
Que t� na boca do povo: amada, odiada, temida, desprezada e, sobretudo, desejada. Chamada de pseudo ci�ncia e chave de muito: inclusive da minha falta de aten��o, que estava, no dia de ontem - erroneamente - achando que era 06 de maio e mandando parab�ns pro meu analista (ato falho? Freud, corre aqui!) e confessando, sem qualquer puder, que, do auge da minha histeria ‘sei’ que sou a paciente preferida (inclusive, vou aproveitar essa coluna para dizer: obrigada por me acolher!)
Mas, chistes � parte, h� psican�lise em tudo que eu vejo. - E t� tudo bem se voc� n�o v�, se acredita que a psican�lise n�o � para voc�, mas que saiba que se quiser, pode. Sim, sou o cl�ssico: uma estudante entusiasmada, em vias de me autorizar a ouvir, em luto pela morte do antigo analista, fazendo as pazes com quem sou e, em leituras profundas que passam por Freud, Lacan, Klein, Winnicott e, claro, os text�es da internet. Al�m dos podcasts, das conversas em grupo, da pr�pria an�lise, da an�lise da an�lise, da supervis�o, dos cursos extracurriculares e at� de um rap do Xar� que esbarrei hoje: “O vaso t� rachado mas de longe t� perfeito/Tardes de ver�o no div� e n�o d� jeito”.

Para n�o dizer que n�o falei do livro, que tem pref�cio da cantora Letrux, trata-se de um compilado que se questiona: at� onde a psican�lise pode ir na nossa vida cotidiana? Arrisco a dizer que, tal qual um polvo, ela toma, em tent�culos, quem se permite tomar. Por aqui, est� em tudo.
Um livro cuja primeira pergunta �: “E fora do div�, como vai a psican�lise?”. O pr�prio autor nos diz que tentou escrever um livro que n�o falasse demais, mas se propusesse a ouvir, tratando, principalmente, da pot�ncia da psican�lise como instrumento de conhecimento e desconhecimento.
E a experi�ncia que est� no div� - a verdadeira - acontece tamb�m fora dele. Entre uma sess�o e outra, de fato. O livro � uma obra para analistas, mas tamb�m para quem flerta com esse universo.
� aquele livro para o cr�tico recalcado do Twitter, que fica dizendo: o que Freud diria se estivesse vivo hoje? Estaria puto com tanta psican�lise ou estaria dando um sorrindo de canto de boca?
A mim, interessa que haja tanta psican�lise assim. E que mais pessoas possam ter o direito - para al�m do desejo - de se analisarem. Que isso seja poss�vel. Que seja nas pra�as, que seja nos locais p�blicos, que seja nas periferias. Que seja, enfim, para os nossos corpos. Dissidentes no div�. Que a gente possa exercer a escuta n�o apenas no m�s de setembro. Que nosso corpo e nossos ouvidos estejam atentos, para al�m do nosso ‘inbox’.
Freud est� pop. E que bom. Que bom que temos psicanalistas que pensam para al�m da superioridade moral que afeta alguns e que se acham bons ou exemplares demais para trocar com quem ‘n�o � par’, ou que o fazem sem rigor algum, transformando a psican�lise num monstro invasivo e debochado.
Mas, eu, entusiasmada e hist�rica que sou, c� estou para falar sobre, justamente, o que acontece entre uma sess�o e outra, um analista e outro, uma leitura e outra.
Eu sonhava, com meu antigo analista, em ter div�s p�blicos. A gente acreditava que, assim, ter�amos alguma chance contra o negacionismo, contra a barb�rie, contra o fascismo. Descobri, recentemente, que outras pessoas n�o apenas sonham, mas realizam isso.
E dei meu jeitinho de me infiltrar. E a cada vez que algu�m diz que � uma pseudoci�ncia, tenho vontade de exibir cenas da minha vida num tel�o em pra�a p�blica e perguntar, no melhor estilo: pseudoci�ncia faz isso?
A psican�lise � para todos e fico imensamente feliz quando me deparo com projetos como o Redes para Escutas Marginais (REM), do qual orgulhosamente fa�o parte, o Psican�lise e La�o Social no Contempor�neo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que planeja, para o segundo semestre, o “Projeto Ubuntu”, o 2º Col�quio Internacional de Decoloniza��o e Psican�lise, bem como o “Pontes da Psican�lise” do Erico Andrade, em Recife (PE), que semanalmente, pratica a escuta coletiva a fim de trilhar novas encruzilhadas. Como o Perifan�lise, com atendimentos psicanal�ticos na e para a periferia de S�o Matheus, em S�o Paulo (SP).
Haja disposi��o para ouvir as dissid�ncias. E que bom. Que este percurso de paix�es, sonhos, frustra��es e desejos seja, ent�o, poss�vel. Que neste dia, possamos abandonar as certezas e abracemos a ambival�ncia, o fracasso, a dualidade, os conflitos. Que celebremos mais o ‘e’ do que o ‘ou’ e que nossa verdade alcan�ada seja sempre uma verdade que ouve mais do que fala.
Ainda citando o Lucas Liedke no seu livro acess�vel, tal qual a psican�lise se pretende, que possamos pensar nesta enquanto uma linguagem, uma gram�tica e n�o como uma forma de distin��o, tampouco como um medo de sermos intimidados a prestar contas em rela��o a tudo que Freud disse. Mas, que possamos enfrentar e entregar o b�sico: t� liberado. Todo mundo pode.
E que, podendo, saibamos ser decoloniais. Saibamos, de fato, ouvir. Saibamos estar no tempo que pertencemos. Saibamos superar incongru�ncias de Freud, Lacan, Ferenczi, de quem quer que seja. Mas, saibamos reconhecer quem veio antes de n�s. Tenhamos a humildade do estudo e da escuta.
Agora, tanto tempo depois, um feliz anivers�rio, Freud. Voc� sempre teve raz�o: A psican�lise � para todes.
