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Estado de Minas TERCEIRO SINAL

Censurado na ditadura, 'Liderato, o rato que era l�der' � marco no teatro

Pedro Paulo Cava, que atuou na montagem aos 17 anos, escreve sobre a atualidade da pe�a que abordava cidadania, voto consciente e democracia


06/05/2022 04:00 - atualizado 06/05/2022 07:32

Vestidos como animais, atores gesticulam em cena de 'Liderato, o rato que era líder'
Par�bola pol�tica, 'Liderato, o rato que era l�der' fez enorme sucesso nos anos 1960, at� ser proibida pela ditadura (foto: Acervo pessoal)

Pedro Paulo Cava
Diretor


O ano era 1967. Os jornalistas Andr� Carvalho e Gilberto Mansur, ambos do Estado de Minas, resolveram escrever uma pe�a de teatro para crian�as que falasse de elei��es. Para quem n�o sabe, est�vamos no in�cio da ditadura, e as elei��es haviam sido suspensas em todo o pa�s.

Assim nasceu a genial hist�ria de “Liderato”, um rato aventureiro, populista, sem maiores compromissos com o povo e que distribu�a queijo aos eleitores em troca de voto. A hist�ria se passa num pa�s chamado Ratol�ndia, que vivia sob a amea�a constante de um terr�vel gato, que devorava qualquer ratinho que encontrasse pelo caminho. 

Essa personagem era caracterizada como uma mistura de Tio Sam e Nosferatu, o que dava a ela um aspecto assustador. Pois �, naquele pa�s habitavam milhares de ratinhos que teriam que escolher entre Liderato, o falso l�der, e Ratildo, o l�der verdadeiro, preocupado com os problemas do povo e do pa�s. 

A elei��o parecia perdida para este candidato que fazia uma campanha sem recursos, enquanto seu rival, Liderato, era rico, se vestia bem e tinha recursos para iludir o povo da Ratol�ndia com uma farta distribui��o de queijos.

Por que estou contando aqui, mais de 50 anos depois, essa hist�ria? Ao repassar na mem�ria os fatos daquela �poca, fico feliz em ter participado como ator, aos 17 anos, de um dos maiores sucessos do teatro infantil brasileiro.

Na verdade, tudo conspirou para que “Liderato, o rato que era l�der” fosse um estrondoso sucesso de p�blico e cr�tica e se transformasse num espet�culo que foi assistido por milhares de crian�as e adultos durante os dois anos em que esteve em cartaz. 

Sob a batuta de Helv�cio Ferreira, criativo diretor com uma longa experi�ncia na montagem de textos infantis, 12 atores se reuniram para dar forma e levar � cena aquele que viria a ser um dos marcos do teatro infantil em Belo Horizonte e tamb�m um divisor de �guas entre o teatro amador e o profissional no fazer teatral da cidade.

O maestro A�cio Fl�vio comp�s as can��es da pe�a, e o cartunista Rujos ilustrou cartazes e criou um programa que era uma hist�ria em quadrinhos. Joaquim Costa idealizou os figurinos, Dulce Beltr�o criou as coreografias para a pe�a, e Irene Abreu desenhou a cenografia.

“Liderato” estreou no in�cio de 1967 no Teatro Mar�lia, e permaneceu em cartaz at� 13 de dezembro de 1968, quando foi proibido pelo AI-5, assim como centenas de espet�culos teatrais, livros, m�sicas e filmes por todo o Brasil.

A import�ncia dessa montagem foi reveladora daquele momento em que, amorda�ada, a sociedade buscava sa�das para protestar contra a presen�a dos militares no poder. “Liderato” podia ter duas leituras: uma para o p�blico infanto-juvenil, que era l�dica e did�tica, ensinando democracia, a necessidade do voto e do exerc�cio da cidadania de maneira colorida, alegre e eficaz. Ao final do espet�culo, as crian�as subiam ao palco e votavam no melhor candidato. 

Outra e mais eficiente era o texto dirigido aos adultos, que falava sobre a viol�ncia dos militares contra os estudantes e civis em geral, da liberdade de se expressar e escolher e clamava por justi�a social e democracia. Estava tudo l� no texto, na boca dos atores, e ficava bailando na cabe�a dos espectadores. Por isso tantos pais e crian�as voltavam muitas vezes ao teatro. 

“Liderato” se tornou um programa imperd�vel. Faz�amos, como era de costume, tr�s apresenta��es nos fins de semana: s�bados, �s 16h; e domingos, �s 10h30 e �s 16h. Chegamos a apresentar duas vezes nos domingos pela manh�, porque o p�blico excedia a lota��o do teatro e ficava � espera de uma nova sess�o, ao meio-dia.

Escolas, entidades, sindicatos e empresas compravam apresenta��es nos dias de semana, de ter�a a sexta-feira, pela manh� e � tarde. O elenco passou a obter sua sobreviv�ncia da bilheteria, que era dividida a cada semana pelos integrantes do TIP – Teatro Infanto-Juvenil Popular, grupo que fundamos em 67 e tinha o car�ter de uma cooperativa, onde todos eram cotistas com o mesmo percentual, incluindo a� os autores.

Andr� Carvalho era editor do Estado de Minas, onde mantinha o caderno Guril�ndia. Era tamb�m “reitor” da “Universidade Popular da Manh�”, programa educativo levado ao ar pela TV Itacolomi, tamb�m pertencente aos Di�rios Associados. O apoio desses dois ve�culos de comunica��o foi fundamental para o sucesso da pe�a e at� os ve�culos de comunica��o de outras empresas abriam generosos espa�os para o nosso espet�culo. 

Enfim, de alguma forma todos participavam da conspira��o para o sucesso. Em 1968, gravamos o espet�culo em disco na Bemol, naquela �poca a maior gravadora de Minas. Os discos eram vendidos nos teatros e nas escolas. At� hoje, encontro pessoas que me dizem ter guardadas com muito carinho as nossas velhas bolachas de vinil.

O sucesso da pe�a deu muita visibilidade a toda a equipe, especialmente aos atores. Uma grande parte j� faleceu e outra sumiu simplesmente. Mas todo o frenesi em torno de “Liderato” trouxe problemas com os militares. O famoso e temido coronel Medeiros levou os filhos para assistirem ao espet�culo e, no dia seguinte, convocou ao quartel do CPOR o diretor e os autores do espet�culo. Munido de uma c�pia do texto onde havia feito cortes substanciais, exigiu que fossem rigorosamente acatados, se quis�ssemos manter o espet�culo em cartaz. Assim foi feito, e em todas as apresenta��es da pe�a, nos fins de semana havia, um oficial do Ex�rcito na plateia acompanhando com o roteiro na m�o se realmente t�nhamos cumprido a determina��o do chefe da repress�o em Minas. 

Mas os espet�culos vendidos nos dias de semana faz�amos na �ntegra, como forma de protesto, desobedi�ncia e certo gosto de vingan�a. Era um risco que corr�amos conscientemente. “Liderato, o rato que era l�der” foi um caso de quase unanimidade e assunto em qualquer boa roda de conversa. Enfim, estava na boca do povo. Olhando para tr�s, vejo que “Liderato”, especialmente hoje, �s v�speras das elei��es gerais, seria mais que nunca essencial para se entenderem valores como o voto consciente, humanidade, cidadania e democracia. Quem se arrisca a uma nova montagem?





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