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Estado de Minas MAIS DA METADE DA POPULA��O

Por que o BBB 22 s� tem um participante gordo?

Falta de diversidade corporal escancara gordofobia do programa, que � o maior reality show do pa�s


19/01/2022 06:00

Tiago Abravanel de sunga com as cores do arco-íris
(foto: TV Globo/Reprodu��o)

 
O t�o esperado BBB 22 estreou h� dois dias e, de forma bastante t�mida, a pauta da aus�ncia de pessoas gordas no reality show que neste ano conta com an�ncios de at� R$ 92 milh�es volta a ser discutida em algumas rodinhas, especialmente no Twitter, onde as opini�es se dividem entre quem acha que isso n�o � pauta, quem se sinta aliviado por n�o termos pessoas gordas expostas em rede nacional, quem puxe a discuss�o sempre que d� e quem segue praticando a gordofobia como a m�xima de um estilo de vida. 

Em 20 edi��es, se somarmos pessoas gordas e com corpos fora do padr�o est�tico vigente - magro e/ou sarado - contamos nos dedos de uma m�o o total de participantes. Em 2020, temos o brilhante Babu Santana, que sofreu gordofobia e racismo at� falar chega dentro da casa e ficou em quarto lugar no reality. 

Neste ano, entre os 20 participantes anunciados, apenas o ator, cantor e empres�rio Tiago Abravanel, de 34 anos, � gordo. Convidado por Boninho para o camarote, o neto do apresentador e empres�rio S�lvio Santos, desde que entrou, diverte os brothers, sisters e espectadores com muito carisma, mas tamb�m divide momentos em que s� existe: � beira da piscina, de sunga, sem camisa, sendo ele mesmo e se preocupando com zero coisas - combinemos que, fosse eu herdeira e com a vida ganha, faria o mesmo, �bvio - ora divide tens�es, como a que compartilhou com Jessilane sobre o tamanho das toalhas. 

"A toalha n�o d� a volta na minha circunfer�ncia. Eu tive que pegar a toalha da piscina. N�o sei nem se pode [usar a toalha da piscina no banheiro]", disse.
 
Em seguida, ele lamentou que a situa��o acabou sendo um tanto quanto constrangedora: "C� concorda que � um pouco constrangedor pra mim, fazer isso? � mais f�cil dar uma toalha maior".
 

'Com toda honestidade do mundo: toda pessoa gorda tem dificuldade de comprar toalhas grandes'

 
Sim, Tiago. Era mais f�cil. E talvez seja por este - dentre os muitos motivos - que a dire��o do reality n�o convida pessoas gordas para o mesmo.
 
Com toda honestidade do mundo: toda pessoa gorda tem dificuldade de comprar toalhas grandes. Seja pelo acesso, seja pelo pre�o, seja pelo frete que �s vezes � mais caro que o produto a depender da regi�o. 
 
Mas, voltando ao programa, talvez seja mais f�cil ignorar que existimos e somos mais de 60% da popula��o brasileira do que ter na equipe de produ��o pessoas tamb�m gordas - algu�m j� viu um Dummy gordo? (cont�m ironia) - e que apontem quest�es como: tamanho das toalhas, tamanho das estruturas das provas de resid�ncia, suporte de peso, etc. 
 
Se o reality, que cresce a cada ano - e o ex-apresentador (Tiago Leifert) inclusive insinua que paga o sal�rio de atores pretos da emissora - se pretende ser um recorte da sociedade, inclusive com o n�mero equiparado de pessoas pretas e brancas dentro da casa, onde est� a diversidade corporal?
 
Como eu escrevo sobre corpos gordos, me atenho a eles. E, embora este ano tenhamos a participa��o de Linn da Quebrada como um corpo dissidente de travesti como convidada para o programa, h� tamb�m uma grande lacuna nesta pluralidade, haja vista que em 22 anos, apenas uma mulher trans - Ariadna - esteve no reality.  Al�m disso, pessoas com defici�ncia (PCDs) seguem invisibilizadas. 
 
E n�o, n�o � mimimi. Corpos dissidentes existem na sociedade. E o fato de n�o estarem/ocuparem lugar num reality show refor�a n�o s� a opress�o estrutural pela qual tais corpos s�o submetidos, como tamb�m escancara a invisibiliza��o dos mesmos. 

Se n�o vemos, eles existem?

Entre crossfiteiros, corpos padr�es e sarados e muito procedimento est�tico envolvido, por que n�o colocar pessoas gordas para tensionar o debate da melhor forma que o diretor do programa gosta, ao colocar bolsonaristas e petistas num mesmo programa? Ao escolher a dedo pessoas racistas, gordof�bicas, contr�rias aos projetos sociais e pautas progressistas e at� mesmo negacionistas?
 
Tenho estado exausta - n�o � novidade pra quem me acompanha aqui - de discutir e chover no molhado sobre o tema da gordofobia, porque estamos em 2022, somos sobreviventes de uma pandemia e de um governo genocida que empurrou mais de 600 mil para a morte, logo, me sobe uma pregui�a intr�nseca espinha acima de ter que pensar em defender o �bvio e seguir dizendo porque � importante que o maior reality show da TV aberta no Brasil tenha representatividade corporal e os motivos pelos quais isso � essencial para que a pauta antigordofobia fure bolhas. 
 

'Imagine tamb�m que isso pode pautar discuss�es dentro e fora da casa, mas, sobretudo, pode naturalizar a exist�ncia dos nossos corpos misturados a outros - padr�es e n�o t�o padr�es assim.'

 
 
Imagine voc� que o programa fica no ar tr�s meses. Em 2021, foram 100 dias de confinamento com um pa�s tamb�m confinado pela segunda onda da COVID-19 no mundo. Imagina que sua av�, sua manicure, seu taxista, o cobrador do �nibus que voc� pega diariamente, sua vizinha, o dono do bar da esquina, enfim, basicamente todo mundo al�m da sua bolha tuiteira ou do instagram ou dos amigos da faculdade ou dos amigos de algum outro c�rculo qualquer, tem a chance de ver uma pessoa gorda vivendo sua vida, se exercitando, comendo, sendo divertida, sofrendo de saudade da fam�lia, surtando dentro da casa, sendo jogadora, fazendo intrigas, enfim, vivendo como uma pessoa vive sua vida?
 
Imagine tamb�m que isso pode pautar discuss�es dentro e fora da casa, mas, sobretudo, pode naturalizar a exist�ncia dos nossos corpos misturados a outros - padr�es e n�o t�o padr�es assim. Imagine que, em algum momento do futuro (e eu juro, juro por Deus que espero que seja muit�ssimo breve)  a exist�ncia destes corpos no show seja n�o apenas uma cota, de um �nico corpo, mas parit�ria entre outros, assim como passou a ser a quest�o racial (que j� n�o era sem tempo, convenhamos). 
 

'As viol�ncias ocorrem seja num reality show, seja na casa do lado da nossa, seja com qualquer pessoa gorda que ousar ser gorda e n�o se desculpar por isso.'

 
H� quem argumente que n�o aguentaria, por tr�s meses, ver pessoas gordas sofrendo em rede nacional. A �nica diferen�a, penso eu, � que estaria em rede nacional. As pessoas gordas sofrem na maior parte do tempo, em qualquer lugar. Escalonar situa��es do dia a dia - como a toalha que n�o fecha no corpo, por exemplo - joga luz numa discuss�o que � pra l� de urgente e tem a ver muito mais com acessibilidade e direito � cidadania e exist�ncia (e eu bato nessa tecla h� exatos 31 textos nesta coluna) do que com as quest�es de sa�de. 
 
O sofrimento, infelizmente, � inerente aos corpos dissidentes. As viol�ncias ocorrem seja num reality show, seja na casa do lado da nossa, seja com qualquer pessoa gorda que ousar ser gorda e n�o se desculpar por isso.
 
E eu, que n�o gosto da fetichiza��o da viol�ncia e da espetaculariza��o das dores, de repente, acho que poderia ser educativo constranger a popula��o brasileira atrav�s de v�rios corpos gordos num reality show onde promover entretenimento e ganhar R$ 1,5 milh�o � o foco principal e n�o perder peso, como muitos que j� existiram no Brasil e seguem existindo no mundo.
 

'� preciso, em algum momento, que o �dio a estes corpos irrompa dos por�es onde fingem estar preocupados com a sa�de dos mesmos e ganhe o mundo, para ent�o, ser devolvido e ter um destino compartilhado.'

 
Por mais hate que possam receber nas redes sociais - e isso j� acontece, verdade seja dita, fora dos realitys - pessoas gordas precisam, claro, ocupar estes espa�os e levar discuss�es sobre acesso a absorventes, acesso ao mercado de trabalho, acesso �s academias, a ambientes m�dicos, etc, pra dentro da TV brasileira sem o estere�tipo das personagens de novelas e sem as edi��es todas de mat�rias. 
 
� preciso, em algum momento, que o �dio a estes corpos irrompa dos por�es onde fingem estar preocupados com a sa�de dos mesmos e ganhe o mundo, para ent�o, ser devolvido e ter um destino compartilhado.
 
� preciso que se perca o medo de falar sobre corpos gordos. De conviver com eles. De olhar pra eles. � preciso que a gordofobia de cada um - e a sua t� a�, acredite - seja posta � prova. S� assim, ela ser� destru�da. 
 
Se compartilhar informa��es sobre pessoas plurais existindo � um foco do programa, onde est�o as pessoas que representam mais de 60% da popula��o brasileira? Por que elas n�o ocupam seus lugares na ‘casa mais vigiada do Brasil’? 
 
E, honestamente, toalhas � parte: qual a grande dificuldade de uma das maiores emissoras da Am�rica Latina em fazer uma estrutura que comporte tais pessoas? E n�o, n�o estamos falando de provas de resist�ncia, haja vista que, por aqui, acreditamos que pessoas gordas s�o perfeitamente capazes de disput�-las de igual para igual, havendo estrutura ideal para tal. 
 
Um programa que chega a casas onde n�o chega wi-fi, por exemplo, � urgente que trate de temas e experi�ncias como a dos corpos gordos para al�m do que preza ser diversidade. Ou ent�o, que assuma a pr�pria gordofobia e pare de quotizar corpos como os nossos e supervalorizar os corpos dentro de um padr�o inalcan��vel.
 
Anualmente, o tema volta a algumas discuss�es dentro de bolhas. As emissoras se limitam a dizer que n�o v�o comentar o assunto. As pessoas magras fingem n�o saber do que se trata e seguem sendo gordof�bicas. Mas seguem com for�a.
 

Em seus portais, lan�am mat�rias como ‘engordou no reality, veja x ex-participantes que engordaram ap�s sair do programa’, transformando a forma corporal dos indiv�duos em uma not�cia cuja pauta � esvaziada e tosca. Ao mesmo tempo, as pessoas gordas seguem sendo invisibilizadas e tendo seu direito � exist�ncia tolhido. No entanto, a representatividade precisa ser mais do que conveniente e no �mbito do discurso.
 
Ela precisa ser pr�tica. 
� o que eu desejo, al�m de mais corpos gordos � beira da piscina da casa mais vigiada do Brasil, s� existindo. E, enquanto isso n�o � poss�vel a todes, sigo fazendo meus text�es. Pra que, amanh�, menos pessoas gordas estejam sofrendo opress�o, mas sim, gozando a vida, existindo e celebrando as pr�prias exist�ncias em seus corpos que s�o tecnologias de prazer e guerra pro futuro - que acontece agora. 

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