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Estado de Minas 'TENHO TES�O EM GORDINHA'

Desejo desviante e objetifica��o dos corpos no m�s da luta antigordofobia

Fetichiza��o na semana do 'Dia do Sexo' para pensar em desejo, puni��o e a solid�o da mulher gorda


08/09/2021 06:00 - atualizado 08/09/2021 09:24

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(foto: Arquivo pessoal)
 
'Tenho tes�o em gordinha'. A frase-pavor que toda mulher gorda j� ouviu durante abordagens � quase regra em paqueras, sobretudo heteronormativas e nos traz n�o s� ao Dia do Sexo, comemorado nesta semana (em 6.9) mas tamb�m a fetichiza��o destes corpos e uma discuss�o mais profunda entre desejo e solid�o pela solid�o da mulher gorda. 
 

'N�o � que eu duvide da inten��o de quem diz que 'ama gordinha'. Acredito que gostem mesmo. Mas, aqui come�amos o debate do fetiche, j� que, se gostam, por que n�o assumem?'

 
 
Criado em 2008 por uma marca de preservativos, o “Dia do Sexo” � celebrado em 6/9 por causa da posi��o num�rica da data, em alus�o a uma posi��o sexual. Desde ent�o, a v�spera do feriado do Dia da Independ�ncia no Brasil � marcada por textos, dicas, posts - e talvez mais do que o sexo em si, penso. 

Setembro � tamb�m o M�s da Luta Antigordobia e tamb�m da Preven��o ao Suic�dio, como  j� falamos aqui nesta coluna . No entanto, o que quero trazer aqui �: n�o � que eu duvide da inten��o de quem diz que “ama gordinha”. Acredito que gostem mesmo. Mas, aqui come�amos o debate do fetiche, j� que, se gostam, por que n�o assumem? 

E quando assumem, por que isso soa como um favor, no melhor estilo de “olha como sou bacana por te desejar”. O quanto dessas frases n�o v�m acompanhadas de “pode deixar que vou te dar todo amor que voc� merece, porque voc� � uma gordel�cia”. (pausa, pois chego a arrepiar de �dio). 
 
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(foto: Jo�o Paulo Ferreira/EM/DA PRESS)
 
 

'Desconfio que mulheres magras n�o sejam abordadas tal qual mulheres gordas com frases como 'eu amo uma magrinha', em tom desejoso objetificante'

 
 
Tais coloca��es, vazias, parte de um lugar que a mulher gorda n�o seria mesmo amada, tampouco desejada, logo, enunciar isso e dizer que ela ‘mereceria’ amor � o mesmo que enunciar que ali temos um interlocutor diferente, que enxergou para al�m da invisibilidade imposta. Temos algu�m com um diferencial, capaz de externar tal desejo. S� que temos algu�m que tamb�m sabe ler o comportamento social. E sabe que ali existe uma poss�vel via de fragilidade, de aus�ncia de amor - ou de autoamor - e talvez de uma menor capacidade de negocia��o, como nos lembra t�o bem a autora Virgie Tovar, no livro “meu corpo, minhas medidas”. 

Desconfio que mulheres magras n�o sejam abordadas tal qual mulheres gordas com frases como “eu amo uma magrinha”, em tom desejoso objetificante, j� que a magreza � tomada como universal em termos de beleza, sendo poss�vel a estas mulheres elogios como bonita, linda, maravilhosa, gostosa e n�o uma �nica via que caminha pela diferencia��o a partir do corpo. 

� primeira vista esta pode n�o parecer uma quest�o. Mas �, porque nosso corpo gordo � o que nos permite viver, mas tamb�m aquilo que nos tira a humanidade, j� que � alvo de constantes cr�ticas, que �, inclusive, o motivo de tanta nega��o de afeto. Ent�o, de repente, sermos tomadas pelo desejo enunciado a partir desse corpo (e t� tudo bem se a gente tamb�m desejar) abre um v�cuo de in�meras brechas para abusos, inclusive, partindo dessa objetifica��o. 

Nossa discuss�o aqui, como sempre, � sobre os corpos dissidentes, sendo necess�rio lembrar que o  balan�o mais recente do Pornhub , o maior site de conte�dos pornogr�ficos do mundo, feito em 2019, constatou que entre as categorias que mais cresceram est� o termo BBW (Big Beautiful Woman) ou em portugu�s mulheres grandes e bonitas, que subiu 5 posi��es no ranking de busca e t�m se tornado cada vez mais popular. Na Holanda, a busca pelo termo cresceu 340%. 

Dito isso, fica provado que existe uma busca crescente por v�deos com esses corpos em a��o sexual, logo podemos dizer que o desejo est� presente ali, o que parece estranho, se pensarmos que corpos gordos, sobretudo de mulheres, est�o marcados pelo estigma e colocados sob uma codifica��o bin�ria, que as associa a fei�ra, adoecimento, sujeira, entre outros significantes que al�m da bestializa��o, produzem a desumaniza��o destes corpos, tornando-os supostamente indesej�veis, o contr�rio dos corpos magros, que s�o sempre associados � beleza, sa�de e qualidades socialmente desej�veis.

Um estudo feito em 2017 por pesquisadores da USP de Ribeir�o Preto, chamado “ Fatores relacionados � frequ�ncia do coito de mulheres na casa dos trinta ” revelou que mulheres gordas com mais de 30 anos s�o bastante ativas sexualmente. Conforme os dados colhidos pela equipe, o apetite sexual destas mulheres aumentaria de acordo com o tamanho dos corpos, considerando a medida do �ndice de Massa Corporal (IMC). 

O teste foi conduzido com 254 mulheres, na faixa dos 30 anos. Al�m de terem seus IMCs calculados, elas foram perguntadas sobre quantas vezes faziam sexo por semana. 
Entre as mulheres que relataram transar mais do que tr�s vezes por semana, a m�dia de IMC foi de 32,7 – IMC, sendo que a medida acima de 30 j� indica um corpo gordo. 

Logo, embora saibamos, intimamente, que mulheres gordas transam, jogamos um v�u sobre essa informa��o, a fim de que ela n�o apare�a, n�o seja vista e/ou digerida, j� que, assimil�-la seria tamb�m assimilar algo de fetiche nesse desejo, seria aceitar que pessoas gordas s�o objetificadas sexualmente, condenadas a viver na solid�o que � ferramenta opressiva a estes corpos. 

Conforme nos diz Marina Bastos Paim, no estudo “ An�lise das diretrizes brasileiras de obesidade: patologiza��o do corpo gordo, abordagem focada na perda de peso e gordofobia ”: “a viv�ncia sexual das pessoas gordas est� implicada na gordofobia; a solid�o e o desprezo tornam-se comuns”. Tal coloca��o poderia nos fazer pensar e at� tem esse intuito, tal qual Naomi Wolf, de dizer que h� uma aus�ncia de desejo sexual por pessoas gordas e grandes, sobretudo se forem mulheres, que sofreriam mais repress�o em rela��o ao tamanho que possuem. 

Personagens como a M�nica, de Friends s�o um exemplo cl�ssico - e ultrapassado, al�m de triste - de como as mulheres gordas s�o retratadas e como esse olhar opressor � formado, j� que, no seriado, era sempre vista comendo e nunca obtinha sorte em seus relacionamentos, diferente das amigas magras. 

Contudo, os dados apresentados por plataformas de conte�do sexual e a realidade nos mostram outras vertentes.  E aqui falamos de algo muito s�rio: h� n�o apenas um dia do sexo, mas v�rios, para as pessoas gordas. A grande dificuldade n�o � encontrar parceiros para a atividade, mas sair do limbo fetichizante e da objetifica��o. 

N�o raro, eu e outras mulheres gordas recebemos mensagens em diferentes meios e canais, com propostas para sermos companheiras - por apenas uns momentos, claro - de homens que fazem soar como um elogio o fato de “adorarem uma gordinha” ou “quererem muito sair com uma gordel�cia”. Tais abordagens soam quase como um favor e nunca como um convite real e sincero a um encontro com direito a sair pra jantar, beber algo e, caso ambos gostem, termine numa transa. 

Podemos pensar aqui que o desejo privado se d� em raz�o de corpos como o meu - e de outras mulheres gordas - serem vistos como uma aberra��o social. Como algu�m que “n�o se esfor�ou o suficiente para ser magra”, mas, ainda sim, um corpo que desperta desejo. E a�, vamos para esse desejo escondido, de algu�m que n�o � comercial, que socialmente n�o pode ser visto, que n�o � uma op��o v�lida para sair em p�blico, justamente por conta de um c�digo cultural da magreza compuls�ria. 

Por falar em magreza compuls�rio - e Dia do Sexo - trago outros dados para que possamos refletir sobre o tema. Uma pesquisa chamada “ Sex in the Nation ”, feita pela Fembido, uma p�lula feita a partir de uma mistura de ingredientes naturais, � base de plantas, que prometeria aumentar a libido feminina, mostra que no Reino Unido, 52% das mulheres evitam rela��es sexuais por se sentirem gordas. 

A pesquisa ouviu quatro mil pessoas e constatou que 13% das mulheres entrevistadas s� transam com as luzes apagadas e atribuem isso � gordura corporal. Al�m disso, uma em cada 10 pessoas entrevistadas revelou que gostaria de experimentar coisas novas na cama, mas se sentem presas �s posi��es e transas consideradas tradicionais por terem vergonha da pr�pria apar�ncia. Sintom�tico que a busca pelo padr�o nos roube o prazer, n�o?

Isso nos traz ao lugar da invisibilidade e da solid�o. E voltamos ao lugar da meritocracia, afinal, n�s mulheres gordas ser�amos corpos que no imagin�rio popular, n�o se esfor�aram o suficiente para merecer o amor rom�ntico, uma rela��o p�blica, a foto caminhando em dire��o ao p�r do sol de m�os dadas. 

Na m�xima, ser�amos corpos objetic�veis. Que despertariam desejo e mereceriam ser punidos por isso. Seriam corpos desej�veis, mas n�o comerciais. Poderiam ser ‘saboreados’ no privado, de forma escondido, e com perd�o do comparativo grotesco, mas tal qual um peda�o de carne gordurosa, que n�o pode jamais ocupar os destaques da rede social numa postagem, j� que denunciaria um estilo de vida e de alimenta��o que n�o atende ao programa do que � socialmente saud�vel ou aceito. � cultural: posta-se apenas a salada. 

E � de forma grotesca com que nossos corpos - e o desejo por eles - s�o tratados. Quando pensamos nos v�deos pornogr�ficos, pode parecer algo transgressor na norma, mas desembocamos no car�ter fetichizante das mulheres gordas. A exibi��o da gordura corporal como algo ex�tico, que caminha na contram�o da dissid�ncia pol�tica e rumo a uma objetifica��o ainda maior. 

� importante dizer que o ambiente fetichista � um lugar prop�cio aos abusos - e n�o estamos falando de consentimento, setting, etc - mas de um corpo gordo que n�o � valorizado em ambiente algum e, de repente, justamente aquilo que o desumaniza, a caracter�stica pela qual ele � recha�ado passa a ser seu �nico valor, instalando ent�o, novas mec�nicas de explora��o. 

A exotiza��o dos corpos gordos � violenta sob esse aspecto, porque extraem o erotismo sem o filtro do fetiche. N�o � um corpo desej�vel. � um corpo objeto, que sem fun��o, torna-se abjeto (Butler, corre aqui!) e da� a encontrar formas de pr�ticas contrassexuais propostas por Paul B. Preciado temos um longo caminho, que n�o caberia aqui. 

Por outro lado, t� tudo bem que desejem nossos corpos. Mas e quem somos? E tudo que carregamos? E a mulher que somos ao acordar, ao ir no banheiro, ao ler um livro, cozinhar um prato, brincar com o cachorro, mergulhar no mar, virar uma ta�a de cacha�a no bar. E nossos medos infantis? E nossas subjetividades. Quem somos n�o pode ser resumido a um “eu adoro gordinhas” em tom elogioso mas que, no fundo, sabemos que � a principal entrada para os relacionamentos abusivos. 

E aqui, fica a m�xima: queremos ser desejadas pelo todo. No dia 6 de setembro. No dia 10 de setembro. Em setembro todo. mas queremos n�o ter nossas cabe�as - e corpos - maltratados por isso. Por esse desejo. Queremos ser desejadas por tudo que somos, nem s� pelo corpo, nem s� pela mente. 

Pode ser s� para transar? pode ser! Pode ser para algo casual? Claro que sim. Pode ser para um relacionamento? Inclusive, sim!

No entanto, queremos ser olhadas e desejadas pelo todo, n�o em fragmentos ou peda�os do que podemos oferecer. N�o queremos que o fato de algu�m se sentir atra�de pela gente seja lido como um favor e/ou um diferencial. N�o queremos ser hipersexualizadas, devoradas e ao mesmo tempo, invisibilizadas. 

A treinadora sexual brit�nica Athena Mae fala sobre sexo para mulheres gordas e oferece v�rias dicas, sendo personagem inclusive de um document�rio veiculado no Reino Unido, chamado “ too fat for love ” (muito gorda para o amor). A principal dica, penso, �: “Ser gordae fazer sexo n�o � realmente diferente de ser magra e fazer sexo, porque cada corpo � diferente. Fa�a o que � bom - e poss�vel - para o seu.”

Aqui, encerro pedindo: desejem as mulheres gordas. Mas desejem tamb�m tudo que elas s�o. Desejem em p�blico, fora do inbox, com a luz acesa. Desejem na balada, na academia, no supermercado, na faculdade, na fila do p�o. Desejem de verdade. E desejem n�o s� a mente ou s� o corpo. E longe de mim regular o desejo alheio, mas muito perto de respeitar o meu, que s� deseja uma coisa: respeito para ser tudo que sou. 
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