
Hoje eu amanheci querendo dar um abra�o na Nat�lia, participante do BBB22, porque j� fui, in�meras vezes, a mulher que foi preterida numa festa, numa rela��o, num rol�, na vida, por n�o ser padr�o.
Para contextualizar, o participante Lucas, com quem ela flertava h� alguns dias, disse que n�o queria ficar com ningu�m e, minutos depois, beijou a participante Eslov�nia (que � uma mulher branca, padr�o e j� foi miss do estado em que vive).
Exatamente como a cena vivida por ela, que atire a primeira pedra quem � que habita um corpo dissidente - ou n�o padr�o - e j� viveu uma situa��o em que a outra pessoa diz que n�o quer ficar com ningu�m para, minutos depois, aparecer beijando uma pessoa totalmente dentro do padr�o.
Como disse a Tia M�, quando isso acontece, a pessoa entende que ningu�m � ela. E isso nos joga num limbo afetivo, amoroso e de rejei��o do qual � dur�ssimo sair. J� falei algumas vezes sobre o tema nesta coluna.
Mas, vamos ao que aconteceu no Big Brother Brasil de ontem para hoje. Na tarde de quarta-feira, na piscina, Nat�lia apareceu abra�ada com o participante Lucas, que disse que ela era o porto seguro dele dentro da casa.

Mais tarde, na festa que aconteceu na �rea externa, Lucas se recusou a beij�-la e informou que n�o queria ficar com ningu�m para, minutos depois, beijar a participante Eslov�nia.
Al�m da aus�ncia da responsabilidade afetiva (que n�o tem nada a ver com a expectativa que se cria, mas com n�o ser cuz�o), ele preteriu a Nat�lia e lidar com a rejei��o � desolador.
A Nat�lia ficou triste, chorou, vomitou, quis sair da casa, ficou engatilhada - e com raz�o.
Imagino que essa n�o deve ter sido a primeira vez que ela sofreu com isso, obviamente. Al�m de ser uma mulher preta, � uma mulher com vitiligo, teve uma vida sem grandes privil�gios. Ser rejeitada deve ser algo recorrente na vida e hist�ria dela. E protagonizar isso em rede nacional, deve ser ainda mais dilacerador.
Ser invisibilizada como mulher � uma realidade, tanto para pessoas pretas, como para pessoas gordas. � raro encontrarmos algu�m que esteja disposto a construir do nosso lado. E quando dizemos sobre essa dor que nos invade de forma sist�mica, somos taxadas de loucas, exageradas.
Quer�amos o qu�? � o que dizem
E a resposta � muito simples. Quer�amos e seguimos querendo afeto. Como qualquer ser humano. Queremos nos sentir amadas. Queremos ser quem somos e receber carinho e amor.
Diante disso, somos lidas como fortes, guerreiras, lindas, empoderadas, etc. Mas, o que acontece � que quase nunca � por op��o ou escolha que estamos sozinhas, mas por rejei��o, por racismo, gordofobia, capacitismo, etc.
E antes que argumentem que � quest�o de gosto, n�s sabemos que n�o �. Gosto � constru��o social e ele s� � usado como argumento quando algu�m fora do padr�o � rejeitado.
A falta dessas gentilezas - e de cuidado afetivo com pessoas fora do padr�o - desemboca num lugar solit�rio. Nos tornamos invis�veis, apesar da nosso corporalidade exacerbada. E isso d�i.
Eu tenho 36 anos e me percebo, diariamente, autossuficiente em muita coisa: viajo, saio para jantar, vou ao cinema, fa�o reparos dom�sticos, trabalho, etc; tudo isso sozinha. E, talvez, o mais triste seja: penso num futuro sozinha.
Me imagino envelhecendo s�. E essa n�o � uma escolha minha, mas uma imposi��o pela falta de afeto e gentileza.
E eu n�o quero - nem vou - me for�ar pra caber no padr�o. Ser mais magra, para ent�o, ser digna deste afeto. Algo que n�o � poss�vel, por exemplo, a mulheres pretas ou pessoas com defici�ncia. Corpos nem sempre s�o mut�veis. E, ainda que haja essa possibilidade, nem sempre queremos. Precisamos ser amadas pelo que somos, n�o pelo que querem que sejamos.
Nat�lia � uma mulher que se considera forte. Ela mesma disse isso em rede nacional. E ela �. Embora esse mito de inquebrant�vel s� sirva, muitas vezes, para justificar as viol�ncias cometidas contra ela e seu corpo.
Assim como eu, acredito que ela saiba e tenha aprendido como se divertir sozinha. Como gosto de dizer, � mais f�cil garantir uma vaga no curso de medicina da USP do que encontrar algu�m disposto a sair publicamente com uma mulher gorda. (e aqui valem outras opress�es). E, na noite de ontem, Lucas provou isso ao Brasil, que hoje divide-se entre apoi�-lo e taxar Nat�lia de louca apegada ou de se compadecer com a dor que ela sentiu. E essa dor � ancestral.
Eu sei e Nat�lia tamb�m sabe: podemos ser tudo que quisermos. Mas, e se quisermos ser amadas? A� fica mais dif�cil. De modo p�blico e em rede nacional, mais dif�cil ainda. Por um homem cis? Mais dif�cil ainda.
A n�s fica reservado um lugar cativo nos relacionamentos abusivos.
Durante muitos anos, me senti rejeitada em tudo e sei que pra al�m de uma quest�o sintom�tica e estrutural, isso est� vinculado a gordofobia di�ria que sofro em todos os lugares onde apare�o. Haja an�lise, div� e escrita para dar conta.
Hoje, venho a esta coluna para desabafar. Para dizer que compreendo a dor da Nat�lia e me solidarizo. Assim como a de todas as mulheres que j� foram e s�o rejeitadas em nome das opress�es que sofrem.
Quero dizer - e pedir. Caso nos sintamos rejeitadas novamente, que fa�amos como a Nat�lia. Vamos gritar, chorar, dar esc�ndalo, fazer o que for necess�rio, mas n�o vamos nos calar diante das viol�ncias subjetivas que nos s�o impostas. D�i. D�i pra cacete. Mas temos nossas m�o para segurarmos e, juntas, caminharmos uma trilha com mais afeto, ainda que fraterno. Vamos?
As pessoas precisam se responsabilizar pelas opress�es que nos provocam.