
Daniel Cruz Fonseca, de 26 anos, tem atrofia muscular espinhal tipo 2. Ele n�o fica em p�. “Se te der um soco, parecer� um carinho”, diz. Precisa de ajuda para se sentar na cadeira de rodas, tomar banho e comer. “Isso fez com que fosse uma crian�a que n�o jogava bola. Mas eu era o t�cnico”, conta.
Muito cedo, Daniel aprendeu a observar o mundo. Entendeu que somos diferentes, por�m capazes. “A observa��o do outro � refletida em minha poesia, assim como experi�ncias bem singulares que vivi. Por causa da aus�ncia de m�sculos, minha coluna foi envergando, formando um 'S'. Para preservar a sa�de, fiz uma cirurgia que implantou no meu corpo duas hastes de metal e 26 parafusos”, revela.
Essa viv�ncia inspirou um dos poemas de seu primeiro livro, Nuvens reais (Ramalhete). O editor �lvaro Gentil diz que Daniel tem rico material, suficiente para outras publica��es. “�lvaro � gentil em dizer isso, fico feliz vindo de um perito como ele. J� tenho mais um livro em est�gio de matura��o. Escrito, organizadinho e esperando para aperfei�oar”, afirma.
Advogado com mestrado na �rea empresarial/direito digital, Daniel conta que a pandemia lhe permitiu parar um pouco para organizar o livro de estreia.
As leituras preferidas dele s�o Poema em linha reta, de Fernando Pessoa, Poema n�mero 20, de Pablo Neruda, e O p�ssaro azul, de Bukowski.
“Meus autores favoritos s�o Dostoievski, Hemingway, Tolstoi e Machado de Assis. Claro que, sendo da terra, bebi muito na �tima fonte que � Carlos Drummond de Andrade. Ah, faltou citar Ad�lia Prado e Ferreira Gullar.” A pedido da coluna, ele escreveu o poema Ano novo, publicado ao lado.
O que o levou � poesia? O que ela representa em sua vida?
Poderia simplesmente dizer que a vida me levou � poesia e esta representa toda a minha vida. Talvez isso soe clich� ou arrog�ncia minha. Vou tentar esclarecer: odiava poesia, at� passar por um momento muito triste e solit�rio, no qual, em completo desamparo, recorri � escrita como espa�o de desabafo. Foi um ref�gio. De certa forma, ainda �.
"A for�a est� em cada um de n�s. Ficou parecendo frase de Star wars, mas � verdade"
Vivemos um momento muito dif�cil da hist�ria da humanidade. Qual � a import�ncia da poesia nesse contexto?
A poesia � a tela em branco onde o autor pinta os sentimentos que v� no mundo. Neste momento t�o triste e desolador, as pessoas se perdem em sentimentos. Transbordam emo��es. Diagnosticar essas sensa��es � tarefa herc�lea, ainda mais isolados pelo distanciamento social, que � necess�rio, e bombardeados por trag�dias. Acredito que vendo seus sentimentos pintados por outros naquelas telas chamadas poesia as pessoas possam se identificar e se sentir acolhidas. A poesia organiza o caos e pode ajudar o leitor a se acalmar – ou surtar, igual a Dom Quixote.
Como � o seu processo criativo?
Agora voc� me pegou! N�o tenho o processo fixo de escrever em determinada hora sobre determinada coisa. Normalmente, meus poemas v�m das minhas observa��es da realidade, que tento destrinchar, ressignificar ou descrever com figuras de linguagem. Como tenho ins�nia, sou mais produtivo no sil�ncio da madrugada. Mas n�o existe padr�o. Tem uma poesia no �ltimo livro que escrevi em plena festa de formatura da faculdade, com funk tocando ao fundo. Na hora em que observo algo interessante, sinto a necessidade de digitar no bloco de notas do celular. Depois organizo com calma.
Aos olhos do poeta, onde reside a for�a para enfrentarmos a pandemia?
A for�a est� em cada um de n�s. Ficou parecendo frase de Star wars, mas � verdade. Basta projetarmos onde queremos estar quando tudo isso passar. O que faremos? At� l�, vamos segurando a ansiedade e vivendo dia a dia com a consci�ncia de que tudo passa. N�o vejo a hora de voltar a sair, desde 8 de mar�o estou dentro de casa. Assim que passar, voltarei ao Mineir�o, � minha cidade, para ver a fam�lia, e aos shows de que tanto gosto. O mundo voltar� ao normal, n�s � que estaremos diferentes, mais solid�rios, espero. Da dor ressurge a esperan�a, que � a semente de um futuro melhor.
Ano novo
Vestirei branco por mera supersti��o
Verei fogos dan�ando no c�u
Um bom tango de Gardel ou samba de Noel
Amo suas luzes e cores estourando
Lembro-me das noites que passei amando
Meus cachorros n�o gostam do barulho
Se escondem como se fosse o fim do mundo
E quase estiveram certos da �ltima vez,
Que ano desesperador e tr�gico
Parecia uma pandemia de insensatez
Eu gosto do r�veillon...
� o momento em que lembro
que toda dor tem fim
Refa�o meus planos e ponho ordem no caos
Para tentar fazer progresso em mim
Estouro o champanhe e recebo seus beijos
Recebo a esperan�a nesta noite virada
Reanimo meu cora��o
paralisado pela ansiedade
Mesmo sem comer lentilhas ou pular ondas
Sei que o pr�ximo ano ser� melhor
At� porque � dif�cil ser pior
Tor�o apenas para ter sa�de e felicidade
Porque no fim eu gosto de renovar
