
“Baby baby
N�o adianta chamar
Quando algu�m est� perdido
Procurando se encontrar”
Cumprindo a “Profecia” de Rita Lee (1947-2023) publicada em sua primeira autobiografia, eu sou esse tipo de f�, sincera, empunhando meus discos, meu livro e chorando enquanto ou�o “Ovelha Negra” e penso se devo ou n�o escrever essa coluna.
No que importa meu depoimento em meio a tantos outros? Qual sentido de ousar escrever sobre algu�m que usou a rebeldia para transformar o mundo?
E talvez seja exatamente isso: a inspira��o que Rita Lee sempre provocou. A rebeldia usada para transformar. Eu poderia escrever sob diversos pontos de vista sobre algu�m que transformou tanto a cultura do pa�s. Mas, talvez seja, de um lugar muito insignificante, como crian�a que foi tocada por uma letra, que esteja o mais singular e interessante. “E eu, para n�o ficar por baixo, resolvi botar as asas para fora (...) os incomodados que se incomodem”.
Enquanto isso, me sinto como da primeira vez que ouvi a can��o, tema da personagem Malu, vivida pela Viviane Pasmanter no remake de Mulheres de Areia. Eu devia ter uns 10 anos. J� me sentia a Ovelha Negra da fam�lia e muito longe de ser ‘t�o legal e t�o galera’.
Nesse primeiro contato, fiquei apaixonada. Algu�m cantava e entoava o que eu queria, ainda t�o pequena para minha vida: a liberdade, mesmo sendo mulher.
Anos mais tarde, entenderia que � uma luta constante, mas, naquele dia, que a letra da m�sica me visitou e preencheu totalmente, entendi que poderia.
Hoje, n�s, ovelhas negras, ficamos �rf�s. Perdemos nossa padroeira da liberdade. Era quem pod�amos olhar com a certeza que a vida era poss�vel. “Eu n�o tenho hora para morrer, por isso sonho”, cantava.
Longe do epit�fio e da obriga��o de ser um bom exemplo, Rita Lee ia na contram�o. Se mostrava humana. Gente como a gente. E gente boa.

Eu poderia falar de toda contribui��o da Rita Lee como artista brasileira, como tropicalista, como integrante de Os Mutantes, como cantora solo. Como algu�m que lutou contra a ditadura usando o bom humor. Eu n�o s� poderia, como vou cair no lugar comum.
A vida de Rita Lee � pura inspira��o. E dissid�ncia. � a mulher, que nos 1960, nos trouxe mais do que discursos: exemplos. E que del�cia ser educada por eles. Pela loucura, por algu�m que � de verdade.
Quando eu lembrar da Rita Lee, quero lembrar dessa mulher livre e de verdade. Quero me sentir como da primeira vez que ouvi Ovelha Negra. Quero me sentir como se eu pudesse viver e fazer tudo. Quero me sentir protagonista, como ela sempre me fez acreditar que eu poderia. Quero entender que � poss�vel viver e amar, mesmo aos 75 anos, vivendo numa ch�cara ou morrendo de c�ncer - mas amando.
Quero lembrar da Rita escrevendo para crian�as. Da Rita contra os rodeios. Da Rita chapada de �cido, �cida. Quero lembrar de uma cantora irretoc�vel.
Quero pensar que vale a pena viver. Que a rebeldia � caminho e n�o destino. Que se usada da forma certa, � d�namo. Quero pensar na Rita Lee aos 50, 60 e 70 anos. Quero pensar que � poss�vel ser uma mulher velha e ter o que dizer ao mundo.
Quero esquecer as viol�ncias e abusos que Rita sofreu. Mas quero lembrar das confus�es, das confiss�es, dos limites atravessados, das dissid�ncias todas.
Quero esquecer das reportagens desrespeitosas que a Folha de S�o Paulo subiu em menos de 10 minutos ap�s sua partida, desrespeitando-a enquanto mulher e �cone que sempre foi. E, sem me sentir pronta para escrever por algu�m t�o interessante como Rita Lee, me sinto tamb�m na obriga��o.
Mem�rias, como as dela, merecem ser celebradas e n�o desrespeitadas. Quando o jornal de maior circula��o no pa�s escolhe publicar textos toscos, percebemos a fal�ncia n�o s� do jornalismo, mas de quem pode escolher o lado interessante das coisas e opta pelo moralismo, este que nunca combinou, em absolutamente em nada, com a Rita Lee.
Rita Lee nos ensina a ter uma vida menos ordin�ria. A caminhar mais na borda. A, eventualmente, cruzar os muros. Penso que, na vida - e na morte - n�o h� o que fica, sen�o, o legado. E o dela � incr�vel. N�o me sinto � altura de escrever tanto sobre. Desculpe o au�, mas estou triste.
