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Estado de Minas DIVERSIDADE

''Parem de romantizar a magreza''

Contraponto entre romantiza��o e autoamor e autoaceita��o de corpos dissidentes


21/07/2021 06:55 - atualizado 21/07/2021 10:43

''Esse é um pedido: parem de patrulhar os corpos alheios''(foto: Cintia Rizoli/Divulgação)
''Esse � um pedido: parem de patrulhar os corpos alheios'' (foto: Cintia Rizoli/Divulga��o)

“Creme para aumentar a circunfer�ncia da barriga”. “Gel que faz as estrias aparecerem”. “F�rmula aplic�vel para celulite”. “Coma 10 refei��es por dia, engorde e fique linda”. “Veja 15 dicas para conquistar seu corpo gordo e arrasar no ver�o”. “Confira aqui m�dulos de sedentarismo para come�ar a p�r em pr�tica hoje mesmo”. “Dieta para recuperar aqueles quilos eliminados”. “Cinco tipos de exerc�cio para conquistar a t�o sonhada pancinha”.

� neste tipo de an�ncio que pensam quando, para invalidar a luta de pessoas gordas, proferem, de forma exaustiva, a m�xima: “parem de romantizar a obesidade”.

Quando penso em ‘romantiza��o da obesidade’, penso em propagandas que incentivem as pessoas a engordar. A ficarem sedent�rias. A comerem mal. Mais ou menos no menos nos mesmos moldes que as tamb�m exaustivas propagandas de emagrecimento - inclusive as n�o solicitadas que, atrav�s dos algoritmos ou n�o - invadem o cotidiano das pessoas gordas.

Que diabos voc� quer dizer quando fala: romantiza��o da obesidade?

Honestamente, nunca, em toda minha vida, vi propagandas como as que citei acima. Mas, o tempo inteiro, inclusive enquanto escrevo esse artigo, sou soterrada pelas propagandas que prometem a felicidade, como sin�nimo do corpo magro, a qualquer custo - ou no clique aqui dos emagrecedores.

Paralelo a isso, estou eu, vivendo a minha vida, me alimentando como acredito que seja saud�vel, me exercitando conforme cabe na minha rotina e sustentando meu corpo gordo, como ele �, enquanto ou�o, leio e sou abordada com o ostensivo “Ser gorda tudo bem, mas n�o precisa romantizar a obesidade”.

E quem nunca ouviu? Agora, a quest�o �: o que querem dizer, exatamente, com isso, j� que, a �nica coisa que nos aterra � a romantiza��o da magreza. Basta que uma pessoa gorda esteja existindo - e publicizando isso de alguma forma, para ser atacada de ‘romantizadora da obesidade’. Se ela estiver comendo uma salada de alface, est� romantizando a obesidade. Se estiver lendo um livro: romantizando a obesidade. Se estiver praticando exerc�cios: romantizando a obesidade. Trabalhando: romantizando a obesidade.

No imagin�rio popular, uma pessoa gorda n�o pode existir, porque somente o fato dela habitar o mesmo mundo que voc� j� a coloca num lugar em que ela precisa se moldar, se adequar, deixar de ser quem �, no corpo que tem, para que possa, enfim, ‘ser aceita’.

Agora, de onde vem esse disparate de romantiza��o da obesidade? Essa pergunta tem me perseguido h� algum tempo.

E n�o, falar sobre autoaceita��o e autoestima n�o significa a romantiza��o de nada. Ningu�m receita gordura por aqui. Amar a si mesmo n�o � uma promo��o de ingest�o cal�rica e/ou uma f�rmula de obsess�o por gordura corporal.

Etimologicamente, romantizar significa idealizar algo e ent�o desej�-lo. Quantas pessoas voc� conhece que desejam ser gordas?

De que maneira a vida das pessoas gordas � melhor do que a das pessoas magras quando estas s�o, o tempo todo, desumanizadas e demonizadas?

E aqui cabe mais questionamentos: qual a origem do seu �dio pelos corpos gordos?

Por que uma pessoa que est� fora dos padr�es de magreza se sentir bem - e feliz - consigo mesma incomoda tanto?

Qual a necessidade de tanto malabarismo ret�rico para justificar esse �dio?

Gosto muito de um exerc�cio, que � pensar quantas pessoas de grupos oprimidos, sobretudo as gordas, conhecemos em cargos de lideran�a? Em destaque na pol�tica? Em pap�is memor�veis e sem servir ao rid�culo no cinema e nas novelas? Quantas protagonistas gordas conhecemos? Quantas s�o vil�s de best-sellers?

E sabemos a resposta: pouqu�ssimas. O que, por si, j� exlclui o argumento da "romantiza��o da obesidade" que vem sendo repetido � exaust�o, esculachando corpos gordos que est�o apenas tentando existir com a dignidade de um corpo padr�o, mas s�o perseguidos e odiados, n�o importa o que estejam fazendo, sob o argumento de que n�o � �dio, mas "preocupa��o com a sa�de".

"No imagin�rio popular, uma pessoa gorda n�o pode existir, porque somente o fato dela habitar o mesmo mundo que voc� j� a coloca num lugar em que ela precisa se moldar, se adequar, deixar de ser quem �, no corpo que tem, para que possa, enfim, 'ser aceita'"



Quando uma pessoa gorda acende socialmente a espa�os de poder, isso n�o deveria vir acompanhado de acusa��es sobre romantiza��o, tampouco de questionamentos sobre a sa�de. O mesmo n�o ocorre com quem est� no padr�o. O que define algu�m saud�vel, j� falamos nesta coluna, n�o � o tamanho do corpo. Mas o que define uma pessoa com sa�de mental � a autoaceita��o. S� que, quando esta � questionada em termos acusat�rios, podemos ter problemas.

Em uma ponta, temos pessoas que se amam, se aceitam e s� lutam pelo direito de existir no mundo, na outra, temos a romantiza��o excessiva de pr�ticas e dietas arriscad�ssimas que n�o s� estimulam, como incentivam os transtornos alimentares, que desembocam em diferentes problemas como anorexia nervosa, bulimina, compuls�es, entre outros.

Entretanto, na balan�a social invis�vel, pesa mais (reparem nesse significante) uma pessoa gorda saud�vel que se ama do que um incentivo aos transtornos pela magreza a qualquer custo.

O fomento aos exageros aparece aqui com os sinais trocados. Sa�de est� al�m do que o corpo aparenta. E precisamos de autoamor para termos sa�de mental, que � t�o importante quando a sa�de f�sica do nosso corpo. Ali�s, sa�de mental tamb�m � corpo.

Portanto, antes de acusar pessoas gordas de "romantiza��o da obesidade", pense de onde parte esse ataque e qual seu objetivo com ele. E tamb�m se a pessoa quer emagrecer. Ou ainda se ela tem ou n�o sa�de.

Esse � um pedido: parem de patrulhar os corpos alheios. Vou repetir, novamente: todos sabemos que ningu�m est� preocupado com a sa�de alheia. Caso isso fosse verdade, doar�amos sangue com regularidade, visitar�amos hospitais de crian�as com c�ncer, nos cadastrar�amos para doa��o de medula �ssea e, sobretudo, usar�amos m�scaras e �lcool em gel no meio de uma pandemia.

Se n�o fazemos isso, se n�o patrulhamos nossos amigos que fumam, que bebem todos os dias, que ingerem drogas dos mais diferentes tipos, que tomam rem�dios controlados a partir de autodiagn�sticos, como quem bebe �gua, por que temos essa preocupa��o com os corpos gordos?

A conta � simples: por �dio. Por que corpos de pessoas gordas e felizes incomodam tanto?

Essa foi a pergunta que deixei no encerramento da coluna da semana passada. E ela me persegue h� muitos anos. E mais recentemente mudou a forma como pessoas gordas s�o oprimidas. Vem ver como isso acontece.

Quando eu era crian�a, era muito comum receber, sobretudo na escola - um ambiente hostil e insalubre para quem habita corpos dissidentes e diversos - apelidos que tinham como inten��o ofender e oprimir, tais como: gorda, baleia assassina, feia, saco de areia, rolha de po�o, etc.

No entanto, com o avan�o da pauta e da discuss�o acerca da gordofobia, passamos a nos amar, a enxergar nosso valor, a entender que ‘Yes, we can’, n�s podemos e devemos ser felizes nos nossos corpos. E a� come�a um problem�o.

A ressignifica��o de termos como a pr�pria palavra gorda no que ela realmente �: realmente �: um adjetivo, e n�o mais com uma conota��o negativa, como tentaram impor durante muito tempo, somada a autoestima e auto amor trabalhados obrigam a sofistica��o do discurso por parte do opressor.

"Se n�o patrulhamos nossos amigos que fumam, que bebem todos os dias, que ingerem drogas dos mais diferentes tipos, que tomam rem�dios controlados a partir de autodiagn�sticos, como quem bebe �gua, por que temos essa preocupa��o com os corpos gordos"



Deixaram de nos chamar de feias e tamb�m de gordas e passaram ao famigerado: voc� est� romantizando a obesidade. Sem falar no ‘s� estou preocupado com a sua sa�de’, que merece uma coluna s� para ele, convenhamos.

E retornamos a pergunta inicial: que diabos voc� quer dizer quando fala ‘romantiza��o da obesidade?’

Arrisco aqui dizer que a resposta � simples: est�o buscando novas formas discursivas de opress�o. J� que a autoaceita��o impede que ataques � apar�ncia tenham sucesso, usar outros argumentos � a �nica alternativa v�lida. S� assim, o mundo pode seguir como tem seguido h� muito tempo, romantizando a magreza, punindo pessoas gordas por serem quem s�o, inclusive felizes e tentando nos impedir de existir, a qualquer custo, seja ele sofisticado ou n�o.

Logo, quando estamos s� existindo - e nos amando, desfrutando a vida e buscando travar, atrav�s de uma luta por acessibilidade, a inclus�o e humaniza��o de pessoas gordas no mundo e isso tem zero coisas a ver com est�mulo para engordar, por favor. E se isso te incomoda, � urgente que voc� repense o seu lugar - e do seu corpo no mundo.

E aqui repito e encerro: o que voc� deseja ao romantizar a magreza?

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