
Na sua primeira e �nica visita ao Jardim Bot�nico, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles — o homem que conduz a boiada do desmatamento, das queimadas e das demais agress�es ao meio ambiente — anunciou a inten��o de transformar o Museu do Meio Ambiente no Jardim Bot�nico do Rio de Janeiro num hotel-boutique, esp�cie de pousada de alto luxo, acess�vel apenas aos mais privilegiados. O cara tem uma mentalidade mais atrasada do que a de D. Jo�o VI, o rei portugu�s que fugiu de Napole�o Bonaparte para o Brasil e mandou criar a institui��o, nos idos de 1808, ou seja, mais de 212 anos atr�s, com objetivo de aclimatar e cultivar especiarias e �rvores ex�ticas, entre as quais as palmeiras-imperiais, nogueiras, mangueiras, jaqueiras e cravos-da-�ndia, que vieram do Oriente, das Ilhas Maur�cio a Macau.
Mal sabe o ministro: os cariocas t�m apego �quele espa�o privilegiado nas bordas da Lagoa Rodrigo de Freitas e ao p� da Serra do Mar, polo irradiador da cultura ecol�gica de suas crian�as e adolescentes, parte integrante da mem�ria afetiva da cidade; e da import�ncia cient�fica de suas pesquisas e do seu acervo, que preserva 7,5 mil esp�cies em p�, um herb�rio com 600 mil amostras e a maior biblioteca de bot�nica do pa�s, com 32 mil volumes. Como a arrog�ncia de Ricardo Salles n�o tem limites, ficamos imaginando at� aonde vai essa sanha regressista em marcha for�ada. O governo Bolsonaro se comporta como se estivesse no antigo regime militar (1964-1985) e n�o tivesse que dar satisfa��es a ningu�m.
A prop�sito, a postura de Salles n�o difere muito da adotada pelo ministro da Sa�de, o general da ativa Eduardo Pazuello, que n�o presta contas � comunidade cient�fica nem � sociedade, e cumpre as ordens do presidente da Rep�blica sem pestanejar. Vamos ver o que vai acontecer em 25 de janeiro, quando o governo de S�o Paulo, segundo anunciou o governador Jo�o Doria (PSDB), pretende iniciar a vacina��o em massa da popula��o residente e de quem mais estiver por l�. A vacina ainda depende da aprova��o da Anvisa, que hoje est� sob absoluto controle de militares negacionistas como Bolsonaro, mas h� controv�rsias, porque a legisla��o � amb�gua. Diz que as autoridades, no �mbito de sua compet�ncia, podem importar e distribuir medicamentos e outros materiais, equipamentos e insumos sem registro na Anvisa, desde que autorizados pela FDA, EMA ou entidade similar — a legisla��o nomeia – do Jap�o e da China.
Direitos humanos
Se ligamos uma coisa com a outra, veremos que o regresso est� em marcha for�ada em toda linha, como na educa��o, por exemplo. Ontem mesmo, um manifesto de pediatras pedia que as crian�as voltassem �s aulas; os preju�zos � sua forma��o j� s�o traum�ticos. A mesma coisa na �rea da seguran�a p�blica, onde a pol�tica do tipo compre uma arma e ser defenda sozinho � narrativa dos violentos, e deixa a popula��o � merc� de traficantes, milicianos e policiais despreparados. Temos um governo que n�o est� nem a� para os direitos humanos, que remontam � Revolu��o Francesa, um mix de direito liberal, moral crist� e pol�tica humanista. Bolsonaro despreza esses valores, embora fa�a apologia da liberdade individual.
� falsa a ideia de que os direitos humanos perderam seu significado e limites com a globaliza��o e a revolu��o digital. Direitos como atributos individuais, apenas, n�o podem combater a desigualdade, nem s�o sin�nimos de Justi�a. Direitos humanos s�o prescri��es: as pessoas n�o s�o plenamente livres e iguais, por�m, deveriam ser. O “direito � vida” n�o responde �s perguntas sobre o aborto. Nem �s necessidades da sobreviv�ncia, como alimento, abrigo ou cuidados de sa�de. Na maioria dos casos, a reivindica��o de direitos humanos � o come�o de um processo de avan�o democr�tico e social, e n�o o fim.
A Constitui��o brasileira de 1988 consagrou como direitos sociais a educa��o, a sa�de, o trabalho, o lazer, a seguran�a, a Previd�ncia Social, a prote��o � maternidade e � inf�ncia, a assist�ncia aos desamparados. Tr�s emendas constitucionais, em 2000, 2010 e 2015, respectivamente, inclu�ram no artigo 6º da Carta Magna os direitos � moradia, � alimenta��o e ao transporte. Sempre houve muitas cr�ticas ao texto constitucional, mas essa agenda corresponde �s necessidades do nosso desenvolvimento social.
O desmonte das pol�ticas p�blicas voltadas para esses objetivos, por�m, est� em pleno curso e � uma contradi��o com as necessidades mais prementes da grande maioria da popula��o. De certa forma, a pandemia do novo coronav�rus desnudou o car�ter regressivo da atua��o do governo federal e a forma como aprofunda nossas desigualdades. Isso ficar� mais evidente com o fim do aux�lio emergencial, que mitigou os efeitos mais perversos desse desmonte.