
Qual o lugar do Brasil no mundo atual? Em termos culturais, � o Ocidente, apesar da nossa heran�a ib�rica. Em termos econ�micos, com a globaliza��o e o esgotamento do modelo de substitui��o de importa��es, a voca��o natural de grande produtor de commodities de alimentos e min�rios fez da China nosso principal parceiro comercial, o que desbancou os Estados Unidos. Essa contradi��o est� se tornando um impasse geopol�tico, em raz�o da emerg�ncia de uma nova “guerra fria” entre os Estados Unidos e a Europa, de um lado, e a R�ssia e a China, de outro.
Ontem, o presidente Luiz In�cio Lula da Silva comemorou a entrada da Argentina nos Brics (originalmente formado pelo Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul), ao lado de mais cinco pa�ses: Ar�bia Saudita, Egito, Emirados �rabes Unidos, Eti�pia e Ir�. Foi uma vit�ria da diplomacia brasileira, apesar do alto risco oferecido pelas elei��es no pa�s vizinho. O candidato populista de extrema-direita Javier Milei, mais votado nas elei��es prim�rias da Argentina, considerado favorito no pleito, quer dolarizar totalmente a economia do pa�s e � contr�rio ao ingresso no grupo.
Na entrevista ap�s o encontro, realizado em Joanesburgo, na �frica do Sul, Lula defendeu um reposicionamento do Brasil na geopol�tica mundial. “O nosso n�o pensa s� economicamente, o nosso tamb�m pensa politicamente. E � por isso que eu acho que o Brics est� consolidado como uma refer�ncia. Qualquer ser humano, jornalista, cientista pol�tico que quiser discutir a geopol�tica econ�mica, a geopol�tica cient�fica e tecnol�gica, a geopol�tica de qualquer coisa vai ter que conversar com o Brics tamb�m, n�o � s� com Estados Unidos e o G7 (sete pa�ses mais industrializados do mundo)”, disse.
Um dos temas mais importantes da c�pula foi a discuss�o sobre a cria��o de uma moeda de refer�ncia para o com�rcio internacional, em alternativa ao d�lar, assunto que incomoda muito aos Estados Unidos. Os bancos centrais e minist�rios da Fazenda e da Economia de cada pa�s realizar�o estudos para isso. A pr�xima reuni�o do Brics ser� na R�ssia, com a participa��o de Vladimir Putin, que n�o p�de viajar para a �frica do Sul porque tem mandado de pris�o expedido pela Interpol.
No encontro, Lula se reuniu tamb�m com outro chefe de Estado considerado “t�xico” no Ocidente: o presidente do Ir�, Ebrahim Raisi. Em 2022, o Ir� foi o maior importador de produtos brasileiros no Oriente M�dio. Ap�s o encontro, Lula viajou para Angola e, depois, ir� a S�o Tom� e Pr�ncipe, para a confer�ncia de chefes de Estado da Comunidade dos Pa�ses de L�ngua Portuguesa (CPLP), no domingo.
Lula reivindica um assento permanente para o Brasil no Conselho de Seguran�a, criado, junto com a funda��o da ONU, em 1945. Hoje, � integrado por Estados Unidos, Reino Unido, Fran�a, R�ssia e China. A China sinalizou que poderia apoiar a pretens�o do Brasil, como a R�ssia. Antes, n�o dera sinais diplom�ticos mais claros de apoio � reivindica��o do Brasil. A Declara��o de Joanesburgo, divulgada ontem, defende textualmente a amplia��o do Conselho de Seguran�a – e nominalmente o Brasil, como aspirante a um papel de destaque nessa inst�ncia. �frica do Sul e �ndia tamb�m pleiteiam uma vaga cada, assim como a Alemanha e o Jap�o, que perderam a Segunda Guerra Mundial.
Sul global
A amplia��o dos Brics consolida o conceito de Sul Global como espa�o geopol�tico. O termo foi criado em 1969 pelo ativista pol�tico Carl Oglesby, na revista cat�lica liberal Commonweal. Segundo ele, a derrota dos Estados Unidos no Vietn� representou o fim da domina��o do Hemisf�rio Norte sobre o Sul Global. O conceito foi consolidado ap�s o fim da Uni�o Sovi�tica, em 1991, que tornou obsoleta a divis�o entre primeiro (desenvolvidos), segundo(socialistas) e terceiro (em desenvolvimento) mundos.
As implica��es da ades�o do Brasil a esse conceito s�o complexas. O termo “Sul Global” n�o � geogr�fico, pois a China e �ndia est�o fora do hemisf�rio sul, representa uma esp�cie de “pool” entre pa�ses com semelhan�as pol�ticas, geopol�ticas e econ�micas. Com exce��o da R�ssia, s�o ex-col�nias das pot�ncias europeias, cujos movimentos nacionalistas foram apoiados pela antiga Uni�o Sovi�tica.
Tr�s das quatro maiores economias ser�o do Sul Global, nessa ordem: China, �ndia e Indon�sia. Os Estados Unidos ser�o a segunda. O PIB em termos de poder de compra das na��es do Sul Global, especialmente Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul, supera o do grupo G7. H� mais magnatas em Pequim do que em Nova York.
Alguns especialistas falam em chegada do “s�culo asi�tico”, por causa do crescimento econ�mico e tecnol�gico da China e da �ndia. Essa transi��o est� sendo acelerada no contexto das tens�es entre China e Estados Unidos e, mais recentemente, a guerra entre R�ssia e Ucr�nia, que inviabilizou a Rota da Seda na Europa e redirecionou as prioridades da China para a �frica e a Am�rica Latina.
O problema para o Brasil � a rea��o dos Estados Unidos e da Uni�o Europeia para manterem a hegemonia na geopol�tica mundial. No caso Brasil, a reestrutura��o das cadeias de valor norte-americanas s�o uma oportunidade, assim como a transi��o da economia do carbono para a economia verde e a sustentabilidade, sobretudo na Amaz�nia, para a qual os olhos do mundo est�o voltados, principalmente os da Uni�o Europeia. O eixo do com�rcio brasileiro se deslocou para os Brics, principalmente a China, mas o pre�o vem sendo a nossa desindustrializa��o, por falta de competitividade da nossa ind�stria tradicional.