
O Brasil est� entre dois polos de atra��o da geopol�tica global. A China hoje � o nosso principal parceiro comercial, para o qual exportamos algo em torno de US$ 88 bilh�es, enquanto importamos US$ 47 bilh�es, com um super�vit da balan�a comercial de US$ 41 bilh�es. Em contrapartida, importamos US$ 39 bilh�es dos Estados Unidos, para os quais exportamos US$ 31 bilh�es, um d�ficit comercial de US$ 8 bilh�es. Ocorre que o valor agregado de nossas exporta��es para a China � muito baixo, enquanto os produtos chineses est�o matando a ind�stria nacional, quem perdeu tamb�m seu mercado para os chineses na Am�rica do Sul.
� preciso levar em conta o contexto em que isso ocorre. O eixo do com�rcio mundial se deslocou do Atl�ntico para o Pac�fico. Nossa infraestrutura foi montada originalmente em conex�o com a Europa e os Estados Unidos; agora, est� sendo lentamente convertida para se integrar ao Pac�fico, mas a barreira dos Andes encarece os custos log�sticos. At� 2007, o Brasil acompanhou o boom da demanda mundial, na esteira da desvaloriza��o cambial. A partir da crise de 2008, a ind�stria brasileira sucumbiu � concorr�ncia internacional, aos aumentos de custo de produ��o em reais (principalmente sal�rios) e � forte aprecia��o do c�mbio nominal e real.
A expans�o de PIB observada no p�s 2008 foi toda baseada em servi�os n�o sofisticados e constru��o civil (quadro t�pico de doen�a holandesa). A demanda por bens industriais foi totalmente suprida por importa��es. Houve enorme perda de complexidade produtiva. A produtividade da economia caiu e continuar� caindo, at� que as manufaturas dom�sticas se recuperem. A desvaloriza��o cambial de 2015 n�o produziu a reconstru��o do setor de bens com maior valor agregado.
A tentativa de adensar as cadeias produtivas verticalizando-as, em vez de integr�-las de forma complementar �s cadeias globais de valor, provocou a perda de produtividade e competitividade da nossa ind�stria. Nos �ltimos 20 anos, os produtos minerais e agropecu�rios ultrapassaram em tr�s vezes o valor das exporta��es de bens de baixa, m�dia e alta complexidade.
A principal causa � o com�rcio com a China, que triplicou o valor de nossas exporta��es, mas confinou o Brasil � voca��o natural de exportador de min�rios e produtos agr�colas na nova divis�o internacional do trabalho.
Guerra fria
Esse cen�rio havia sido previsto por Henry Kissinger, o negociador do restabelecimento das rela��es entre os dois pa�ses durante o governo Nixon, no seu livro Sobre a China (Objetiva), cujo final � muito perturbador. O ex-secret�rio de Estado norte-americano assinala que o s�culo passado foi pautado por uma disputa pelo controle do com�rcio no Atl�ntico entre uma pot�ncia continental, a Alemanha, e uma pot�ncia mar�tima, a Inglaterra, que provocou duas guerras mundiais. Segundo ele, com a mudan�a de eixo do com�rcio para o Pac�fico, essa disputa est� se repetindo neste s�culo, entre os Estados Unidos, uma grande pot�ncia mar�tima, e a China, a pot�ncia continental emergente. Como isso se resolver�?
O mundo unipolar liderado pelos Estados Unidos ap�s a dissolu��o da Uni�o Sovi�tica, cujo auge foi o per�odo entre as guerras da S�rvia (Balc�s) e do Iraque (Oriente M�dio), deixou de existir com a emerg�ncia da China. Entretanto, o que est� surgindo n�o � um mundo multipolar, como vinha se desenhando, com o fortalecimento da Alemanha e da Fran�a na Uni�o Europeia e a forma��o dos Brics (Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul). Com a brutal invas�o da Ucr�nia pela R�ssia, em resposta � expans�o da Organiza��o do Tratado do Atl�ntico Norte, instalou-se no mundo um novo clima de “guerra fria". A ocupa��o de parte do territ�rio ucraniano se tornou o palco de uma “guerra por procura��o” entre a OTAN e a R�ssia.
Quando Lula se prop�e � forma��o de um clube de pa�ses n�o envolvidos na guerra para negociar a paz entre a R�ssia e a Ucr�nia, para o qual pleiteia o apoio do presidente chin�s Xi Jinping, p�e em risco suas excelentes rela��es com o presidente Joe Biden. A Ucr�nia n�o quer um cessar-fogo com os russos ocupando a regi�o de Donbass, nem os russos aceitam sair com a OTAN na sua fronteira.
A R�ssia e a China formaram uma alian�a euro-asi�tica, de car�ter autorit�rio, que se contrap�e � hegemonia norte-americana. De dimens�es continentais, o Brasil � uma democracia emergente do Ocidente. Em termos geopol�ticos, seria um equ�voco envolver o Atl�ntico Sul nessa disputa, n�o apenas por raz�es comerciais, porque isso tornaria inevit�vel a sua militariza��o pelas pot�ncias do Ocidente, numa conjuntura de “guerra fria”.