Fronteiras com alguns pa�ses da �frica estavam sendo fechadas (foto: Phill Magakoe / AFP)
H� anos, tenho conseguido colocar em palavras minhas experi�ncias de vida. Por�m estas duas �ltimas semanas no Malawi/�frica estou experimentando uma enorme dificuldade em faz�-lo, talvez porque esteja sendo muito dolorido processar o que estou presenciando, mesmo sendo a terceira vez que venho.
Nos fins de semana, nos damos o direito de ter um tempo livre, mas no �ltimo planejei ficar na sala de costura ajeitando as coisas de forma a remanejar meus passos, porque at� ent�o ainda n�o havia conseguido encontrar a melhor maneira de fazer o trabalho a que me propus fazer desta vez.
Por�m, logo cedo acordamos com a not�cia de que as fronteiras com alguns pa�ses da �frica estavam sendo fechadas. Confesso que n�o bateu desespero, apenas inseguran�a. O COVID nos assusta, claro, mas por aqui o cen�rio � diferente, a come�ar pelo fato de que a popula��o do Malaui vive em pequenas vilas isoladas e poucos s�o os que visitam o campo de refugiados.
A fome e a mis�ria n�o permitem que se ocupem com outra coisa que n�o seja conseguir o p�o de cada dia. Para piorar, por terem sido feitos cobaias dos laborat�rios por muito tempo (querendo crer que n�o sejam mais), agora recusam a vacina. "Temos medo dos qu�micos", me explicou minha tradutora congolesa, criada em Mo�ambique. O �ndice de imuniza��o aqui � baixo e felizmente o de cont�gio e mortes tamb�m, se compararmos com a maior parte do resto do mundo. O pa�s tem cerca de 500 infectados atualmente e o n�mero de mortes desde o in�cio da pandemia � de cerca de 2.500.
Para nos tirar do foco das incertezas em rela��o � nossa partida antecipada ou perman�ncia aqui, fomos chamados para participar de uma reuni�o numa vila malauiana ao lado do centro de acolhimento da Fraternidade Sem Fronteiras. Atualmente, somos 13 brasileiros aqui dentro do projeto. Seis de n�s fomos acompanhar a reuni�o junto com um refugiado que nos serviu de tradutor do suaile, l�ngua utilizada pela maioria dos refugiados, para o franc�s.
Descobri que as vilas malauianas conseguem ter piores condi��es de vida que o campo de refugiados. A reuni�o era para discutir que destino dar a duas crian�as g�meas cuja m�e morreu h� uns tr�s meses, v�tima de tuberculose. O pai das crian�as n�o tem como cuidar delas, muito menos os av�s. Al�m dos dois, a m�e deixou outro par de g�meos de seis anos, mas, imagine, esses j� t�m idade para trabalhar. Aqui voc� percebe que n�o h� explora��o do trabalho infantil, o que h� � uma necessidade enorme de sobreviver e n�o h� espa�o e tempo para brincar.
Acompanhei a reuni�o com um dos beb�s no colo. Eles t�m oito meses, por�m pesam no m�ximo quatro quilos. Parece que nasceram ontem. Empoeirados da cabe�a aos p�s, desnutridos e famintos, h� uma semana est�o tomando um complexo enviado pelo m�dico da nossa turma. A comunidade se reuniu para discutir o que fazer com elas. A gente percebe o quanto encaminhar um beb� para ado��o � uma decis�o dif�cil e dolorosa e naquelas condi��es indescrit�veis se compreende que muitas vezes pode ser a �nica op��o. A comunidade se sente respons�vel por todos os seus membros e por isso esse tipo de decis�o deve ser coletiva.
Sa�mos de l� arrasados, em frangalhos. Para todos os lados que eu olhava naquela pequena vila, via tr�s crian�as para cada adulto, nenhuma fonte de �gua, de energia, muito menos de comida. S� uma terra ressentida na qual se tenta plantar alguma coisa. Voltamos para nosso o�sis repletos de problemas e desafios, com a certeza de que os mais dif�ceis entre todos eles s�o os pr�prios seres humanos.