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Estado de Minas SA�DE

Dissidentes no div�: escuta p�blica incentivada pelo Sa�de Sem Gordofobia

Projeto realiza mutir�o de psican�lise e psiquiatria, oferecendo atendimento a pacientes gordes de todo pa�s


15/09/2021 06:00 - atualizado 15/09/2021 09:03

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(foto: Arquivo pessoal)

 
Os dissidentes no div�. Essa foi a proposta da iniciativa Sa�de Sem Gordofobia, comandada pelas psicanalistas Gabi Menezes e La�s Sellmer que, no �ltimo s�bado (11/09), reuniu 16 pessoas, num mutir�o de atendimento presencial e online em S�o Paulo (SP), com  atendimento no div� e tamb�m psiqui�trico, apoiado pela psiquiatra Marjorie Ricciardi, numa tentativa de promover a escuta sem barreiras. 

O Sa�de Sem Gordofobia � uma iniciativa que ocorre online atrav�s do perfil @saudesemgordofobia no Instagram e presencialmente por meio de mutir�es. Na internet, de forma organizada, a dupla re�ne um banco de dados com pelo menos 600 profissionais da �rea da medicina de diferentes lugares do pa�s, indicados por pacientes ou submetidos a uma longa e minuciosa entrevista para comprovarem que s�o emp�ticos �s causas e corpos das pessoas gordas. 
 

'Saber que temos psic�logas dispostas a, num s�bado, abrir a cl�nica para atendimento gratuito me enche o peito a ponto de acreditar que somos o agora: o futuro que est� acontecendo entre os que foram, de algum jeito, rejeitados pela norma.'

 
 
Freud estaria feliz ao ver isso acontecer. Sim, estou novamente falando de Setembro Amarelo, corpos gordos e psican�lise. J� falei tamb�m na coluna  Setembro Amarelo: sa�de mental para quais tipos de corpos? , mas n� custa lembrar do desejo do ‘pai da psican�lise’ ao aventar a possibilidade de cl�nicas p�blicas de atendimento, refor�ando que “todos t�m direito a escuta”. 

Mas t�m mesmo? Por aqui, tenho muitas d�vidas. Mas tamb�m muita esperan�a. Saber que temos psic�logas dispostas a, num s�bado, abrir a cl�nica para atendimento gratuito me enche o peito a ponto de acreditar que somos o agora: o futuro que est� acontecendo entre os que foram, de algum jeito, rejeitados pela norma. 

“Duas freudianas juntas geraram o ‘Sa�de Sem Gordofobia’ e acreditamos que a psican�lise � sim para todes, precisa parar de ser elitizada, precisa abra�ar todos os corpes e classes sociais. A psican�lise nasce com uma cr�tica social e n�s vemos como um instrumento de acesso”, disseram as criadoras da iniciativa. 

Vale dizer tamb�m que em julho deste ano o projeto agilizou a vacina��o de pessoas gordas contra Covid-19 em todo o pa�s atrav�s de mutir�es presenciais e online para emiss�o do laudo exigido. 

No entanto, a discuss�o segue. Em Salvador (BA), o movimento Vai Ter Gorda, coletivo que luta pela causa das pessoas gordas no pa�s, realizou, na manh� de domingo (12) um campanha pelo Setembro Amarelo, chamando a aten��o tamb�m para a escuta das pessoas gordas. O ato foi para chamar a aten��o das pessoas contra a exclus�o social. 
 

'N�o raro, recebo relatos de pessoas gordas que foram maltratadas nas cl�nicas de psican�lise, psicoterapia ou psiquiatria, induzidas a emagrecer, provocadas a assumirem uma postura infeliz diante do pr�prio corpo dissidente'

 

Para al�m das estat�sticas, j� citadas em artigos anteriores, sobre como a depress�o, a exclus�o, o bullying e cyberbullying podem ser fatores mais agravantes a uma pessoa gorda do que o peso de uma pessoa, � importante que destaquemos aqui a qualidade de escuta. 

N�o raro, recebo relatos de pessoas gordas que foram maltratadas nas cl�nicas de psican�lise, psicoterapia ou psiquiatria, induzidas a emagrecer, provocadas a assumirem uma postura infeliz diante do pr�prio corpo dissidente e, n�o s�, contrariando tudo que se pode ser aprendido no ensino sobre sa�de mental, muitos psic�logos abarrotam as redes sociais com f�rmulas m�gicas de emagrecimento saud�vel, atreladas a sugest�es de “Jornada do Emagrecimento Consciente”, com dizeres em letras garrafais como “N�o � sobre fechar a boca, mas sobre abrir a mente”.
 
Al�m de ferir o c�digo de �tica da profiss�o, � extremamente perigoso. S� quem pode receitar dietas s�o nutricionistas habilitados para tal. Aos psic�logos, cabe a escuta dos pacientes. Atribuir formas de lidar com o pr�prio corpo, al�m de pass�vel de puni��o, � violent�ssimo. 

Imagine voc�, buscar uma escuta para seus problemas que podem ter zero liga��o com seu corpo ou o tamanho dele, mas passarem por coisas corriqueiras, como um chefe autorit�rio, ins�nia recorrente, ansiedade e ter isso atribu�do a sua forma de se alimentar ou ao seu peso. 

Pensa comigo que, ao inv�s dessa pessoa que � paga para te ouvir, te oferecer escuta, ela vai te oferecer uma dieta, uma solu��o m�gica a partir da mudan�a das suas pr�prias cren�as e uma ‘jornada’ que pode ter nada a ver com as suas queixas ou com o preconceito e opress�o latentes na sociedade. 

Emagrecer pra caber at� no ideal de psic�logos n�o � o caminho. N�o deve ser. 

E, no m�s da sa�de mental, em que seguimos n�o cabendo em cadeiras, portas, elevadores, catracas e div�s, se faz urgente denunciar tais comportamentos e celebrar outros tantos, como o do Sa�de sem Gordofobia, que quebra com o estigma e medo que n�s, pessoas que habitam corpos dissidentes temos de ir ao m�dico. 
 
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Tamb�m no m�s da pessoa gorda e da luta antigordofobia, se faz imprescind�vel que juntemos as pautas e falemos sobre a intersec��o destes temas, j� que � imposs�vel ser uma pessoa gorda e habitar o Brasil de 2021 sem a sa�de mental em dia, ou, no m�nimo, em tratamento. 
  

'� do ser humano buscar escuta. Queremos ser ouvidos. Queremos verbalizar o que nos atravessa e o que sentimos. E, n�s, corpos dissidentes, queremos ser humanizados.'


E nessas urg�ncias todas, quero dizer que ningu�m precisa ser excelente o tempo todo. Estar bem o tempo todo. Estar feliz - tarefa dif�cil, inclusive, durante uma pandemia e um governo autorit�rio -, embora eu acredite na felicidade como tecnologia de resist�ncia e exist�ncia e, como diria Belchior, como arma quente, requer muito da gente. Tanto que �s vezes n�o conseguimos dar. E ok que seja assim. E ok que n�o estejamos bem. Que n�o queiramos emagrecer para atender psic�logos por a�. Ou que queiramos - e busquemos ajuda para isso. Ou que s� busquemos escuta. 

� do ser humano buscar escuta. Queremos ser ouvidos. Queremos verbalizar o que nos atravessa e o que sentimos. E, n�s, corpos dissidentes, queremos ser humanizados. Embora eu tente caminhar para fora da borda que regula a norma posta, entendo que muito dos nossos esfor�os s�o para caber na norma vigente, porque somos forjados em acreditar que s� assim a felicidade � poss�vel. 

Saltar no escuro acreditando que � poss�vel sermos felizes em quais corpos que tenhamos � t�o assustador quanto parece. E libertador tamb�m. Mas, por vezes - na maioria delas - exige escuta. E essa escuta est� s� come�ando. 

Por isso, celebro o div� p�blico. Sonho com o dia em que, para virar votos, vamos instalar div�s nas pra�as e esquinas e n�o banquinhas com bolo e caf�. Fantasio com as cl�nicas p�blicas em que todos - at� mesmo os corpos lidos como monstruosos, como o meu - ser�o ouvidos em sua ess�ncia e no que de mais �ntimo t�m a confessar para si mesmos. 

Por enquanto, nos inspiremos em projetos como o Sa�de Sem Gordofobia e escutemos. 


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