
Risco e incerteza: dois conceitos distintos tratados com eleg�ncia e rigor pelo economista americano Frank Knight num livro de 1921. Para Knight, incerteza verdadeira ocorre quando h� a possibilidade de resultados alternativos para os quais n�o � poss�vel calcular a probabilidade de suas ocorr�ncias. Por sua vez, tudo cuja probabilidade de ocorr�ncia for poss�vel calcular pertence � categoria de risco. O mais comum � que as pessoas misturem essas duas situa��es dif�ceis de entender.
O soci�logo alem�o Ulrich Beck prop�s uma bem-acabada descri��o da vida contempor�nea se desenrolando sob a �gide do risco. J� o soci�logo polon�s Zygmunt Bauman registrou a apreens�o dos nossos tempos flutuando na incerteza.
Para Bauman, as pessoas vivem ansiosas e com medo de n�o ter na manh� seguinte aquilo que contavam como certo ao dormir. Isso � muito diferente de risco. Paradoxalmente, h� muita liberdade em tal situa��o, mas tamb�m muita insatisfa��o, pois � uma liberdade prec�ria com incompreens�o de todos os lados. Tais situa��es s�o chocadeiras de crises.
E aqui vamos n�s, neste in�cio de ano em que conceitos distintos de risco e incerteza est�o se entrela�ando cada vez mais, dada a grande complexidade desta sociedade de vida programada n�o por n�s, mas pelos outros. E quem s�o os “outros”? Com isso, as companhias de seguro, que fazem da ci�ncia de medir risco e a arte de medir incerteza sua voca��o, est�o sob grande press�o. Como assegurar de verdade a restitui��o de danos oriundos de destrui��o f�sica causada por mudan�a clim�tica, terrorismo, epidemias, guerras e cont�nuas guinadas pol�ticas?
Na vanguarda do atual contexto, h� quem aposte que um computador qu�ntico possa calcular melhor a probabilidade de ocorr�ncias alternativas, reduzindo a incerteza da vida das pessoas e colocando a complexidade de volta dentro da caixa do risco. H� quem aposte que adotar esse caminho s� aumentar� ainda mais a for�a de estruturas de poder que minam a liberdade.
Para que lado vai a economia pol�tica internacional ainda est� aberto em importantes pontos, que passam pela elei��o americana e a pol�tica de desacoplamento entre as economias da China e dos EUA, o que j� � uma realidade.
Tanto Donald Trump quanto Bernie Sanders ou qualquer outro democrata que se viabilize s� passar� na base da promessa de mudan�as de conte�do que reduzam a incerteza.
Muitas pessoas n�o est�o aguentando a incerteza da vida, oriunda de um grau de liberdade inaudito, e talvez anseiem pelo retorno a certas certezas, mesmo absurdamente arriscadas. A proximidade de tal mudan�a de rumo, e as fric��es causadas para for��-lo, est�o fazendo o risco explodir.
Se em agosto de 2019 um dos �ndices mais utilizados para medir o risco geopol�tico atingiu a pontua��o mais alta desde abril de 2003, em janeiro de 2020, ele chegou a 746 pontos, o maior registrado desde o in�cio da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914. Compilada por Dario Caldara e Matteo Iacoviello, que trabalham para o FED, o banco central americano, a s�rie hist�rica se baseia na identifica��o de men��es a situa��es que impactam risco geopol�tico encontradas em tr�s dos principais jornais de americanos desde 1899.
� bastante prov�vel que os anos 2020, nos Estados Unidos, ver�o o rompimento agudo do libera- lismo. Democrata ou republicano, j� est� em curso avan�ado o novo estatismo nos EUA e a elei��o atual s� o refor�ar�. Seja de forma �bvia e clara ou dissimulada e com subterf�gios, o pa�s j� n�o � mais muito liberal na forma e vai deixar de ser liberal no conte�do.
Principal colunista do jornal The New York Times nos �ltimos anos, o ganhador do Nobel de Economia, Paul Krugman, escreveu, quando ainda era s� economista e analisava o ent�o assombramento dos EUA com o Jap�o, que pessimistas sentiam que os EUA estavam vendendo sua primogenitura por um prato de lentilha. O Honda havia passado o Chevrolet como carro do ano. O drama b�blico retornou 30 anos depois em propor��es diluvianas, com a ascens�o da China e sua tecnologia. E os EUA est�o dispostos a cuspir no prato em que comeram e a expulsar o irm�o do jeito que for.
A mais palp�vel apropria��o da histeria de incerteza � a decis�o de certos pa�ses de usar o coronav�rus para impedir fluxos de viagem e trocas comerciais, a despeito da orienta��o contr�ria da Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS). Esse tipo de atitude � um dos claros casos que misturam incerteza e risco. E fazem convergir o autoritarismo patente na China com o autoritarismo latente nos pa�ses que se contrap�em a ela. O “cada um que cuide de si” nunca teve tanta chance de dar errado.