(none) || (none)

Continue lendo os seus conte�dos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e seguran�a do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/m�s. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas BLOCO NA RUA

O dia em que a amea�a de moradores do Gutierrez a carnavalesco virou samba

Matheus Brant conta � coluna HIT as origens da can��o "Garoto Matheus", composta por Thiago Delegado


06/02/2022 04:00 - atualizado 06/02/2022 03:31

Foto do baile de carnaval no Iate Tênis Clube
Animado baile de carnaval realizado no Iate T�nis Clube, em Belo Horizonte, em 1967 (foto: O Cruzeiro/Arquivo EM)

 
Matheus Brant
M�sico e advogado

Era in�cio de 2017, e eu, Eduardo Faleiro e Renato Rosa rod�vamos o bairro Gutierrez � procura de um lava a jato, estacionamento ou oficina mec�nica que pudesse abrigar um ensaio do bloco de carnaval de rua que hav�amos criado h� tr�s anos, o Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro. Como o bloco fazia seu cortejo no bairro, nossa ideia era de que os ensaios tamb�m se dessem l� e em lugares que as pessoas frequentavam no seu dia a dia.

Na verdade, olhando com dist�ncia, penso que intu�amos algo que estava no “esp�rito do tempo” daqueles anos de retomada do carnaval de rua em BH e outras cidades: o desejo de ocupar espa�os impregnando-os de vida, cultura e m�sica em contraste com o cimento, asfalto hostil ao conv�vio coletivo. Com Juli�n Fuks: “Ocupar espa�os materiais para tratar de reconstituir, insuficientemente, tudo de imaterial que nos tem sido destitu�do. Ocupar espa�os diversos, escolas, institutos, pr�dios vazios, ocupar para povo�-los de vida e pensamento.”

Encontramos o lugar que nos pareceu perfeito: um estacionamento na Avenida Francisco S�, quase esquina com a Avenida Amazonas, amplo e arejado. No dia, um domingo � tarde, al�m da bateria do bloco, o p�blico lotou o espa�o e muita gente ficou de fora, na rua. Encerramos o ensaio, mas muita gente ainda ficou na rua bebendo e dan�ando ao som de carro automotivo.

A PM foi chamada e, como de h�bito, dispersou o p�blico com uso desproporcional da for�a. No mesmo dia, mais tarde, recebi em meu e-mail pessoal duas amea�as, uma delas dizia assim:
“Garoto Matheus, nunca mais atrapalhe a tranquilidade da Rua Bernardino de Lima, no Gutierrez, com seu desordeiro bloco de carnaval. Aqui � um bairro de classe m�dia alta, com pessoas que integram cargos de autoridade nos Tr�s Poderes. N�o queira arrumar problemas com quem � muito superior a voc� em influ�ncia e justi�a. Gostou da atua��o da PM hoje? Na pr�xima vez, o servi�o da PM ser� mais completo. N�o volte nunca mais. Est� avisado.”

No dia seguinte, a imprensa me procurou para saber sobre o ocorrido no ensaio do bloco, ao que respondi encaminhando �s reda��es prints de ambas amea�as recebidas por e-mail. V�rios ve�culos reproduziram as amea�as – inclusive este jornal –, e a coisa viralizou. Blocos e protagonistas do carnaval de BH se posicionaram se solidarizando com o Me Beija e comigo.

Ainda ganhei um presente para a vida toda – e um apelido: o m�sico Thiago Delegado comp�s um samba sobre o fato e acabou lan�ando, no ano seguinte, em disco: “Garoto Matheus/ grande desordeiro/ s� porque assume que � pagodeiro/ t� cheio de gente puxando sua r�dea/ no bairro careta l� da classe m�dia/ Garoto Matheus/ muito abusado/ acha que a rua � do povo, coitado/ de olho em voc�, est�o os Tr�s Poderes/ podando sem d� todos os seus prazeres/ Matheus garotamente recusou ser BBB/ nosso gal� hipster ignora a tev�/ Matheus que s� queria beijar no carnaval/ recebe amea�a no e-mail matinal/ E eu do alto da minha patente/ decreto sem d� e muito contente/ est� condenado em minha delegacia/ Seu delito, garoto: espalhar alegria/ Seu delito, garoto: espalhar alegria”.
 
 

Passados cinco anos dessa hist�ria de carnaval, penso n�o ter sido coincid�ncia que tudo isso se deu em 2017, ou seja, um ano depois do golpe que dep�s a presidenta Dilma e um ano antes da elei��o de Bolsonaro.
Era um pren�ncio do que viria a ser o bolsonarismo, avesso a tudo aquilo que lhe � diferente, como um narciso de coturno que n�o suporta a alegria alheia porque, no fundo, � triste e s�: mora no bairro, tem amigos “nos Tr�s Poderes”, mas ningu�m o chama para ir um ensaio de bloco num domingo � tarde.

Como escreveu Antonio Prata: “Impedido de saborear a vida por um tenebroso aleijamento existencial (...) existe como um buscap�, usando o fogo que arde dentro de si pra queimar as canelas alheias. Se pudesse, multava assovio, taxava beijo, proibia a aurora, revogava o crep�sculo, emparedava o vento e selava o sol com insulfilm. Mas n�o pode. Ele � triste, fraco e burro. Vai acabar mal e s� como um vil�o de desenho animado.”

A SE��O “BLOCO NA RUA”, PUBLICADA AOS DOMINGOS NA COLUNA HIT, TRAZ TEXTO SOBRE O CARNAVAL ESCRITO POR UM CONVIDADO E FOTO DE FOLIAS DE OUTROS TEMPOS

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)