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Estado de Minas DIVERSIDADE

Est�o tentando sumir com os corpos gordos e somos c�mplices disso

Dispositivo fixado entre os dentes segue os moldes de aparatos de tortura medieval e objetiva a castra��o f�sica e da subjetividade do corpo gordo


30/06/2021 08:00 - atualizado 30/06/2021 10:48

A existência de dispositivo tão violento tem tirado o sono de Jéssica Balbino, que o compara a máscara de Flandres(foto: Thito Fonseca - Divulgação)
A exist�ncia de dispositivo t�o violento tem tirado o sono de J�ssica Balbino, que o compara a m�scara de Flandres (foto: Thito Fonseca - Divulga��o)

 
Corpos gordos s�o grandes. Imensos. Volumosos. E n�o cabem. Por n�o caberem, h� um exerc�cio social em muitas esferas que tenta combat�-los e, em certa medida, alcan�a um sucesso absoluto. Est�o tentando sumir com nossos corpos gordos e somos c�mplices disso. 

Falo do lugar de uma mulher gorda e perif�rica. Minha exist�ncia � atravessada por estes marcadores - imposs�veis de serem ignorados e poder escrever sobre, neste espa�o, � n�o s� uma forma de revolu��o, como tamb�m uma tecnologia de resist�ncia e de humaniza��o. 

Poder escrever ao mesmo tempo de um an�ncio da cria��o de um dispositivo fixado entre os dentes de pessoas gordas a fim de evitar que elas comam e assim percam peso compulsoriamente � uma forma de evitar o apagamento a que estamos submetidos, apesar do tamanho considerado exacerbado. 
 

'Falo do lugar de uma mulher gorda e perif�rica. Minha exist�ncia � atravessada por estes marcadores - imposs�veis de serem ignorados e poder escrever sobre, neste espa�o, � n�o s� uma forma de revolu��o, como tamb�m uma tecnologia de resist�ncia e de humaniza��o.'

 
Tal dispositivo tem me perturbado de muitas maneiras desde que foi parar na minha timeline. Mas n�o s�. Ele � apenas uma das muitas formas de fazer um corpo gordo sumir. Mais sobre o produto pode ser lido aqui 

Queria come�ar essa coluna cheia de positividade, no entanto, nesta semana, o an�ncio da cria��o de um dispositivo fixado entre os dentes de pessoas gordas a fim de evitar que elas comam e assim percam peso compulsoriamente tem me tirado o sono. 

O equipamento, que mais lembra a vers�o 2.0 da M�scara de Flandres, comumente usada em pessoas pretas que foram escravizadas no Brasil, a fim de impedir que elas pudessem falar e/ou ingerir alimentos, bebidas e at� mesmo �gua � t�cnica de tortura e apagamento institucionalizada pela medicina e pela ci�ncia - que fazemos um esfor�o imenso para defender, mas que, neste aspecto, compactua com a nossa extin��o a partir do que somos. 

O novo dispositivo segue os mesmos moldes de aparatos de tortura medieval e objetiva a castra��o n�o apenas f�sica do corpo gordo, mas da subjetividade destas pessoas, que somem e transformam-se numa massa disforme e estat�stica. 
 

'Testado em nove pessoas - todas mulheres, o que abriria tamb�m o precedente para uma conversa sobre g�nero - o dispositivo � fixado entre os dentes a partir de �m�s, permitindo uma abertura controlada da boca, ignorando todas suas outras fun��es que n�o comer, tais como falar, gritar, chupar e, pasmem, respirar.'

 

Testado em nove pessoas - todas mulheres, o que abriria tamb�m o precedente para uma conversa sobre g�nero - o dispositivo � fixado entre os dentes a partir de �m�s, permitindo uma abertura controlada da boca, ignorando todas suas outras fun��es que n�o comer, tais como falar, gritar, chupar e, pasmem, respirar. 

De acordo com os resultados iniciais da testagem, as mulheres submetidas ao aparelho o fizeram de forma volunt�ria, em sacrif�cio cient�fico num vale tudo pelo corpo padr�o ou magro. 

O estudo ignora qualquer outro fator que deixe um corpo gordo, como gen�tica, disfun��o hormonal, entre outros e atribui, apenas, ao fato de comer alimentos s�lidos em excesso a quest�o e ainda abusa de express�es como “combate � obesidade”, que recha�o, porque al�m de violento, prop�e o exterm�nio dos corpos gordos e, por conseguinte, das pessoas que vivem neles. 

A palavra obesidade, por aqui, termo m�dico criado exclusividade para designar doen�a sobre os corpos gordos n�o � bem aceito ou empregado, haja vista que patologiza exist�ncias em corpos que podem ser e estar saud�veis, ainda que fora dos padr�es ou gordos

Conforme nos diz a escritora Grada Kilomba, no livro “Mem�rias da Planta��o”, a m�scara (de Flandres) seria uma forma de censura � fala e � enuncia��o das pessoas escravizadas. Em um paralelo com o dispositivo para evitar que as pessoas comam, entende-se que a mesma, aplicada aos corpos gordos, evidencia esse desejo pela anula��o da subjetividade, bem como do sujeito, a partir da limita��o da fala e do mantenimento do corpo. 

Indo al�m , podemos pensar em uma forma de puni��o aos corpos gordos, que ousam desobedecer os padr�es impostos pela magreza e dissidem da norma institu�da como o �nico caminho poss�vel para se viver e merecer a felicidade em uma sociedade marcada pela meritocracia. � quase como se corpos gordos n�o merecessem existir, j� que n�o s�o obedientes o suficiente para caberem nos micro espa�os destinados aos corpos. 

� exasperador pensar na viol�ncia com que somos tratados com a desculpa que “� pela sua sa�de”, mas sabemos que a sa�de de pessoas magras jamais � questionada, mas a n�s, s�o impostos mecanismos de redu��o e desaparecimento a qualquer custo. 

Estamos sendo consumidos e mortos por nossos corpos, sem que sequer, tenhamos consci�ncia disso. Para al�m da normaliza��o das viol�ncias cotidianas, que exigem tantas camadas de discuss�o quanto essa coluna permitir, � importante que estabele�amos, em linhas mais urgentes, que n�o � poss�vel compactar com as vis�es reducionistas, capacitistas, patologizantes e eugenistas sobre nossos corpos. 

Daqui, me despe�o deste primeiro encontro feliz - e falante - sem as amarras fixantes sobre minha boca como t�cnica de tortura medieval, afinal, sempre quis ter uma coluna fixa em um jornal e, para minha absoluta honra, estreio hoje neste espa�o para falar de diversidade, especialmente a dos corpos m�ltiplos, plurais e dissidentes e, abordar tais temas em um pa�s cujo negacionismo � a principal pauta pol�tica e a busca incans�vel pela padroniza��o de comportamentos e exist�ncias � uma praxe faz deste espa�o DiversEM uma deliciosa contram�o. 

Oferecer, a colunistas gordes, trans, pretes um lugar para que suas pautas sejam discutidas � urgente e j� est� acontecendo. 
 

'Oferecer, a colunistas gordes, trans, pretes um lugar para que suas pautas sejam discutidas � urgente e j� est� acontecendo.'

 
 
Que este tamb�m seja um espa�o para partilharmos e exercitarmos novas tecnologias de sobreviv�ncia, luta e afeto. Nossos corpos t�m pressa de vida. 

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