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Estado de Minas CONSTRU��O DOS AFETOS

Sobre ser e existir socialmente sendo uma pessoa (adulta) com defici�ncia

O que as cr�ticas, ao menor sinal de uma pessoa com defici�ncia vivenciar um relacionamento, mostram sobre o longo caminho de inclus�o que a sociedade tem?


27/01/2023 08:54 - atualizado 27/01/2023 10:51

Luana Dias com uma xícara de chocolate, uma das mãos com a deficiência
Capacitismo � o nome dado ao preconceito contra pessoas com defici�ncia. Isso porque indiv�duos com defici�ncia sofrem a todo momento com o questionamento de suas capacidades. (foto: Arquivo pessoal)

Pensei muito em como fazer a minha estreia nesta coluna. Ainda bem que o jornalismo tem uma certa magia: os fatos acontecem e caem no seu colo; a� � s� escolher a forma como voc� deseja contar essa hist�ria. 

Escolhi, ent�o, compartilhar a minha perspectiva enquanto adulta com defici�ncia a partir de um debate p�blico que se criou na internet nos �ltimos dias.

Shauna Rae, 23 anos, � uma personalidade da TV que teve o crescimento interrompido devido ao tratamento de um c�ncer cerebral diagnosticado quando rec�m-nascida. Por esse motivo, sua apar�ncia � descrita como a de uma crian�a de 8 anos. Recentemente, os internautas descobriram que Shauna est� conhecendo melhor o blogueiro de viagens Dan Swygart — o que foi o suficiente para come�arem os ataques haters (postagem de coment�rios e publica��es com discurso de �dio e/ou cr�ticas extremas).

Para muitas pessoas, o fato de Shauna parecer ter 8 anos de idade significa que ela age como uma crian�a de 8 anos de idade. Contudo, bastaria apenas a boa pr�tica de pesquisar — ou, como eu mesma fiz, assistir aos epis�dios do programa “Identidade: Shauna Rae, Maior de Idade” dispon�vel no canal do TLC Brasil pelo Youtube — antes de opinar na grande (e, por vezes, insalubre) tribuna contempor�nea. 

Em menos de cinco minutos de pesquisa, � poss�vel descobrir que o desenvolvimento f�sico de Shauna n�o est� relacionado ao seu desenvolvimento intelectual e psicossocial — este, vale destacar, � totalmente correspondente ao de qualquer indiv�duo com 23 anos.

O ponto �: Shauna � uma pessoa adulta com defici�ncia, e eu tamb�m. Por�m, numa sociedade t�o fascinada por controlar corpos — seja de mulheres, pessoas trans, negras ou gordas — � dif�cil demais encarar a realidade de que algu�m com defici�ncia possa ter relacionamentos e interesses afetivo-sexuais. Se for correspondido, o choque � ainda maior.

Nesse tipo de discuss�o, vemos que o preconceito est� mascarado de preocupa��es ditas maiores. Por exemplo, quando pessoas gordof�bicas refor�am sua discrimina��o contra corpos gordos como um discurso de sa�de, qualidade de vida ou bem-estar.

No caso de Shauna Rae, muitos defenderam o posicionamento capacitista contra o relacionamento como um combate � pedofilia, que nada tem a ver com a situa��o. Afinal, tratam-se de duas pessoas adultas, com plenas condi��es mentais e emocionais de se relacionarem.

Capacitismo

Capacitismo � o nome dado ao preconceito contra pessoas com defici�ncia. Isso porque indiv�duos com defici�ncia sofrem a todo momento com o questionamento de suas capacidades.

Inclusive, e aqui compartilho por experi�ncia pr�pria, n�s, pessoas com defici�ncia, somos constantemente tratados como eternas crian�as. Quer colocar o argumento � prova? Reflita sobre o seu contato ou de outro algu�m com pessoas com defici�ncia. 

Situa��es em que indiv�duos sem defici�ncia come�am a conversar com algu�m com defici�ncia no diminutivo e de forma infantilizada. Quando as perguntas sobre algo que diz respeito � pessoa com defici�ncia s�o direcionadas para seus acompanhantes. Desconhecidos em festas que se oferecem para servir comida ou acompanhar pessoas com defici�ncia ao banheiro (e que jamais agiriam assim com os demais adultos, pois, diga-se de passagem, � um comportamento bastante estranho). 

N�o podemos nem mesmo escolher quando e a quem pedir suporte.

Em resumo, nenhuma pessoa com defici�ncia, independente de seu desenvolvimento f�sico, intelectual ou social, � considerada adulta e capaz o suficiente para viver a pr�pria autonomia.

Sobre ser e existir

De acordo com os dados mais atualizados da ONU (Organiza��o das Na��es Unidas) existem aproximadamente 1 bilh�o de pessoas com defici�ncia no mundo. Esse n�mero representa 15% da popula��o global. Apesar desta expressividade, a luta pelo direito de ser e existir est� longe de acabar. 

O maior desafio que encontro diariamente enquanto pessoa com defici�ncia � a dificuldade alheia em respeitar a nossa capacidade de ser.

Ser ouvida. Ser consultada. Ser amada e desejada. Ser convidada. Ser humanizada, e n�o santificada ou demonizada pela defici�ncia. Ser considerada capaz.

Quando encontro pessoas com defici�ncia socialmente ativas, completamente acolhidas pela fam�lia, com grupos de amizades, trabalhando em fun��es com possibilidade de crescimento e/ou em relacionamentos rom�nticos, sinto como se essas realiza��es tamb�m pertencessem a mim. Como se tudo isso me fizesse existir com mais for�a.

A dura e triste verdade � que existe uma viol�ncia imensur�vel no discurso de que algumas pessoas n�o podem construir rela��es sociais como todos os outros. Infelizmente, eu e muitas outras pessoas experienciamos isso todos os dias, devido aos fatores de diversidade que ainda s�o usados como discrimina��o ou preocupa��o.

Ainda assim, somos e existimos. E faremos isso ao nosso pr�prio modo, quer queiram ou n�o.


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