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Estado de Minas DIA DA MULHER

O que faz de uma gorda, mulher?

Quando adentramos no escopo da viol�ncia de g�nero, � urgente que falemos tamb�m sobre as intersec��es que permeiam os tempos que vivemos


08/03/2023 13:00 - atualizado 08/03/2023 13:29

Jéssica é uma mulher branca, loira e gorda. Ela usa óculos escuros, uma camiseta preta na qual se lê 'Mulheres à margem resistem' e uma camisa de botão estampada com desenhos de rostos de mulheres por cima da camiseta
(foto: Thito Fonseca/Reprodu��o)

Ronda, por s�culos, a pergunta: o que � ser uma mulher? E, dentre elas, s� agora, em 2023, parei pra pensar: o que � ser uma mulher gorda?

Sem sombra de d�vidas, � ser gorda. J� mulher, temo que nem mesmo Simone de Beauvoir consiga convencer a contemporaneidade que d� para se tornar, sem emagrecer. Sem se mutilar para caber no olhar - e no desejo constru�do - do outro. 

Em tempos de n�o-monogamia e de culto �s n�o-monoculturas, ser mulher gorda � seguir � margem da defini��o do que � ser mulher. 

� experimentar n�o o ass�dio marcado pelo desejo, mas a viol�ncia marcada pelo �dio. � ter, literalmente, o sujeito barrado da pr�pria experi�ncia do existir. 

Quando adentramos no escopo da viol�ncia de g�nero, � urgente que falemos tamb�m sobre as intersec��es que permeiam os tempos que vivemos. N�o d� para seguirmos pensando na mulher como um ser universal: branca, magra, de classe m�dia, que odeia receber flores na data de hoje, luta pelo direito ao trabalho e quer ser respeitada com a aus�ncia de “fiu-fiu” no transporte p�blico. 

Sem escapar da viol�ncia de g�nero, que a cada seis horas faz uma v�tima no Brasil: segundo os dados do �ltimo relat�rio divulgado pela Rede de Observat�rio da Mulher, as mulheres gordas tamb�m s�o mortas por feminic�dio. Mas tamb�m por invisibilidade, gordofobia, depress�o. Vale dizer que bem mais do que por qualquer comorbidade e/ou art�ria entupida que tentam atribuir aos corpos gordos para justificar ainda mais uma viol�ncia. 

Mulheres gordas n�o s�o lidas como mulheres. N�o s�o enxergadas como seres humanos e, enquanto h� mulheres queimando suti�s pelo direito ao trabalho, n�s estamos sofrendo porque os hospitais n�o t�m macas que nos caibam. 

Enquanto mulheres brancas e magras querem o direito ao trabalho e sal�rio iguais, mulheres gordas s� querem uma oportunidade. Conseguir passar na catraca do transporte p�blico para chegar � entrevista de emprego. Ali�s, mulheres gordas querem ser vistas como seres humanos capazes e ter uma disputa minimamente justa no mercado de trabalho, j� que sete em cada 10 empres�rios brasileiros n�o querem contratar pessoas gordas. 

Enquanto mulheres brancas n�o querem que o gar�om atenda primeiro seu companheiro no restaurante ou entregue a conta nas m�os dele, as mulheres gordas imaginam se, em algum momento, ter�o um companheiro ou companheira para dividir minimamente a vida, trocar algum afeto positivo e acessar o m�nimo para a sa�de mental e ps�quica. 

Entre os sonhos da mulher gorda est�o: n�o ser morta por agress�es na rua e tamb�m conseguir comprar um absorvente adequado ou uma calcinha que caiba e n�o seja desconfort�vel. 

Enquanto mulheres magras, brancas e classe m�dia reclamam do excesso de flores recebidas no dia de hoje, as mulheres gordas, trans, pretas e com defici�ncia adorariam receber flores, ao menos hoje. Ou em qualquer dia da vida que n�o o da sua morte. 

Ao mesmo tempo em que mulheres magras, brancas e classe m�dia reclamam dos seus chefes abusivos, dos seus sal�rios abaixo dos sal�rios dos homens da empresa, todo um grupo: gordas, trans, pretas e com defici�ncia desejam ter um emprego. 

E sem nivelar por baixo: todos os desejos s�o importantes e urgentes. Mas a intersec��o � ainda mais. Sen�o, a luta n�o � coletiva e segue dando manuten��o a uma l�gica colonial, minimamente. 

Neste 8 de mar�o, aposto uma m�o que mulheres gordas adorariam receber flores – talvez as primeiras da vida –, um convite para jantar e, especialmente, de ter assegurado o direito de coloca��o de um DIU, j� que, muitas vezes, ela � negada por m�dicos incompetentes que alegam isso ser imposs�vel. 

Em 2023, no 8M, queremos respeito, ningu�m que nos diga que devemos sentar com as pernas fechadas, sermos menores, mais brancas, menos espa�osas, menos nojentas. 

Queremos, finalmente, conseguir dar uma volta numa montanha russa ou nos divertir num parque. Aquela tarefa b�sica, mas que ningu�m imagina que a mulher gorda enfrente, afinal, ela nem � uma mulher. Ou �? 

Sojourner Truth, abolicionista, h� 170 anos, nos perguntou: “e eu n�o sou uma mulher?” e eu mesma j� falei sobre a bestializa��o da mulher gorda e de uma feliz data apenas para alguns tipos de corpos, mas sigo pensando no quanto ainda precisamos avan�ar no debate para que, no 8 de mar�o, ningu�m nos ofere�a gratuitamente uma dieta, mas que se lembrem, minimamente, de um abra�o. Pode at� ser a flor e os chocolates. S� n�o d� pra seguir sendo o desprezo social que nos coloca como “cidad�s de segunda classe”, na melhor das hip�teses. Naturalmente, v�o nos tratar como aberra��es, nos matar pouco a pouco, dia a dia, e dizer que a culpa era da quantidade de quilos na balan�a ou de gordura nos nossos corpos. 

V�o nos culpar por n�o sermos quem gostariam que f�ssemos. V�o sumir com nossos corpos e v�o dizer: nem era uma mulher, era uma gorda. 

Precisamos que as mulheres que est�o � margem sejam mulheres! Ou se transformem, ao menos. 

Por isso, desejo que, nesta data de direito para as mulheres, as mulheres gordas, enfim, conquistem o de serem mulheres!

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