
“A vida vai ressurgir s� copulando os afetos”. Chegou a hora de abrir a coluna com a Concei��o Evaristo. E nada melhor para isso do que o carnaval. Depois de um hiato pand�mico, um pa�s em luto - e luta - coletivo, por que n�o sairmos �s ruas? E n�o tem essa de “Qual o melhor corpo para o carnaval”. Corpo bom � o que a gente tem e nos permite viver tudo que quisermos. Que nos permite vestirmos nossas fantasias e nossas lutas, incorporadas numa festa que � de carne e cora��o, sem igual, tal qual a can��o dos Novos Baianos.
A folia � a permiss�o para botarmos nosso bloco na rua e sermos felizes. Com nossas dissid�ncias todas expostas, brilhantes, escamosas de glitter, plumas e luz, como deve ser nossas exist�ncias, �s quais esses pequenos prazeres podem ser negados, mas que devemos retomar, exatamente como numa revolu��o.
Chegou a hora de a gente colocar bell hooks e Lacan em pr�tica. Do amor tomar conta e da gente copular e descolonizar os afetos. A rua � para todos, todas e todes. O carnaval tamb�m.
Que neste feriado, nosso amor pr�prio seja nossa primeira pele, exposta, bem como nossos desejos, intensos, desfilando nas avenidas dos cora��es que queremos atravessar - e que atravessem os nossos. Que possamos, sem julgamentos, celebrar nossas exist�ncias, nossa sobreviv�ncia a tempos e governos t�o duros e a nossa liberdade de, minimamente, existirmos.
Que nestes cinco dias, n�o terminemos em cinzas, mas em cores que explodem para este novo ciclo que come�a agora. Vai l�, escolhe sua fantasia - ps�quica ou literal - e v� pra rua, curtir seu bloquinho, sua escola de samba favorita, seu retiro, seu filminho em casa. Simplesmente v�. Use seu corpo para al�m da proposta crist� e capitalista, de culpa e trabalho. S� n�o esque�a de beber �gua. E de que n�o, � n�o. Depois dele, tudo � ass�dio.
Mas � importante lembrar: o tempo n�o para. Depois de quase tr�s anos sem carnaval, a hora � agora. Cair pro jogo e celebrar os corpos dissidentes como um ato de resist�ncia. Queremos pessoas gordas, trans, com defici�ncia, pretas, ind�genas e LGBTQIA+ existindo, felizes. A festa t� dobrando a esquina, e n�o h� tempo: nem para ter medo, nem para perder sem se curtir, se divertir, aproveitar o mundo em sua intensidade e totalidade. Inclusive, j� escrevi sobre essa urg�ncia quando falei do disco do Don L, tamb�m nesta coluna.
O corpo que voc� tem, seja ele com estrias, celulites, a barriga chapada, a barriga caindo, o cabelo rebelde, as pernas que ficam assadas no meio etc., � o �nico que pode te proporcionar todas as emo��es que voc� quer e precisa viver nessa vida. Que neste carnaval, lembremos que nosso corpo - e n�s - somos uma festa.
Que no nosso estandarte das avenidas seja nossa pr�pria subjetividade al�ada � liberdade. Que nunca mais, ningu�m nos diga que n�o possamos. Que a principal lembran�a desses dias seja tudo que for poss�vel.
Para ser intelectual antes de esquecer meu pr�prio nome e quem eu sou nas minhas marchinhas favoritas pelas ruas, por que n�o fingir sabedoria e citar Deleuze sobre a tristeza dos corpos. “O poder requer corpos tristes. O poder necessita de tristeza porque consegue domin�-la. A alegria, portanto, � resist�ncia, porque ela n�o se rende. Alegria como pot�ncia de vida, nos leva a lugares onde a tristeza nunca nos levaria.”
Sendo assim, que a tristeza seja s� pela saudade que o carnaval deixa. Que nossa carne seja festa nas ruas. Que nossos afetos sejam sim, copulados atrav�s da alegria de existir nos corpos que habitamos. Que n�s, os ‘estropiados’ e monstruosos possamos ter o direito � alegria coletiva, aos afetos copulados, �s celebra��es: ao carnaval.
Fica ent�o o convite para a vida. Minha carne � de carnaval. O meu cora��o � igual.