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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Tudo normal nas Minas Gerais

"De resto, nos anos 80 o torcedor do Am�rica era uma fic��o - bem, ele ainda o �"


01/04/2023 04:00 - atualizado 01/04/2023 06:47

Atlético e América, no Mineirão
No �ltimo confronto entre Atl�tico e Am�rica, no Mineir�o, pela fase de classifica��o do Estadual, os times empataram sem gol (foto: Leandro Couri /EM/D.A Press - 25/2/23)
At� meados da minha adolesc�ncia, eu joguei no Am�rica. Futebol de sal�o. Era um ponta habilidoso, driblava e chutava bem, tinha bom passe, jogava com intelig�ncia e o fazia com categoria e estilo. Meu problema, no entanto, residia no fato cada vez mais irrefut�vel de que o meu neg�cio era treinar. Sim, amigos, eu era o famoso, o terr�vel, o temido le�o de treino, tamb�m conhecido como malabarista de farol – aquele que se esconde quando a vida rola pra valer.

Essa condi��o me proporcionou pelo menos uma grande vit�ria em meus quase 10 anos de carreira no Am�rica: jamais ganhei do Atl�tico. Agrade�o a todos os meus companheiros de clube pela fa�anha, e os felicito por isso – afinal, todos eles, sem nenhuma exce��o, eram atleticanos. Jamais necessitamos recorrer ao autogol para fazer o nosso Galo ganhar. Mas, se preciso fosse, eles sabiam poder contar comigo. Estufaria as redes e ergueria o punho cerrado do Rei.

Guardei carinhosamente a minha camisa do Coelho quando enfim encerrei minha exitosa carreira de le�o. Tinha listras verdes e pretas, mangas compridas, oficial sem patroc�nio, n�mero 11, uma rel�quia com a marca da minha desabrochada juventude, dos meus gloriosos dias de treino – quando brilhava nos coletivos, depois das exaustivas sess�es de polichinelo. Pois eu a troquei com um torcedor do Am�rica que oferecera uma camisa falsificada do Galo. Eu era bom de neg�cio.

N�o foi exatamente a camisa falsificada que me encheu os olhos. Foi o fato de estar diante de um torcedor do Am�rica. Eu s� conhecia o pai do Daniel, e mesmo assim me parecia um impostor. De resto, nos anos 80 o torcedor do Am�rica era uma fic��o – bem, ele ainda o �.

J� naquele tempo, dizia-se que havia envelhecido, mas tampouco havia velhos americanos. Talvez tivessem morrido, pensava com meus bot�es. E de repente estava eu diante de um exemplar daquela esp�cie j� extinta, um Tiranossauro Rex no Jurassic Park. Entreguei-lhe a camisa como quem desejasse que ela pudesse viajar pelo espa�o-tempo at� o universo paralelo de onde teria vindo aquele ser ex�tico.

O estado de encantamento pelo torcedor do Am�rica n�o era sua primazia. Acontecia tamb�m com o cruzeirense. Eu morava na rua do Ouro quando correu entre a meninada a not�cia bomb�stica: acabara de se mudar para a Bambu� uma crian�a cruzeirense. Descemos em polvorosa. Esgueiramo-nos por entre as pilastras do pr�dio para observar aquele extraterrestre: como vivia? Do que se alimentava?

Com o tempo, fomos nos aproximando do menino cruzeirense. At� que pudemos estabelecer contato e, por fim, catequiz�-lo, transformando-o em atleticano. Melhor ter�amos feito se o tiv�ssemos mantido isolado, de modo a preservar sua cultura, hoje desaparecida. Mas n�o t�nhamos ainda essa consci�ncia, que apenas se aplicava muito recentemente aos �ndios isolados da Amaz�nia.

A preponder�ncia do Galo na cidade era algo t�o arrebatador – e ainda o � – que avan�ava como um v�rus, indistintamente, sobre donas de casa e militantes mulheres contra a ditadura, pe�es de obra e publicit�rios, gente com ojeriza pelo futebol e qualquer forasteiro que por essas terras se aventurasse (conheci em S�o Paulo, outro dia, um coreano atleticano que por BH vivera). Resultado de mais de s�culo em que rivais foram passando – do Sider�rgica ao Sete de Setembro, do Yale ao Am�rica, do Palestra ao Cr�zeiro. “Eles passar�o”, previu o poeta ga�cho M�rio Quintana, “n�s passarinho”. Passarinho nada – “aqui � Galo, porra”, ensinou seu conterr�neo.

Hoje acontece o primeiro jogo da final. Se o Galo terminar campe�o, e a depender de apenas duas outras decis�es em todo o pa�s, ser� o maior campe�o estadual do Brasil. O cruzeirense ver� do sof�. O americano... bem, o americano n�o existe. Tudo normal nas Minas Gerais.

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