
O governo Bolsonaro anunciar� na pr�xima semana o programa Pr�-Brasil. Para os que n�o sabem, � o projeto de obras de infraestrutura que havia sido apresentado pelos ministros da Casa Civil, Braga Netto; da Infraestrutura, Tarc�sio de Freitas; e do Desenvolvimento Regional, Rog�rio Marinho, logo no come�o da pandemia, � revelia do ministro da Economia, Paulo Guedes. Gerou uma crise que levou o mercado a reagir algumas vezes, com fortes especula��es sobre a sa�da de Guedes, que n�o saiu. Entrou numa negocia��o com os demais ministros, mediada pelo presidente Jair Bolsonaro, que resultou na mudan�a de enfoque do programa, no qual ganharam mais densidade as propostas de desonera��o da folha de pagamento e de transfer�ncia de renda m�nima, chamados de Carteira Verde-Amarela e Renda Brasil, respectivamente.
Para viabilizar o investimento de R$ 30 bilh�es em obras em fase de conclus�o, a ideia � mesmo recriar o imposto sobre opera��es financeiras, ou seja, aumentar a carga tribut�ria, enquanto a reforma administrativa � empurrada com a barriga pelo presidente da Rep�blica. H� controv�rsias sobre a manuten��o do “teto de gastos”, do qual o ministro Paulo Guedes, com apoio do mercado, n�o abre m�o. Mas o assunto continua em pauta, porque h� economistas que defendem uma nova pol�tica monet�ria, como Andr� Lara Resende, com menos preocupa��es fiscais. A torcida do Flamengo, os ministros militares, Freitas e Marinho, os pol�ticos do Centr�o e o presidente Jair Bolsonaro simpatizam com essas teses, contra as quais Guedes bate o p�. O velho conflito entre liberais e desenvolvimentistas est� instalado no governo.
H� um elo entre os governos Vargas, Geisel e Dilma Rousseff, cujo fio condutor � o desenvolvimentismo. Boa parte das obras que Bolsonaro quer concluir – principalmente as que envolvem infraestrutura de transportes e energia para viabilizar a expans�o do agroneg�cio e da minera��o e de suas cadeias de exporta��o, interligando o Centro-Oeste, o Nordeste e o Norte � rota de com�rcio do Pac�fico, via canal do Panam�, na Am�rica Central –, foram iniciadas nos governos Lula e Dilma.
A pol�tica dos “campe�es nacionais” do BNDES e a “nova matriz econ�mica”, que resultaram em grandes esc�ndalos de corrup��o do governo Lula e no desastre econ�mico do segundo mandato de Dilma Rousseff, fazem parte deste mesmo processo. Vale lembrar que Rog�rio Marinho foi o articulador da reforma trabalhista do governo Michel Temer, no qual Tarc�sio de Freitas foi o bra�o direito de Moreira Franco no programa de investimentos em infraestrutura e parcerias p�blico-privadas. H� um fio de hist�ria em tudo isso, que as narrativas � esquerda e � direita procuram ocultar.
O tema da moderniza��o conservadora, que alguns chamam de “via prussiana” e outros de “revolu��o passiva”, est� tendo sua recidiva nos bastidores do governo Bolsonaro. Os militares que o hegemonizam s�o desenvolvimentistas, saudosistas do “milagre econ�mico” do regime militar, e come�am a esbo�ar um projeto de desenvolvimento para o pa�s sob a bandeira da ordem. O problema � que a ordem � democr�tica, ou seja, pressup�e o respeito � Constitui��o e aos demais poderes, o que complica bastante a implementa��o de projetos sem um amplo consenso pol�tico e social. Como o governo Bolsonaro n�o � de construir amplos acordos, vive do confronto com seus advers�rios, certas converg�ncias program�ticas com a oposi��o se inviabilizam. Mas essa � outra discuss�o.
"Sem poupan�a nem capacidade de endividamento, os grandes projetos dependem de investimentos estrangeiros, o que requer seguran�a jur�dica e estabilidade pol�tica"
Estado e mercado
De onde vem a for�a do desenvolvimentismo nos tempos atuais? Vem sobretudo da experi�ncia dos chamados Tigres Asi�ticos — Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e Hong Kong —, que alcan�aram altos n�veis de desenvolvimento combinando interven��o governamental e rela��o com o mercado. Esses pa�ses investiram pesadamente na educa��o e na infraestrutura e mantiveram uma forte rela��o com o mercado, com subs�dios e incentivos fiscais, sem interferir na rela��o entre as empresas.
O mesmo modelo foi adotado na Am�rica Latina e na �frica e fracassou, por causa do tratamento preferencial dado �s empresas, sufocando a concorr�ncia, e da corrup��o. N�o faltam exemplos, mas nos basta o que aconteceu por aqui. A China hoje � o pa�s mais bem-sucedido em termos de modelo de “Estado desenvolvimentista”, mas � outra coisa, porque manteve o planejamento centralizado e o controle absoluto do Partido Comunista sobre a maioria das empresas chinesas, embora tamb�m existam grandes empresas 100% privadas e integradas �s cadeias globais de com�rcio.
Com a pandemia e a recess�o, as defici�ncias do sistema educacional, a pol�tica ambiental retr�grada, as tens�es pol�ticas e a explos�o da d�vida p�blica, fica muito dif�cil financiar a moderniza��o da infraestrutura. Como n�o temos poupan�a interna nem capacidade de endividamento, o financiamento dos grandes projetos depende de investimentos estrangeiros, o que requer seguran�a jur�dica e estabilidade pol�tica, al�m de atender �s modernas exig�ncias de sustentabilidade, transpar�ncia e responsabilidade social.
Al�m disso, nossas desigualdades contribuem para frear o crescimento econ�mico: a concentra��o de renda gera insatisfa��o social e pressiona o governo por pol�ticas mais distributivistas, que somente s�o poss�veis com aumento de impostos, que acabam por reduzir as taxas de crescimento. Essa ciranda, diante da crise que estamos vivendo, inviabiliza tanto o projeto ultraliberal de Guedes como a proposta desenvolvimentista de seus advers�rios no governo. Estamos num jogo de perde-perde.