
Assentado ao p� da secular oliveira situada sobre uma colina que domina toda a cidade de Tagaste, no Norte da �frica, como de costume, ali estava mais uma vez Agostinho horas a meditar, desde o amanhecer at� o entardecer. Quando uma suave brisa balan�a as folhas e uma doce – e conhecida – voz se faz ouvir:
– Agostinho, filho querido, tu te santificaste?
– M�e amada! Estou tentando. Desde que partiste, venho humildemente procurando os caminhos do Pai.
– Largaste mesmo a boemia, a devassid�o, a vida desordenada. Rezei tanto por ti. E aqui continuo a orar sem cessar. Filho do meu cora��o.
– M�ezinha. Que visita encantadora! Est�s mais linda ainda. N�o imagina como parte meu cora��o saber que te causei tantas l�grimas, tanto sofrimento. Nunca pude te agradecer pelos anos que oraste por mim, tr�s vezes por dia no sacr�rio, pedindo que eu me tornasse crist�o. Tu aceitas meu tardio agradecimento?
– Mais 19 anos eu ficaria de joelhos diante do Senhor se preciso fosse. Que m�e poderia receber gra�a maior do que ver o filho ordenado e agora bispo?
– Conviveste t�o pouco com o filho crist�o! Ap�s aquela cansativa viagem, cortou-me o cora��o tua morte em �stia. N�o voltaste comigo para a nossa �frica. Fechei-te os olhos e uma tristeza imensa se desfazia em torrentes de l�grimas, tu, que tantos anos chorara para que eu vivesse aos olhos do Senhor. Agora sarado j� o meu cora��o desta ferida, derramo diante do meu Deus por ti uma outra esp�cie de l�grimas. Sempre pe�o a todos que se lembrem de ti junto ao altar.
– Continua tua miss�o, filho. Est�s no caminho certo. Deus est� contigo.
Mas foi tudo um sonho, Agostinho acordou. O sol j� tinha ido, deixando apenas o calor. A cidade de Tagaste l� na frente se preparava para as primeiras estrelas. Estava na hora do bispo de Hipona voltar �s atividades. Estar com seus patr�cios e os escravos, os pobres e ricos, pessoas com baixa escolaridade e os muito cultos, os hereges, indiferentes e bons crist�os, desamparados e afortunados, toda aquela gente encantada com a clareza e a simplicidade com que ele anunciava a palavra divina.
E, no entanto, santa M�nica s� pedira a Deus um “filho crist�o”. Podia parecer um pedido simples, mas era um grande pedido. O primog�nito de Patr�cio, pequeno propriet�rio de terras pag�o, e de M�nica, devota crist�, ao se tornar adolescente era dado a paix�es e atitudes pecaminosas, envolveu-se com heresia e teve um filho fora do casamento ao mesmo tempo em que sua brilhante intelig�ncia aflorava e ele ganhava torneios de poesia.
Era “um caso perdido”, como se diz hoje. Mas M�nica via luz nas trevas. E perseverou, e n�o desistiu, e orou, dia e noite, tr�s vezes por dia indo ao Sacr�rio pedir ao Deus vivo piedade, miseric�rdia, “um filho crist�o”. Faz tanto tempo! M�nica viveu nos anos 300, mas cora��o de m�e n�o tem idade, nem tempo, nem pa�s. Cora��o de m�e � cora��o de m�e – ningu�m tem igual.
Piedosa e devota, M�nica enfrentou um marido violento e mulherengo e um adolescente rebelde. Converteu os dois, na gra�a e perman�ncia da ora��o. Para convencer o filho, tinha atitudes pequenas, como se recusar a tomar as refei��es com ele para mostrar seu desgosto, e grandes atitudes, como orar sem cessar e procurar autoridades religiosas com melhores argumentos que os dela. Tanto que ouviu de um bispo que “ele ainda � demasiadamente ind�cil e demasiadamente imbu�do desta heresia que lhe � nova” para ajud�-la a ter paci�ncia. De outro, “continue a rezar, pois � imposs�vel que se perca um filho de tantas l�grimas”, para exort�-la a persistir na ora��o.
E Deus foi abrindo os caminhos para enxugar as l�grimas de M�nica, colocando na vida de Agostinho o santo bispo Ambr�sio, em Mil�o, que o encantou primeiro pelo conte�do liter�rio de sua prega��o, e, depois, pela doutrina dos serm�es, convertendo-se aos 33 anos. Agostinho realmente dera um basta � vida antiga. A m�e viaja ent�o para Mil�o para viver esses momentos com o filho. Finalmente, s�o uma boa companhia um para o outro.
No domingo de P�scoa de 387, Santo Agostinho � batizado e planeja servir a Deus em Tagaste. Volta para a p�tria com a m�e, o filho, o irm�o e um amigo e fazem uma parada em �stia, perto de Roma. � ali que Agostinho e M�nica t�m talvez o encontro mais significativo de suas vidas. Apartados da multid�o, ap�s o cansa�o de uma longa viagem, m�e e filho se apoiam a uma janela, cuja vista d� para o jardim da casa onde est�o morando. Esquecem o passado e se tratam com docilidade.
M�e e filho comungando a mesma f�, sonhando os mesmos sonhos. Falam de santos “que nunca viram”, bebem “na fonte da vida”, divagam at� “o c�u, donde o sol, a lua e as estrelas iluminam a terra”. Admiram as obras do Pai. “Imaginam”, “sup�em”, “dizem” coisas que lhes habitam a alma. Um encontro de ambos com Deus.
M�e e filho comungando a mesma f�, sonhando os mesmos sonhos. Falam de santos “que nunca viram”, bebem “na fonte da vida”, divagam at� “o c�u, donde o sol, a lua e as estrelas iluminam a terra”. Admiram as obras do Pai. “Imaginam”, “sup�em”, “dizem” coisas que lhes habitam a alma. Um encontro de ambos com Deus.
Dentro de cinco dias, ou mais um pouco, M�nica se recolhe ao leito, com febre alta. Morre no nono dia da enfermidade, aos 56 anos, e no trig�simo terceiro de Agostinho, no mesmo ano de seu batismo, 387. No brilhante livro Confiss�es, Santo Agostinho encerra o cap�tulo sobre a m�e pedindo a todos que se lembrem “com piedoso afeto, dos que foram meus pais nesta vida transit�ria e meus irm�os em V�s, nosso Pai, e na Igreja Cat�lica, nossa m�e, e meus concidad�os na eterna Jerusal�m”.
Santa M�nica viveu quase toda a sua vida orando pelo filho. No livro, � o filho quem ora pela m�e, que conseguiu muito mais do que apenas um “crist�o”, mas um fil�sofo, te�logo, m�stico, poeta, orador, escritor, pastor, bispo, doutor, pensador que falava para todos os cora��es. Um dos maiores e mais admirados santos da Igreja.
A hist�ria de Santa M�nica e Santo Agostinho comove o mundo h� anos. As l�grimas, as ora��es, e os joelhos dobrados da m�e. A adolesc�ncia turbulenta, a devassid�o, a convers�o, a f� e a santidade do filho. Se pedirmos para Santa M�nica um gr�o de mostarda da dispensa de sua casa, j� poderemos iniciar um novo ciclo. Se aprendermos com Santo Agostinho que “todo dia � dia de salva��o” j� estaremos tra�ando um novo destino.
Todo dia � dia de orar pelos filhos. Sempre h� um sen�o, uma dificuldade, uma curva, um desvio. A vida � assim. Os sonhos dos filhos n�o s�o os que a m�e sonhou enquanto comprava roupinhas e o ber�o do enxoval. Os filhos t�m os pr�prios sonhos, nem sempre bons sonhos. Nos dias de pesadelo, orai. Nas noites de tormenta, orai. Nas manh�s cheias de sol, orai. No v�cio ou na bebida, na sa�de ou na doen�a, na formatura ou na cirurgia, no casamento ou na solid�o, no desemprego e na afli��o, na conquista e na vit�ria, orai.
Orai, m�es que oram. Enquanto houver uma m�e de joelhos e de m�os postas, os filhos estar�o de p�. Joelhos dobrados pela f�, m�os postas de espe- ran�a. Orai, m�es. Um dia vossos filhos rezar�o por v�s.