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Estado de Minas ENTRE LINHAS

Vamos falar da exclus�o estrutural que continua assolando o Brasil

N�o existe apenas uma via de ascens�o social, pautada pelas pol�ticas p�blicas inclusivas, de car�ter social-democrata


09/10/2022 09:30 - atualizado 09/10/2022 09:38

O escritor Graciliano Ramos, autor do clássico livro 'Vidas secas'
O escritor Graciliano Ramos, autor do cl�ssico livro "Vidas secas" (foto: REPRODU��O/TV BRASIL)

Luiz Carlos Azedo


“Toca para a frente, berrou o cabo. Fabiano marchou desorientado, entrou na cadeia, ouviu sem compreender uma acusa��o medonha e n�o se defendeu. – Est� certo, disse o cabo. Fa�a lombo, paisano. Fabiano caiu de joelhos, repetidamente uma l�mina de fac�o bateu-lhe no peito, outra nas costas. Em seguida abriram uma porta, deram-lhe um safan�o que o arremessou para as trevas do c�rcere. A chave tilintou na fechadura, e Fabiano ergueu- se atordoado, cambaleou, sentou-se num canto, rosnando - Hum! hum!

Por que tinham feito aquilo? Era o que n�o podia saber. Pessoa de bons costumes, sim senhor, nunca fora preso. De repente um fuzu� sem motivo. Achava-se t�o perturbado que nem acreditava naquela desgra�a. Tinham-lhe ca�do todos em cima, de supet�o, como uns condenados. Assim um homem n�o podia resistir.

- Bem, bem.

Passou as m�os nas costas e no peito, sentiu-se mo�do, os olhos azulados brilharam como olhos de gato. Tinham-no realmente surrado e prendido. Mas era um caso t�o esquisito que instantes depois balan�ava a cabe�a, duvidando, apesar das machucaduras.

Ora, o soldado amarelo...”

Essa passagem de “Vidas secas”, de Graciliano Ramos (1852-1953), publicado em 1938, um cl�ssico de nossa literatura moderna, retrata a rela��o de poder no sert�o nordestino, num determinado momento na vida de uma fam�lia de retirantes, que foge da mis�ria e da seca. Fabiano � brutalmente agredido, depois de se retirar de um carteado, para o qual fora intimado pelo soldado amarelo, sem pedir autoriza��o. Hoje, uma situa��o corriqueira nas grandes cidades brasileiras, e n�o s� nas suas periferias.

Mais do que a fuga da seca causada pela inclem�ncia da natureza (“Arrastaram-se para l�, devagar, Sinh� Vit�ria com o filho mais novo escanchado no quarto e o ba� de folha na cabe�a, Fabiano sombrio, cambaio, o ai� a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cintur�o, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atr�s.”), o que oprimia Fabiano e sua fam�lia eram as rela��es de domina��o estabelecidas pelos pr�prios homens, cujas vidas s�o apresentadas em toda a sua complexidade.

Assim como existe um racismo estrutural na sociedade brasileira, h� tamb�m um processo de explora��o, humilha��o e aliena��o estrutural da maioria da popula��o brasileira, o que explica o fato de o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva liderar a disputa eleitoral para a Presid�ncia da Rep�blica com ampla vantagem entre os eleitores de mais baixa renda (at� dois sal�rios m�nimos) e de menor escolaridade, principalmente no Nordeste. Lula � um ex-retirante que chegou � Presid�ncia. Ou seja, encarna o sonho de qualquer nordestino ou cidad�o pobre das periferias dos grandes centros que pretende mudar de vida e a de seus filhos.

Mobilidade e inclus�o


Para entender a exclus�o estrutural, precisamos considerar o regime escravocrata que vigorou no Brasil do in�cio do s�culo 16 ao final do s�culo 19, marcado pela explora��o de m�o de obra africana trazida para o Brasil pelos colonizadores portugueses. A escravid�o deixou marcas profundas de desigualdade em todas as estruturas de poder. Ap�s a aboli��o, em 1888, pessoas negras n�o tiveram acesso � terra, indeniza��o ou reparo por tanto tempo de trabalho for�ado. Muitos permaneceram nas fazendas em que trabalhavam em servi�o pesado e informal. Foi a partir da� que se instalou o racismo estrutural, a exclus�o de pessoas negras dentro das institui��es, na pol�tica, e em todos os espa�os de poder.

Esse conjunto de pr�ticas discriminat�rias, institucionais, hist�ricas, culturais, por�m, n�o ficou restrito aos negros, atingiu tamb�m os ind�genas (cuja resist�ncia � miscigena��o foi combatida com o exterm�nio f�sico e cultural) e a popula��o mesti�a e pobre, que viria a migrar para os grandes centros com a urbaniza��o e, principalmente, a industrializa��o.

O mapa socioecon�mico das elei��es mostra claramente que as classes m�dias e a elite econ�mica do pa�s, majoritariamente, desejam a continuidade do governo Bolsonaro. Mesmo que eventualmente discordem de suas posi��es mais extremistas, da sua misoginia e autoritarismo. E que a popula��o de mais baixa renda, exclu�da de quase tudo, exceto o direito ao voto secreto, direto e universal, tamb�m majoritariamente apoia a oposi��o e deseja a mudan�a, com a volta de Lula ao poder.

� uma divis�o perigosa, porque revela um conflito estrutural, de natureza de classe. Historicamente, isso tem se resolvido com a for�a bruta das solu��es autorit�rias, que buscam a moderniza��o do pa�s por vias que mant�m a secular exclus�o da grande massa da popula��o, despreparada cultural e tecnicamente para um novo ciclo de transforma��es, como o que estamos vivendo.

Est� viv�ssima a velha segrega��o social, que explica as cidades partidas, a exist�ncia de elevadores sociais e de servi�o em edif�cios residenciais e suas depend�ncias de empregadas. Mas n�o podemos ser manique�stas, n�o existe apenas uma via de ascens�o social, pautada pelas pol�ticas p�blicas de car�ter inclusivo, social-democrata ou social-liberal; existe a via iliberal, que tem o empreendedorismo e o esfor�o exclusivamente individual como fatores de mobilidade social, de forma��o da nova classe m�dia e de uma nova elite econ�mica.

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