H� quase 90 dias, desde que o BBB 23 est� no ar, a participante Amanda enuncia, para quem quiser ouvir - e seus administradores nas redes sociais e seus 'docshoes f�s' tamb�m, que n�o � uma mulher padr�o. Na noite de segunda-feira (17) teve a coragem - e sim, precisa de uma coragem absurda - para dizer que � 'meio gordinha' e que achou que n�o entraria no programa por causa disso.
Me irrita, em pleno abril de 2023, ter que fazer um texto sobre a Amanda, mas, vamos l�. Amanda n�o � uma mulher gorda. Nem gordinha. Nem meio gordinha. Nem pouco gordinha. Ela � uma mulher magra. E absolutamente padr�o.
Amanda � branca, magra e loira. � m�dica. J� viajou para in�meros lugares do mundo. Tem acessos diversos. N�o h� ignor�ncia quando falamos de algu�m assim, sobretudo da �rea da sa�de, convenhamos.
Ela criou uma personagem para entrar no BBB, que � 'inimiga do ritmo', sem gingado, 'engra�ada', n�o toma banho. S� que Amanda n�o � nada disso. Mais sem sal, imposs�vel. De uma ret�rica sofr�vel e sem qualquer enredo, dentro ou fora da casa, � s� mais uma pessoa b�sica e esquec�vel que passaria pelo BBB, n�o fosse a torcida lun�tica que fantasiou um casal entre ela e um assediador que nunca existiu.
Por�m, julgar se Amanda � ou n�o uma boa participante do BBB n�o � exatamente a inten��o aqui, embora ela esteja entre as finalistas - ainda que eu precise deixar claro que n�o vejo absolutamente nada de atrativo ou interessante na personagem montada por ela. O que est� em pauta � o absoluto del�rio de tratar uma quest�o s�ria como a gordofobia como um 'sou meio gordinha' num programa com o alcance o BBB.
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Ali�s, programa esse que, em 23 edi��es, � incapaz de colocar pessoas gordas no elenco de forma parit�ria. Ou de pensar nisso. Neste ano, � exce��o do Bruno Gaga, que era 'gordinho', n�o houve participantes fora do padr�o. E eu n�o vejo questionamentos acerca disso. Voc�s amam e querem mesmo que pessoas gordas n�o existam.
E, pior, � ver justificativas esdr�xulas, como: 'ela n�o tem acesso � pauta'. Amigos, em que mundo voc�s vivem, sabe?! Como assim n�o tem acesso. Ela � m�dica. Uma pessoa da sa�de. E ainda que n�o fosse.
Que ela fosse uma astrof�sica em miss�o interplanet�ria: em algum momento, em 2023, com os acessos que tem, saberia que esta � uma quest�o. E que ela, com seu corpo magro, quase esqu�lido, n�o faz parte dela.
Sem entrar no m�rito da press�o est�tica - todos sofremos, para al�m das opress�es estruturais - e de qualquer dist�rbio alimentar, Amanda n�o � uma pessoa gorda, tampouco fora do padr�o.
A gata j� fez procedimentos est�ticos e veste uma camiseta durante os banhos na casa, tal qual uma personagem, que abandonou em tempos pr�vios de instagram, com fotos sensuais e mostrando bastante o corpo.
"Ah, mas ela pode se sentir assim".
Tenho certeza que n�o. Esse discurso � muito perverso e � ele que, lenta e sutilmente, mata as pessoas. Ningu�m 'se sente' gorda e/ou fora do padr�o (ai, cuidado com as pedras aqui nessa parte), as pessoas sofrem por serem fora do padr�o e gordas e n�o � com coment�rios maldosos ou com vergonha de botar biqu�ni numa piscina cheia de gente magra. � pela falta de acessos b�sicos, como uma maca hospitalar, um equipamento para tirar um raio-x, etc. Pessoas gordas s�o desumanizadas o tempo inteiro. Eu falo disso aqui semanalmente. Eu estou exausta de repetir isso aqui.
Entre os coment�rios, figuram passadas de pano como "todo mundo pode ter baixa autoestima". N�o pode n�o. S� quem � magro. Assim como eu disse, h� alguns dias, sobre o privil�gio de adoecer ser s� da pessoa magra. Se uma influencer como a Tha�s Carla aparece apenas existindo, voc�s debocham, fazem meme, piadas rid�culas e transformam a vida dela num inferno, taxando-a de romantizadora de obesidade.
Mas, se a Amanda, uma mulher absolutamente padr�o, se queixa de ser 'meio gordinha', a� � quest�o de autoestima.
E veja bem, n�o estou negando que ela tenha problemas com a imagem. Todos n�s, eventualmente, podemos ter. Ningu�m nasce empoderado. Mas � urgente reconhecer que ela n�o sofre problemas reais em fun��o da imagem. Ela n�o perde nenhuma oportunidade e/ou afeto na vida em fun��o da imagem. Ela n�o deixa de ser contratada.
A Amanda pode ter amigas como ela �: a magra que se diz gorda. E pode ter amigas mais magras que ela, que devem dizer que ela deveria emagrecer. No entanto, isso � avassalador quando se trata de pessoas que s�o gordas de verdade.
Amanda disse, dia desses, que veste n�mero 36. Muitos v�o dizer: ah, mas ela engordou no programa. T�, gente. Engordou quanto? 2 kg? 5 kg? Nada disso faz dela gorda, gordinha. Sabe quando eu vesti n�mero 36? Nunca. Pois �, eu tinha 8 anos e j� vestia cal�a tamanho 40. Eu nunca usei o manequim 36. Isso passa uma mensagem totalmente equivocada e a �nica coisa que me chega �: pessoas gordas s�o aberra��es!
E eu me sinto uma aberra��o? �bvio que n�o. Mas o mundo me diz o tempo todo que eu sou.
E por que voc�s n�o cobram da Amanda a autoestima que cobram de mim? Porque ningu�m comenta: ela tem que se amar e foda-se o mundo? Por que tanta empatia?
Porque � um cl�ssico. Ela � uma mulher padr�o. Que quer ser amada a qualquer custo. Nem que, para isso, precise fingir que n�o � amada. Que n�o � desejada. Que n�o � padr�o. Trouxa de quem compra essa narrativa.
E se voc� est� se perguntando: ah, mas quem � ela para falar do corpo dos outros? n�o � ela que vive pedindo respeito?
Pois �: justamente por isso. Porque ver uma pessoa magra e padr�o se autodenominar gorda � ofensivo. � desrespeitoso com a exist�ncia de tantas pessoas gordas que sofrem tanto em busca de acessos.
Dito isso: essa n�o � uma luta s� minha. Ali�s, eu quero ver, voc� pessoa magra, que t� passando pano para a Amanda, ser uma pessoa antigordof�bica. Quero ver compartilhar este texto, interagir com conte�do feito por pessoas gordas, sair com pessoas gordas, frequentar pessoas gordas, posar ao lado, amar.
Porque amar a Amanda � f�cil: ela � padr�o. Eu quero ver � me amar.