrar palestras em grandes eventos acad�micos. Em um deles uma dessas profissionais foi conduzida de imediato para o acesso � cozinha, sem se quer deixa-la informar que precisava fazer o credenciamento como convidada especial. Uma outra me contou que a intelectual que iria dividir a programa��o no palco com ela a confundiu com uma copeira e pediu um caf� sem a��car.
A pergunta: “Voc� trabalha aqui?” pode at� parecer inofensiva, e acredito que sem o intuito de ofender, mas � uma pergunta que afirma que a hierarquia est� dada e chancelada no imagin�rio popular que forja um lugar sempre em empregos que ofertam sub-sal�rios para as pessoas negras.
� necess�rio uma reflex�o cr�tica contra hegem�nica para conseguir assimilar e entender o qu�o violento � ser tratada como servi�al em todos os lugares que voc� se prop�e a estar, por isso s� por isso � necess�rio desconstruir esse imagin�rio de negritude servil. N�s somos estudantes, atletas, escritores, clientes, doutoras, m�dicas, pacientes ou simples transeuntes, a servid�o n�o � inerente aos nossos corpos pretos. Entenda.