
Se existe conex�o entre o comportamento do eleitor e as for�as da globaliza��o ela � clara em �reas mais expostas a importa��es. Candidatos protecionistas s�o os preferidos onde h� um fraco desempenho econ�mico ap�s a abertura de mercado mal feita.
Entretanto, muito mais do que estar exposto a importa��es, a derrocada econ�mica vem da dificuldade de se integrar a cadeias globais de valor em posi��es vantajosas e exportar produtos e servi�os que pagam bons sal�rios e investimentos na economia local. Eleitor prejudicado compreende mais r�pido do que ministro.
O mapa da desindustrializa��o e da inviabilidade de atividades econ�micas tradicionais corresponde ao mapa dos votos que Marine Le Pen recebe nas elei��es nacionais francesas desde quando passou a concorrer em 2012, herdando essa situa��o de seu pai.
De 1995 at� 2012 a Fran�a foi governada pelo tradicional grupo pol�tico de centro-direita que atualmente opera sob o nome de Republicano, derrotando Sarkozy � reelei��o. O ex-presidente enfrenta hoje um processo por corrup��o eleitoral.
Daquela ocasi�o para c� os eleitores j� experimentaram entregar o poder nacional ao Partido Socialista e depois ao ensaio incorporado por Emmanuel Macron, o qual busca se desvencilhar de partidos “tradicionais” para melhorar sua performance.
No primeiro semestre de 2022, o quinqu�nio de Macron chega ao fim, mas sua candidatura � reelei��o parece ter lugar garantido no segundo turno. Apesar de enfrentar ferrenha oposi��o nas ruas, Macron � melhor avaliado do que foram seus predecessores Hollande e Sarkozy.
"O mapa da desindustrializa��o e da inviabilidade de atividades econ�micas tradicionais corresponde ao mapa dos votos que Marine Le Pen recebe nas elei��es nacionais francesas desde quando passou a concorrer em 2012"
A destrui��o da pol�tica partid�ria francesa cobra um pre�o. Um cen�rio muito diferente do da Alemanha, onde um partido de quase 150 anos de funda��o, o SPD, voltar� ao poder numa coaliz�o com outros dois partidos “tradicionais”.
Na Alemanha, as redes de conex�o entre o Estado, empresas, partidos, bancos, trabalhadores e universidades funcionam t�o bem como uma engrenagem Mercedes ou Volkswagen, e seguram a desindustrializa��o enquanto seguem viabilizando novas atividades econ�micas lucrativas. Por outro lado, na Fran�a muita gente se sente entregue ao deus-dar� padr�o europeu. Que ainda prov� muitas oportunidades e uma bela rede de prote��o social, mas que n�o � suficiente para preservar a legitimidade de partidos.
Os franceses expressam hoje uma prefer�ncia por um segundo turno em que Macron enfrente novamente a extrema direita. A diferen�a � que o voto da extrema direita, que h� d�cadas se concentrava no sobrenome Le Pen, passou a se dividir entre Marine Le Pen e �ric Zemmour.
A cara da nova direita � de um comentarista de televis�o. Zemmour � o mais influente polemista franc�s da atualidade e nessa semana criou pegou um rifle numa feira de produtos de seguran�a p�blica e o apontou para jornalistas que o acompanhavam. Dizia rindo que “recuassem”. Suficiente para que diferentes interpreta��es o beneficiassem quando o v�deo viralizou.
"No primeiro semestre de 2022, o quinqu�nio de Macron chega ao fim, mas sua candidatura � reelei��o parece ter lugar garantido no segundo turno"
Zemmour n�o confirma que ser� candidato, mas busca criar seu pr�prio partido para concorrer em abril de 2022. No sistema franc�s, para se candidatar a presidente basta ter o apoio de 500 entre cerca de 40 mil pessoas com cargos eletivos no pa�s. Macron criou seu “movimento” um ano antes da elei��o, ensinando o caminho ao seu concorrente.
Na inten��o de votos, Zemmour pulou para segundo lugar, passando Le Pen. Ele se diz antissistema e prega contra as elites, mas estudou na mesma escola que elas. O que, ali�s, o diferencia de Le Pen, que nunca conseguiu circular � vontade nos bairros mais badalados de Paris.
Zemmour � muito mais presidenci�vel, por assim dizer. E � uma p�gina em branco em termos de economia e a burrice econ�mica ajuda muito aos candidatos de extrema direita pelo mundo. Direita em pol�tica � rede social, identidade, costume e discurso nacionalista. Ironia da hist�ria: poder�amos ser uma Fran�a Ant�rtica, a col�nia que franceses e �ndios da Guanabara tentaram implantar no Brasil no s�culo 19.
Zemmour � bem articulado e consegue normalizar ainda mais a escatologia que inflama a extrema direita europeia. Diz que as pessoas pedem que ele “salve a Fran�a”, um pa�s que j� estaria em uma “guerra civil” cujo inimigo s�o estrangeiros que servem como proxy, equivocada, da globaliza��o.
O encontro do inverno com os pre�os subindo – sobretudo da energia e do combust�vel – vai colocar os coletes amarelos de volta nas ruas. Zemmour diz que eles s�o “v�timas” de todos os que governaram a Fran�a nos �ltimos 40 anos. Artimanhas de linguagem, o fato � que os franceses querem mesmo chacoalhar um sistema pol�tico que parece pouco confi�vel e eficaz. (Com Henrique Delgado)